Quem não conheceu a Dona Alda e seu Queta? Os seus amigos, os amigos dos seus filhos, todos eram bem-vindos em sua casa. E para não deixarmos a história de suas vidas serem esquecidas, sua filha Cássia abre as portas da história de vida do casal para a gente:
Vou contar para vocês uma história de amor. Uma história em que os personagens, pelo menos alguns, vocês devem conhecer e lembrar de detalhes que aqui possam ter sido esquecidos ou ignorados, pelo descuido que tivemos em não absorver ou valorizar as histórias tantas vezes contatas e repetidas por eles, os protagonistas de hoje: nossos pais. Mas vamos começar então... Era uma vez…
No primeiro dia do ano de 1932, na localidade de Rio Bonito, município de Ituporanga, nasceu Osvaldo Miguel Sebold, sétimo filho de Miguel José Sebold e Gertrudes Damann Sebold, descendentes de alemães. Além de Osvaldo, o casal teve outros 12 filhos, alguns biológicos e outros adotivos: Laura, Verônica, Amanda, Leonardo, Vilibaldo, Helca, Teobaldo, Gonilda, Valmor, Tereza, Nelson e Lauro, nessa ordem.
Osvaldo, conhecido por todos desde pequeno como “Queta”, tinha cabelos crespinhos e olhos azuis, que pareciam dois pedacinhos do céu. Além da cor dos olhos, ele e seus irmãos herdaram de seus pais uma personalidade pacífica e serena, marca registrada da família. Conforme os filhos cresciam, a equipe de trabalho de seu pai também aumentava, pois, como era de costume na época, os filhos ajudavam na roça, plantando e criando o que precisavam para seu sustento. Queta, sempre muito trabalhador, além ajudar seus pais, também trabalhava de motorista em uma serraria.
Não muito longe dali, na Barra da Jararaca, Bom Retiro, no dia 23 de janeiro de 1935, nasceu Alda Maria Andersen, por coincidência também a sétima filha do casal Benjamin Andersen e Matilde Montibeller Andersen, ele descendente de dinamarqueses, e ela, de italianos e argentinos. Além de Alda, o casal teve outros oito filhos: Valmor, Alcebíades, Osvaldo (falecido ainda bebê), Doralice, Siro, Adelar, Julita, Edgar e Anélio.
A mãe, Matilde, era costureira e ainda cuidava do trabalho doméstico, providenciando comida e roupa lavada para toda a família. A casa servia de hospedaria para os tropeiros que por ali passavam, então muita comida era preparada e muita cama era arrumada. Para dar conta de todos esses serviços, contava com a ajuda das filhas. Alda, menina de pele clarinha, olhos castanhos e cabelos muito fininhos, trabalhava duro desde pequena, lavando roupas no rio, de joelhos nas pedras.
O pai, Benjamin, era Feitor de Obras (DNER) e acompanhou a construção das primeiras estradas da região. Além disso, era muito envolvido com política, recebia muitas autoridades para jantar e, para entreter os convidados, eles chamavam Alda para recitar alguns versos. Essas ocasiões foram tão marcantes para Alda que, com 84 anos, ainda lembrava dos versos, que declamava com orgulho para os filhos e netos:
“Hoje é a maior data do Brasil. Eu tenho a suprema ventura de externar os sentimentos de brasilidade. Quando Dom Pedro declarou a independência, o Brasil era um país desfeito perante a comunidade universal. Nós brasileiros, além de festejarmos esta data, festejaremos ainda a glória de nossa pátria nas fileiras europeias. E assim termino estas linhas, desejando que todos os brasileiros amem cada vez mais esse nosso e tão nosso querido Brasil. Tenho dito”.
Outra coisa que ela adorava recitar sempre, mas juro que são sei o verdadeiro sentido:
“Palavras eperipotéticas das relações acrobáticas, das aparências sintéticas, fecham-se as águas magnéticas, das represarias aquáticas.”
E assim foi a Alda, crescendo, declamando, trabalhando muito. Além de todas as atividades domésticas que desempenhava na casa da mãe, foi aprender corte e costura com sua madrinha Maria, tornando-se uma excelente costureira. Também era catequista e professora.
