Histórias de nossa gente - Entrevista com Dona Martinha




O Histórias de Nossa Gente dessa semana conta sobre a vida de Dona Martinha, uma das mais antigas moradoras do centro da cidade de Alfredo Wagner, pessoa que testemunhou todo o crescimento da região. Ela nos fala um pouco sobre sua vida, sobre a constituição de sua família, além de nos trazer lições de saúde e fraternidade.
Martinha, que tem hoje 85 anos, nasceu no Pinguirito, onde seus pais possuíam engenho de farinha, de açúcar, atafona, serraria e algumas plantações. Desde muito pequena ela e os seus oito irmãos contribuíam, juntamente com alguns empregados, no árduo trabalho que as atividades do sítio exigiam.
Ela relata um pouco sobre como acontecia este trabalho. Tinham que secar a massa de mandioca dento dos balaios, os tipitis, para fazer a farinha. Levantavam bem cedo - antes do nascer do sol - para lavar a mandioca dentro do arroio da propriedade. Martinha relembrou o quanto era difícil fazer isso no auge do inverno, com as águas quase congeladas. O trabalho que começava cedo, muitas vezes varava a noite e de sol a sol a família trabalhava, sempre unida.
Vale lembrar que naquele tempo ainda não existia luz elétrica, os equipamentos eram movidos por força animal, ou tocados a água. As pombocas e os lampiões iluminavam a vida das famílias, o que tornava comum acordar com o nariz preto, por causa da fumaça do querosene.
Apesar de ter estudado apenas por oito meses, Matinha ainda lembra-se de sua professora, Maria Moraes. “Aquele tempo era diferente, se ensinava mais”, se referindo ao fato de ter aprendido muito do básico, em tão pouco tempo. “Ler, escrever, fazer contas... Aprendi tudo muito bem!”. O pai era preocupado com a educação dos filhos, por isso contratou uma professora e a instalou dentro de sua propriedade para que os filhos que vieram depois de Martinha pudessem estudar. O nome da professora era Erondina.


A comunidade do Pinguirito era bem isolada, mas se engana quem pensa que por isso não se tinha nada para fazer. Eram constantes na comunidade as surpresas e os bailes de pichurum.
“O pichurum acontecia quando os homens se reuniam e derrubavam uma capoeira ou faziam uma grande roça. Como pagamento, a pessoa que recebia os serviços deveria oferecer um baile, com gaiteiro e tudo mais. Vinha gente de outras comunidades pra ajudar, trabalhavam felizes esperando anoitecer para se divertirem. Muitos namoros começavam em bailes de pichurum. Na “surpresa”, convidavam toda a vizinhança em sigilo. Quem iria receber a surpresa, como o próprio nome já sugere, não poderia saber. No sábado, por volta das nove horas, todos chegavam em frente à casa e dois homens batiam à porta. Vinham abrir, e eles entravam no quarto, pegavam o dono da casa e traziam para a sala; abriam a porta, a gaita já tocava e a festa começava. Um porco gordo – ou galinhas - já era apanhado no chiqueiro, carneado e sua carne comida com pão, trazido pelos organizadores da surpresa.”
Dona Martinha lembra que o gaiteiro que animava tais festas se chamava Anastacio e era um vizinho da família. Nessas ocasiões tinham sempre uma fartura e ela também lembra com saudades das roscas e broas que a mãe fazia.  
Aos domingos, a juventude da região costumava se reunir e foi em uma dessas reuniões que Martinha conheceu o então futuro marido, Ascendino da Cunha. A senhora recorda que ele chegou perto dela e falou: “Posso chegar do teu lado?” e então começaram a conversar a surgiu o namoro, que acabou se transformando em casamento.
A família Cunha sempre foi muito católica e vivia dentro dos preceitos da igreja. Ela se casou na casa de seu pai, no Pinguirito, e hoje ostenta em sua sala as fotos do casamento. A vida da família iniciou na Limeira, onde nasceram os primeiros filhos. Anos depois, buscando melhores possibilidades de vida, se mudaram para o centro, estabelecendo-se primeiramente nas Águas Frias, depois indo para o Barracão e em mais algumas casas, até se estabelecerem há mais de 30 anos em definitivo, no local onde Martinha vive até hoje.


