PERSONAGENS HISTÓRICOS DE ALFREDO WAGNER
I-
JOÃO CONORATO
Por Juliano Norberto Wagner
Instado a
falar sobre personagens marcantes de nosso Município, imediatamente veio-me o
nome de um dos pioneiros: o velho Conorato, figura legendária, tema central das
rodas de conversa tanto em vida quanto – e principalmente – após sua morte.
Seu nome, na
verdade, era João Conrado Schmidt, e seus pais eram os alemães Konrad Schmidt e
Clara Jakobs, que se instalaram na vila de Barracão entre os anos de 1891 e 1892. A morada destes pioneiros
era no Piquete, mais precisamente onde por muitos anos residiu o Senhor
Valdemiro Förster – de saudosa memória. Konrad e Clara tinham poucos filhos,
para a época. Eram apenas João Conrado e mais umas duas, três meninas: Catharina
Conrada, Clara Conrada e Anna Conrada... Pela abundância e repetição do nome
“Conrado” entre os Schmidt, cuja pronúncia em alemão soa algo como Côn-rat,
apelidou-se toda a família de “os Conoratos”.
Um fato
bastante trágico abalou toda a família, tão logo haviam se instalado nestas
paragens: em um dia de chuva, a jovem Catharina Conrada, moça bonita e
graciosa, desapareceu. Seus pais puseram-se a procurá-la, repletos de angústia.
Depois de algum tempo, foram localizados seus tamancos na beira de um pequeno
perau, que margeava um profundo poço no Rio Itajaí (ainda hoje visto da SC
302). Catharina estava morta, afogada. Nunca seus familiares puderam concluir
se foi um acidente ou se ela se suicidou – pois a jovem estava tendo problemas
com o namorado... Estaria grávida? São dúvidas que as águas barrentas daquele
trágico dia chuvoso de fins do século XIX imergiram.
Quando contava
uns 20 anos, João Conorato conheceu uma moça muito bonita, meiga, de bons
modos, que estudara em um colégio de freiras. Seu nome era Cristina Francisca,
e ela morava com seus pais, Jan Andersen, dinamarquês, e Allidia Hoegen,
holandesa, na Colônia Militar de Santa Thereza. O casal e seus 14 filhos habitavam
uma casa de barro, de pau a pique, onde mantinham uma pequena bodega. Jan –
cujo nome foi abrasileirado para João – de profissão negociante, vivia da compra
e venda de mercadorias. Detalhe: sua venda não dispunha de balcão, gavetas nem
prateleiras. As mercadorias eram dispostas sobre caixotes de madeira, e ali
mesmo eram comercializadas. De suas origens escandinavas, Jan mantinha apenas o
sobrenome, o sotaque carregado e um relógio de parede, de madeira, que lhe
mostrara as horas desde a longínqua Dinamarca, também durante os três longos
meses de travessia do Atlântico, até sua morte, ocorrida aos 56 anos, de
“doença do peito”. Certamente, seu peito carregava a saudade do reino distante,
da neve abundante, da vida à beira do Mar Báltico, das aventuras de seus
ancestrais vikings...
João Conrado e
Cristina se conheceram em uma domingueira, na Colônia Militar, se enamoraram, e
apenas a morte os separaria. Casaram-se, e passaram a morar na vila de
Barracão, no lugarejo posteriormente denominado Estreito. João, sempre afeito
ao trabalho e à expansão de seu patrimônio, labutou incansavelmente durante
toda a sua vida. Plantava feijão, mandioca, cana-de-açúcar e tabaco. Ele e seus
filhos cultivavam tabaco, em galpão, tendo sido provavelmente os primeiros
fumicultores da história do Município. Foi também industrial, mantendo
simultaneamente engenho de açúcar e de farinha.
Suas filhas,
que durante a semana cortavam os braços nas roças de cana, causavam sensação
nos bailes que eram promovidos na vila de Barracão. Egídia (Gidinha), Erondina,
Donatília (Dona), Santília (Santinha) e Santolina (Nini) intercalavam-se como rainhas
dos carnavais e outras festividades.