Seu pai era um senhor muito enérgico, pouco deixava as filhas saírem de casa. Quando tinha um baile ali por perto, a Alda ficava na janela vendo as pessoas passarem, ouvindo as músicas e muito triste por não poder ir. Mas as poucas festas que conseguiu ir foram suficientes para conquistar o Queta, que depois que a conheceu, não tirou mais os olhos dela. Segundo contavam, a insistência para que ela aceitasse o namoro foi grande, mas deu certo. E então, quando ele começou a frequentar a casa dela, ficavam sentados na sala, sempre com um de seus irmãos do lado, e nosso avô Benjamin ficava passando no corredor com suas botas barulhentas, vigiando o novo casal. Outros tempos...
Mas finalmente o dia chegou. Casaram-se no dia 08 de junho de 1957. Detalhe: o vestido do casamento foi feito por ela, com a ajuda de sua madrinha. Assim como todo seu enxoval bordado a mão.
Foram morar numa casinha de madeira, com sótão, no Rio Bonito, próxima aos pais dele. E ali começaram a vida. O Queta comprava produtos coloniais na região — queijo, ovos, feijão… — e levava pra Florianópolis e São João Batista. Muitas vezes contou que atravessava a ponte Hercílio Luz, ouvindo o barulhinho da madeira do piso da ponte com o encontro das rodas do caminhão. Enquanto isso, a Alda costurava, fazia o trabalho de casa e agora também era cabelereira. Vida de muito trabalho. Mas de muito amor. E desta união nasceram seis filhos: Helena Márcia, Lúcia Marta — faleceu aos oito meses com meningite, acontecimento que ela nunca superou —, Cássia Regina, Alcione Luiz, Alceu Osvaldo e Jaques Roney. Logo após o nascimento dos primeiros filhos, foi morar com eles, para ajudar nossa mãe, uma mocinha ainda menina, a Vanilda, filha da Dona Izaura e do Seu João Capistrano. Ela foi sempre nosso anjo da guarda. Morou conosco por 26 anos. Nosso carinho especial por ela.
O que podemos dizer das lembranças da infância é que tivemos dias difíceis, mas nunca nos faltou um colo, comida e muito amor. Nossa mãe era muito caprichosa, íamos pra escola com aqueles uniformes engomados e impecáveis. Cozinheira de mão cheia, sempre com seus quitutes, merendinhas... e nossos bolos de aniversário eram os melhores e mais bonitos. Nosso pai era bondoso demais, lembro das petecas que fazia, de palha de milho e penas de galinha, dos carrinhos de correr morro, das cabanas embaixo do pé de goiaba e das suas risadas. Também das missas aos domingos, todos apertadinhos na “aranha” (charrete). Tivemos uma infância que dá saudades.
Mas, enquanto o pai trabalhava, a mãe já tinha um desejo: que seus filhos tivessem a oportunidade de estudar, para “poderem ser alguém na vida”, dizia. Então, quando a Márcia, filha mais velha, terminou o 4º ano, veio morar na casa da Tia Doralice, em Alfredo Wagner, para iniciar a 5ª série. Aconteceu também com a Cássia, por um ano. E a oportunidade da família toda se mudar surgiu quando nossas terras foram indenizadas por ser uma área com riscos, devido a barragem que foi construída logo abaixo desta região. Isto foi em 1972-1973, aproximadamente. Com o dinheiro, nosso pai comprou uma casa no Bairro Estreito, em Alfredo Wagner, perto de onde era a laminadora. A casa havia pertencido ao Sr. Manoel Seemann. Era uma casa linda, de madeira, com varanda, pintada de cor-de-rosa, com um assoalho que dava para se espelhar. E tinha banheiro e chuveiro, diferente da nossa antiga. Ficamos encantados com a casa. Ali começamos vida nova.