“Comemos o pão que o Diabo amassou primeiro, mas depois deu certo”, fala Martinha se referindo ao quanto a família teve que trabalhar para prosperar. Primeiro eles compraram um posto de gasolina, mas fortes chuvas derrubaram algumas pontes e o movimento caiu drasticamente, obrigando a família a se desfazer do posto. Com o dinheiro da venda do posto compraram um caminhão, mas o marido acabou se acidentando com ele, o que também gerou grandes prejuízos a família. Matinha sempre foi muito forte e também trabalhava para ajudar no sustento dos filhos. Nessa época lavava roupas para fora. Posteriormente, a família montou uma olaria e seguindo os exemplos que tinham de casa, os filhos sempre ajudaram a trabalhar.
Com muito trabalho a família prosperou e Martinha se orgulha em falar que todos os filhos estão muito bem. Ela relata que o que mais lhe traz orgulho são os laços de harmonia e união que os filhos e netos mantêm. “Minha família quando vem não cabe mais dentro da casa, são mais de 60 já”. Ela e seu Ascindino tiveram nove filhos, 28 netos e já tem 15 bisnetos.


Martinha ainda mantém alguns hábitos que herdou da mãe, um deles é o cultivo de chás. Ela e os irmãos foram criados tendo os chás e outras plantas como os únicos remédios quando estavam doentes e ela assegura a eficiência deles, sendo assim, sempre tem alguns tipos de chás em casa: Cavalinha, Salvia, loro, “lavo bem lavadinho, depois boto pra secar”.
Além das Plantas medicinais, Dona Martinha ressalta sua alimentação saudável como alguns dos motivos de sua longevidade e saúde. Ela ainda prepara seus alimentos, sempre pensando em uma alimentação saudável, natural e balanceada.  
“Madre Teresa de Calcutá”. Outras características de Martinha são a generosidade e hospitalidade. Ela já foi até mesmo chamada de Madre Tereza, e não é surpresa para quem a conhece. Ela nos conta com orgulho: “apareceu aqui eu recebo”. Nos falou que recentemente abrigou um grupo de quatro mochileiros argentinos, que estavam dormindo na praça. Lhes deu as refeições, roupas, ofereceu a casa para eles tomarem banho e disse que fazendo isso se sente muito bem, com o coração transbordando de amor e fraternidade.
Falando em acolhimento, ela relembrou a amiga Virginia. Quem não lembra da Virginia? A centenária morreu há dois anos, aos 104 anos e deixou saudade no coração dos amigos. Dona Martinha nos contou que todo dia olha para a foto dela e sente saudade da amiga que conheceu quando ainda era criança. Virginia também nasceu no Pinguirito e mesmo tendo problemas para falar, Dona Martinha entendia tudo o que a amiga dizia. Elas conviveram durante muito tempo, e Martinha afirma que apesar de todos os seus problemas, Virginia viveu uma vida feliz, pois ela sempre estava alegre, contando, dançando, adorava os desfiles de 7 de setembro e se vestia sempre com bastante enfeites.



Ascendino, seu esposo, morreu há 10 anos. Além da enorme saudade do companheiro de tantos anos, ela também sente saudade de alguns vizinhos que já não vivem mais.
O que sentimos ao conversar com dona Martinha foi algo muito bom, uma paz, um misto de alegria e satisfação. Foi sem dúvidas um encontro maravilhoso, encerrado com um chá, um bolo fitness e boas gargalhadas.




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1 Comentários

  1. Silvia Maria Andersen1 de setembro de 2018 às 13:14

    Sempre digo que a dona Martinha e um anjo em vida aqui na terra e, eu agradeço a Deus por ser vizinha e comadre dela. Agradeço sempre todo o carinho e amizade que ela teve para com meus pais e tem pela minha vó. Sinto-me feliz e honrada em te-la em nossas vidas. Amo demais esse anjo bom.

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