A casa de João
Conorato era muito bonita: cercada por um bem cuidado jardim, onde havia
flores, chorões e coqueiros plantados, que ornavam o caminho por onde passava o
carro de molas – espécie de carruagem. A casa era construída em estilo enxaimel
germânico, de cuja área se podiam apanhar e degustar uvas e outras frutas,
cultivadas zelosamente pela família. As salas eram decoradas com pinturas
murais e papeis de parede e, em datas importantes, sediavam festas e faustosos
banquetes.
Trabalhador e
econômico, João Conrado Schmidt alcançou patrimônio admirável: a maior parte do
centro de Alfredo Wagner lhe pertencia, bem como o bairro Estreito, desde a
cabeceira da Ponte Eng° Emílio Kuntze até a ponte do Saltinho (Ponte Preta),
além da região do Rio Caeté acima, pelo menos até a altura da primeira subida
para o Morro Redondo, e a Serra do Campo dos Padres.
Antes mesmo da
virada do século XIX para o XX, Conorato construiu um galpão para abrigar
tropeiros e viajantes. Cedia-lhes também o potreiro, onde podiam deixar suas
tropas. Praticamente todos os colonizadores do município passaram por seu
barracão, principalmente os da região de Caeté e Santa Bárbara. Era Conorato
quem os encaminhava para suas novas moradas.
Conorato era
baixo, magro, mantinha bigode avantajado e semblante grave. Andava a cavalo,
trajando botas, guaiaca, chapéu, um colete – no bolso do qual carregava um
relógio de ouro, donde pendia uma correntinha do mesmo metal que era alçada ao
botão. Suas palavras eram poucas e seus costumes ortodoxos: casa, igreja,
trabalho. Sua tez morena, mesmo sendo filho de alemães, indicava a provável
etnia de sua mãe: judaica. Recebia amistosamente as visitas – hábito muito
difundido na época, mas, tão logo se saciava de suas refeições, pedia-lhes
licença e se dirigia aos intermináveis afazeres. Numa época em que os botecos
eram atopetados de homens a comentar sobre o clima e os acontecimentos corriqueiros,
Conorato não perdia tempo: seu lema era produzir.
Quando tinha
pouco mais de 50 anos, numa madrugada de primavera, teve uma triste surpresa:
sua amada esposa falecera. Descontrolado, pôs-se a caminhar ininterruptamente
pela casa, cruzando as salas, copa, cozinha, área do forno... aos prantos e
suspiros. Nunca mais veria sua fiel companheira! Despiu seus trajes cotidianos
e vestiu o luto, como rezava a tradição. Recomendou o mesmo a seus filhos,
inclusive a Florinho, com 13 anos, e o pequeno Lourival, que contava apenas 10
anos. No momento em que, sobre uma carroça, o féretro de Dona Cristina seguia,
a casa, antes tão alegre, agora era envolta por dor e sofrimento. Voltaram do
cemitério de Barracão o viúvo, o primogênito Dôia, as filhas moças e seus dois
meninos: Florinho e Lourival. A ausência da mãe amorosa tornou o lar lúgubre e
vazio. Até as pombinhas que habitavam a moradia voaram, para nunca mais
voltar... era 1° de outubro de 1922.
Dona Cristina
era estimada por todos. Era a mãe dos pobres. Sempre que os mais necessitados a
acorriam, ela dizia: “Espere o João ir pra roça, que eu vou lhes ajudar!” e, assim
que o marido – muitas vezes demasiadamente zeloso com os bens materiais – saía,
ela ia ao paiol e provia de alimentos e roupas andarilhos e miseráveis, que se
despediam, a abençoando. Cristina também ajudava suas irmãs, mais pobres,
vestindo-as com trajes melhores e mais quentes.