Nosso pai comprou sua própria serraria, na localidade de Quebra Dentes, atual São Leonardo, e seu caminhão vermelho ficou conhecido por todos. Por onde passava, todos diziam: “Lá vem o Seu Queta”. Muitas vezes, pela manhã, o caminhão não pegava, então ele chamava quem estivesse passando para ajudar a “pôr fogo”, com isso aquecia e o motor e funcionava. Às vezes, na volta, parava no boteco do caminho, bebia sua cachacinha — gostava de cachaça com laranjinha — e ia para casa. Sempre gostou muito de pássaros. Então, construiu um tratador atrás de casa. Era lindo de ver aqueles passarinhos cantando pertinho da janela da cozinha. Outra paixão sua era a horta, sempre repleta de muitas verduras e árvores frutíferas. O pé de jabuticaba ficava carregadinho, ele colhia, lavava e colocava para gelar. Da mesma forma com os belos cachos de uva, que fazia questão, na primeira colheita do ano, de distribuir para cada vizinho uma bacia cheia. Isto lhe dava um prazer enorme. E assim foram construindo grandes amizades.
Nossa mãe, em casa, além de cuidar e cozinhar para os filhos, sempre com a ajuda da Vanilda, costurava muito, cortava e “encrespava” cabelos. Mais tarde foi também vendedora da Natura, Pierre Alexander e Avon. Com isso foram melhorando e mobiliando melhor a casa. Na nossa mesa, sempre tinha lugar para mais um. E ninguém que parasse, pedindo no portão, saía sem algum alimento. Ela tinha uma memória invejável. Lembrava das datas de todos da família, inclusive os números dos telefones, assim que surgiu em nosso município. Pagamentos das contas era a encarregada, para nunca deixar passar do vencimento. Mulher guerreira.
Uma coisa que não existia era briga entre eles, sempre tiveram muito respeito um com o outro, conosco e com todas as pessoas.
Os filhos foram crescendo e com 14 anos cada um ia arrumando um trabalho. Na escola, fizemos muitos amigos e nossos amigos eram como filhos para os nossos pais. Nossa casa vivia cheia, sempre nos deram muita liberdade. E não podia faltar um delicioso café da tarde, com bolinhos de chuva, cuca de banana, toicinho do céu, bolachas passadas na máquina e rosetas, que só ela tinha a forminha. Fazia o maior sucesso. Todos se sentiam muito bem lá. Até hoje ainda recebemos relatos sobre isto.
Com o passar dos anos, os filhos foram se casando. Com isso, apareceram os netos. Cada nascimento, uma alegria. Vieram o Gabriel, a Louise, o Miguel, a Jéssica, a Gabriela, o Lauro, o Marquinhos, a Júlia, o Matheus e a Sara. Sempre foram muito babões por estes netos. E os netos, claro, adoravam a paciência e o carinho deles. E ainda conseguiram conhecer e conviver com os bisnetos Vicente, Benjamin e Lorenzo. Foi uma convivência linda. A mãe preocupada em ter sempre uma guloseima, o pai a contar piadas, muitas vezes repetidas, mas que rendia boas gargalhadas de todos. Ainda sobrava um tempinho para um dominó. A mãe já preferia canastra.
Mas um dia tudo isso foi interrompido por um acontecimento com o nosso pai. Ele teve um AVC em casa, foi levado de helicóptero para Florianópolis e, após duas paradas respiratórias, ele acabou ficando por quatro meses numa cama de hospital. E faleceu em 21 de março de 2013, aos 82 anos.
Com isso, nossa mãe nunca mais foi a mesma. Eles moravam sozinhos, não se largavam, faziam tudo juntos. Depois, ela sempre teve uma cuidadora, mas passou a ficar cada dia mais triste, mesmo com nossas visitas, passeios, cafés com amigas... Sua memória começou a falhar, a perder a noção do tempo, teve dois pequenos AVCs e mais tarde acabou tendo uma trombose, falecendo aos 84 anos, em 25 de março de 2019.
Quando perdemos nossos pais, parece que nos arrancam as raízes. Mas aos poucos vamos percebendo que estas raízes são fortes e que seus exemplos e as boas lembranças ficarão para sempre. E o amor que nos deram foi tão grande que ainda transborda. Com certeza, onde estiverem, estarão nos protegendo e nós, daqui, temos o compromisso de continuar a lhes dar orgulho, que é o que sempre tiveram por nós. Gratidão é o que sentimos!
Informações repassadas por:
Cássia Regina Sebold
Helena Márcia Sebold
Alceu Osvaldo Sebold
Julita Andersen Hinckel
Tereza Sebold
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