Esse projeto nasceu para que pudéssemos registrar
as Histórias da Nossa Gente, pessoas que ajudaram a fazer da nossa cidade o que
ela é hoje. São histórias de luta, de vitórias e derrotas, histórias de pessoas
comuns, assim como nós e vocês, mas que são carregadas de ensinamentos e
lições. É a vida, a nossa vida.
Nesse projeto já tivemos o prazer e também a
oportunidade de deixar a história de algumas pessoas inesquecíveis, registradas
para sempre... um pouco antes delas partirem, nós realizamos as entrevistas e
colocamos no papel um pouco de suas vidas, imortalizando suas histórias. Esse
foi o de seu Anivo Forster, que nos concedeu a entrevista, alguns meses antes
de falecer e hoje ao lado de sua esposa é o protagonista do Histórias da Nossa
Gente.
Anivo Lepoldo Forster (in memoriam), 86 anos e Herta Schwambach Forster, 85, vivem na comunidade de Rio Lessa desde da
infância. Ambos estudaram na mesma escola, frequentavam a mesma igreja, as mesmas
festas, lá se conheceram e escreveram uma história de muita luta, cheia de
conquistas e motivos para abrir largos sorrisos em seus lábios.
A entrevista foi realizada em julho de 2018 e foi
um início de noite repleto de risadas e boas histórias. Eles contaram que desde
muito pequenos trabalhavam na roça, ajudando os pais e irmãos a conquistarem o
sustento da família.
O casal, descendente de alemães, ainda carrega o
sotaque herdado dos antepassados, que chegaram ao nosso país a mais de um
século. Herta não sabe a história de como seus antepassados chegaram aqui, mas
seu Anivo nos contou que foi o tataravô que imigrou da Alemanha para o Brasil. Primeiro
ele e um irmão, parceiro nessa tentativa de nova vida, foram para a Inglaterra,
mas que lá surgiu a oportunidade deles tentarem um futuro melhor na América do
Sul, então, juntos vieram para o Brasil. Aqui chegando se dividiram, um vindo
para Santa Catarina e outro indo para São Paulo. O irmão que foi para São
Paulo, lá formou família e também prosperou, tendo um de seus descendentes até
mesmo envolvido no processo de início das transmissões da televisão Brasileira
ao lado de Hebe Camargo. O irmão que veio para o Sul do Brasil, a princípio se
estabeleceu em Santo Amaro da imperatriz e depois seus familiares acabaram se
deslocando mais para o interior do estado, chegando no Barracão.
Além do trabalho duro, a infância traz memórias da
escola e também da religiosidade, sempre presente na família. Seu Anivo estudou
apenas até a 3ª série, mas segundo ele, foi o suficiente para que ele dominasse
plenamente a escrita e aprendesse a fazer contas como poucos. Sua educação foi
até mesmo elogiada no exército, onde serviu quando chegou a maioridade. Ele
lembra com carinho de sua professora Maria Duarte Althoff, que permitiu que ele
entrasse na escola mais cedo que o costume. Apesar da pouca idade e de ter que
sair antes dos outros – as 10:00h, assim que iniciava o recreio – para ajudar
seu pai, no engenho de farinha que ficava distante da escola, sempre seguiu bem
nos estudos.
Ele e a esposa, companheira de toda a vida,
dividiram até mesmo a professora, pois ela também foi aluna de dona Maria. Dona
Herta nos contou que estudou apenas até a segunda série e que morava a cerca de
5km da escola. Fazendo frio ou chuva ela ia para aula, passando por estradas
cheias de buracos e mato, que faziam seus pequenos pés sangrarem dentro de seus
tamancos de madeira. O casal, assim como a maioria dos colegas chegou a escola
falando apenas alemão. Aprenderam o português com os amigos de aula que falavam
o “brasileiro”, pois precisavam se comunicar com a professora, que não falava
alemão. Herta nos confidenciou, que já nos tempos de escola gostava de Anivo,
apesar das brigas. Ela ainda guarda com estima o seu tinteiro, que é testemunha
dessa história de amor que começou quando eles ainda eram crianças.
As famílias viviam todas de uma maneira muito
parecida, não era comum alguém ter muito dinheiro para ostentar. Viviam uma
vida muito simples, sempre trabalhando o hoje, para conquistarem o amanhã.
Anivo tinha 4 irmãos e Herta 6, o que era bem
pouco para os padrões da época, onde era comum os casais terem mais de uma
dezena de filho.
Eles relembram que seus pais, zelavam para que os filhos
vivessem de acordo com a vontade de Deus. As famílias inteiras iam para os
cultos que aconteciam na igreja do Rio Adaga. Eles ainda lembram de Adolfo Miscalosck
que era o pastor da igreja luterana – a
grande maioria dos colonos dessa região era da religião luterana. O pastor Adolfo
as vezes realizava o culto inteiro em Alemão, a pedido dos mais velhos, que
muitas vezes nem mesmo falavam o português. Era muito comum ver o pastor indo a
cavalo até as comunidades mais distantes. E desse tempo Anivo também relembrou
de sua primeira comunhão, primeira vez que usou sapatos na vida... o sapato não
era novo, era um par que tinha deixado de servir em um primo, mas mesmo assim,
o menino ficou contente em ter pela primeira vez os pés dentro de um sapato.