Um ano após a
perda da matriarca, os Schmidt viram que cada um deveria procurar dar segmento
às suas vidas. As filhas Santília e Santolina (Nini) casaram-se, em dias
seguidos. Esta, na sexta-feira, com Algenério Santos(Godo); aquela, no sábado,
com Olíbio Leandro Wagner(Lili). Sem as filhas em casa, Conorato procurou a
cunhada Clarinda, irmã de Cristina, também viúva, com quem contraiu núpcias. O
novo casal deixou a velha morada, e se instalou no Sombrio (centro da vila de
Barracão), onde adquiriu uma casa.
Conorato era
um pai atencioso e avô amoroso. Sentia prazer em se ver rodeado pelos filhos e
netos, com quem fazia inocentes brincadeiras. Certa vez, mesa posta, após a
oração, o velho interpelou seu neto primogênito e predileto, Evaldo Franz:
“Valdinho, você come carne de galinha morta?”. O menino ficou enojado e
pensativo, mas ao deparar-se com a risada gostosa do avô, percebeu que ele
estava caçoando.
Criador de
gado, Conorato e descendentes encilhavam os cavalos e levavam, pelo Caeté,
Santa Bárbara, Pedra Branca, tropas de gado, tocadas. Pousavam no lugar chamado
Campo Chato que, pela constante presença do Pioneiro, se tornou um lugar até
hoje repleto de histórias.
Na medida em
que foi envelhecendo, o velho Schmidt foi ficando com a saúde fragilizada. Como
não pode mais trabalhar, calçava os chinelos e ia à vargem (rio acima, no
viaduto do Estreito) ver a filha Gidinha trabalhar. Lá, ela colocava um
banquinho, donde o pai a podia observar.
Como os filhos
de sua segunda esposa eram pobres, Conorato, já idoso, permitia que os enteados
– avessos ao labor – levassem de seus paióis carroças cheias de mantimentos:
batata, mandioca, milho, charque...
Acamado e
débil, Conorato recebeu a visita da filha Santinha, que trouxe seus 7 filhos,
numa carroça, para se despedirem. Vendo que uma netinha fitava para uma penca
de bananas que havia no aposento, o atencioso avô disse: “Dê banana para a menina!”.
Como era
bastante abastado e, na época, não havia bancos nas proximidades, boatos não
faltavam de que Conorato estava enterrando sua fortuna. Seus filhos não
acreditavam nisso, pois sabiam que o pai guardava seu dinheiro em meias,
embaixo do colchão. Mas muitas pessoas discorriam sobre onde e quando o velho depositara
seus pertences mais valiosos.
Um menino que
morava na direção do Caeté – hoje um senhor quase octogenário – relata que
vinha diariamente à aula, no Barracão Velho, e passava na frente da casa do Seu
Conorato (onde atualmente é o Supermercado Beppler). Ao alcançar a morada, via
o ancião sentado, na área, fitando-lhe seriamente, como que a lhe querer
revelar algo. Alguns meses depois, João Conrado falecia... Por três noites
seguidas, o rapazinho teve o mesmo sonho: passava em frente à casa do velho que,
desta vez, lhe chamava e contava ter enterrado um tesouro próximo a um
pinheiro, num morro do Estreito, incumbindo-o de desenterrá-lo.
Esta é apenas
uma de dezenas de histórias que por muito tempo povoaram nossa comuna: pessoas
que sonhavam com o Pioneiro, outras que sabiam de alguém que encontrara um
guardado deixado por ele, ou até mesmo aparições de sua alma no velho barracão
dos tropeiros ou no lendário Campo Chato. Muitos, inclusive seus netos,
puseram-se a cavoucar em pontos estratégicos, onde imaginavam encontrar as
supostas preciosidades.
Na década de
1950 (provavelmente no ano de 1956), o cemitério, que antes se situava ao lado
da capela, no Barracão, foi transferido para sua atual localização. Os que
tinham parentes no antigo campo santo trataram de desenterrá-los para
sepultarem-nos no novo local. Quando souberam que iriam mexer na tumba do velho
Schmidt, morto há quase 20 anos, grande foi a sensação, pois havia duas lendas
acerca do cadáver: primeiro, a de que seu corpo estivesse incorrupto, pelo fato
de ele ter nascido no dia de natal (25/12/1864) e ter adoecido numa 6ª feira
santa; depois, pelo comentário de que sua fidelíssima segunda esposa, Clarinda,
tivesse depositado o ouro dentro do esquife, sob o corpo – conforme suposta
recomendação feita por Conorato assim que percebeu a morte dele se aproximar.