Quando completou 18 anos, Anivo foi
servir no Exército Brasileiro. Diferentemente da maioria dos moradores do
Barracão que também foram para o exército ele foi para Florianópolis e não para
Lages. Ele nos contou que foi muito bom, pois como tinha duas irmãs que moravam
lá ficar longe de casa não foi tão difícil. Ele também nos contou que quase foi
para o Rio de Janeiro, assim como o amigo Leopoldo Schaffer – do Caeté – o que
o impediu foi o porte físico, pois ele era mais magro do que os selecionados.
Retornando
para casa, casou com Herta, a moça esperou por ele por todo o tempo em que ele
esteve no exército, e quando ele retornou, enfim tinha chegado o momento de
oficializar o compromisso e de fato, começar a trabalhar pensando em formar uma
família. A vida não era nada fácil naquela época, como é de se prever não existia
luz elétrica, então eles não tinham geladeira, muito menos chuveiro elétrico, trabalhavam
o dia inteiro nas roças e na atafona, “lutando” com o gado e com os porcos e a
noite ainda precisavam cumprir uma série de obrigações, tais como: cuidar da
criação, realizar o serviço de casa, fazer até mesmo o pão para o dia seguinte,
além de lavar roupas.
Os filhos começaram a chegar e apenas um dos
partos aconteceu no hospital, apenas o da filha mais nova, todos os outros
foram realizados em casa, com a ajuda de parteiras como Dona Meta – que já teve
a personalidade publicada aqui no blog – e Sophia Popeng Weinz, que fez a
maioria dos partos de Herta. Em um desses partos, não deu nem tempo para a
chegada da parteira, Herta teve a ajuda da sogra, para trazer o filho Adilson
ao mundo.
No início, a principal regra da casa
era a economia, evitavam até mesmo de sair para festas, para não gastar. Eles
precisavam investir no futuro da família. Nos três primeiros anos de casados,
eles criavam gado, mas depois disso começaram a cultivar grandes áreas de
cebola. Seu Anivo nos contou orgulhoso, que a cebola lhe ajudou a conquistar
muitas coisas. “Tudo o que a gente
adquiriu na vida, veio da cebola”.
Ele também nos contou com orgulho que não teve
medo de arriscar e comprar um grande terreno na Boa Vista. Com o intuito a
princípio de criar gado, mas depois podendo ser usado também como área para a
plantação. A grande compra trazia preocupações, pois precisavam trabalhar
bastante para pagar o terreno. Mas hoje, olhando para o passado ele percebe que
foi um grande investimento e que tudo valeu a pena.
Apesar da cebola ser o carro chefe, ele sempre
teve paixão por gado, tendo algumas “criações” até hoje, depois de já ter
repartido suas poses entre os filhos.
Osso de Baleia e casa
Dois fatos chamam a atenção de quem passa pela
estrada do Rio Lesse: a casa de seu Anivo e dona Herta, que foge uns poucos do
padrão das outras casas da região e também um osso de baleia, que ornamenta a
parede de um dos ranchos.
A casa foi construída no ano de 1949 pelo pai de Anivo e eles
tiveram que trazer um pedreiro de outro lugar, o homem tinha acabado de vir da
Alemanha e se chamava Fernando Tezmaia, já era idoso tinha 63 anos na época da
construção da casa, mas foi o único capaz de realizar a obra conforme a vontade
do pai de Anivo.
O osso da baleia veio parar ali na época em que
ele estava no exército a baleia foi morta no Morro das Pedras. Os ossos estavam
por lá, então um cunhado que tinha caminhão se ofereceu para trazer um osso
para o Barracão. Parecia uma boa ideia e Anivo aceitou a oferta do cunhado. Quando
seu Anivo chegou com a estranha “lembrança” por ali, todos se perguntavam, de
onde veio um osso tão grande como aquele? Como foi que ele foi encontrado?
Como, um osso de baleia... ali nem mesmo tinha mar?
Infelizmente no último dia 16 de janeiro, seu
Anivo partiu. Deixando os seis filhos, 14 netos, 14 bisnetos, 1 tataraneto, e
sua grande companheira, Herta, muito saudosos, mas cheios de ensinamentos.
Seu Anivo se foi, mas deixou um legado de
trabalho, honestidade e amor, que será levado adiante por todos de sua amada
família.
3 Comentários
História muito bonita. Parabéns.
ResponderExcluirBela história para ser preservada pelos descendentes!
ResponderExcluirQue linda história...quanta riqueza nos detalhes
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