Crianças, dentre elas Quirino Iung, foram acompanhar a exumação do corpo, feita
pelo coveiro Leriano, e por Florinho, Valdinho e Vava, respectivamente filho,
neto e bisneto do falecido. Retiraram a terra até alcançarem o ataúde e, ao
abrirem-no, depararam-se com a ossada envolta no belo terno marrom de lã de
caxemira, este sim, praticamente intacto. Sob o travesseiro, procuraram, em
vão, alguma moeda ou joia. Tratava-se de mais um mito acerca do Pioneiro.
Tendo deixado
ou não panelas cheias de ouro escondidas, uma coisa é certa: não há como
ignorar aquele que era o dono de praticamente todas as terras que hoje abrigam
o centro da cidade e o bairro Estreito. João Conrado Schmidt, agricultor,
pecuarista, industrial, hospedeiro de tropeiros, foi figura exemplar e marcante
em nossa história.
João
Conrado Schmidt
Nasceu
provavelmente na Colônia Santa Isabel (hoje próximo a Águas Mornas) em
25/12/1864
Faleceu
em Barracão (hoje Alfredo Wagner) em 06/10/1938
Informações transmitidas, ao
longo dos anos, por:
Alceste Franz Althoff – in memoriam
Balcino Matias Wagner
Edite Wagner Dorigon
Evaldo Franz – in memoriam
Francisco Valdemar Heiderscheidt
(Quixa)
Iracy Wagner Cardoso
Lígia Kalbusch – in memoriam
Nelito João Franz – in memoriam
Olga Franz
Oscar Maria Althoff – in memoriam
Quirino Iung
Zenira Nunes Teixeira Gandin
5 Comentários
Sensacional!
ResponderExcluirBelissima história, apesar dos sofrimentos, ficou uma grande lição de luta, sabedoria e uma somatória de conhecimentos que por sua vez vieram refletir no dia a dia da comunidade de Alfredo Wagner.Deixando pois uma grande lição de trabalho, honestidade, homem que apesar de suas restrições conseguia se relacionar bem com todos, resultando de tudo isso esta bela história escrita sobre sua vida e de seus familiares.
ResponderExcluirPara os mais jovens saber, Este homem alem de exemplar Honrades foi durante muitos anos dono de todas as terras da rua Estreito desde a cabeceira da ponte no hoje bar do Sapo até o Piquete. Inclusive no terreno onde hoje é a minha casa foi dele fica proximo a torre do celular extremando com Edgar Wagner.O Sr. Balcino Wagner (recentemente falecido) comprou dele todas as suas terras.
ResponderExcluirRudinei Heiderscheidt.
meu bisavô, e a historia dos tamancos tem outras versões bem diferentes
ResponderExcluirUma linda história, muito bem narrada por um dos seus bisnetos, o Juliano. Nascemos, fomos criados, tendo orgulho deste homem, ouvindo suas histórias que queremos perpetuar em gerações futuras. Este blog e o texto do Juliano se torna quase um documentário. Faltaram algumas fotos para complementar. Parabéns! Também, através do meu pai, ouvi as histórias (contadas por ele bem mais tarde para nós) de quando ele era menino, que também teve sonhos, viu seu avô lhe falando sobre onde estaria o tesouro. Algo de mistério e medo lhe permeava ao nos contar isto. Um pai que nos orgulharemos sempre e com este texto, um bisavô com dados que não tínhamos para deixar para sempre no conhecimento coletivo, nosso carinho e respeito eternos. Uma linda história que venceu a barreira de longas viagens de navio em busca de novas terras sem guerras, de amor e de muito trabalho. Obrigada.
ResponderExcluir