A chegada da Camargo Corrêa em Alfredo

    


Alfredo Wagner, ou o antigo Barracão, sempre esteve na rota dos tropeiros, por sua posição estratégica, entre a serra e o litoral, porém, em tempos de outrora para chegarmos tanto em Florianópolis, quanto em Lages, podia-se demorar dias. Na década de 70, horas.

    As condições das estadas eram péssimas e o relevo da região também não ajudava. A solução do governo federal para facilitar o transporte de pessoas e mercadorias foi a construção de uma grande rodovia, que corta o estado indo até à fronteira com a Argentina. A BR 282, muitas vezes chamada de "corredor do Mercosul", realiza a ligação Leste-Oeste cruzando todo o estado de Santa Catarina. Três momentos distintos foram significativos para que a estrada se concretizasse: em 1894, a estrada São José a Lages foi reaberta e retificada em vários trechos; em 1929, a expansão da imigração alemã estabelecendo vilas, realizou-se do litoral em direção ao planalto, abrindo novas estradas e conservando as que já existiam e, aproximadamente em 1975, a rota passou a ser transformada em BR, para, então, começar a receber pavimentação asfáltica. O trabalho de pavimentação prolongou-se até a segunda metade da década de 80. O trecho que compreende o município de Alfredo Wagner foi concluído em 1986.

    A rodovia tem um total de 678 km e cerca de 70 km ficam na cidade de Alfredo Wagner, que foi, justamente, como relatado no livro "Caminhos da Integração Catarinense. Do Caminho das Tropas à Rodovia BR 282" de Antônio Carlos Werner “o trecho entre Bom Retiro e Rancho Queimado, o mais complexo, que transpõe a Serra da Boa Vista”. 
    A construção da BR tirou da rota comunidade como Picadas e Quebra Dentes, que até a década de 70 tinham um comércio forte e eram tão desenvolvidas quanto o centro de Alfredo Wagner. A construção da rodovia não mudou apenas a forma como se vivia nessas comunidades, além de trazer o progresso, essa obra ainda mudou completamente a sociedade de Alfredo Wagner.
Antes da modificação da rota, ela também passava pela rua Águas Frias. 
    Com a chegada da empreiteira Camargo Corrêa, empresa responsável pela construção da rodovia, em julho de 1979, que montou acampamento na cidade, houve um processo de mudança de hábitos da sociedade alfredense, de uma hora para a outra, a cidade quase dobrou sua população. O sotaque alemão deu lugar a sotaques de todos os cantos do país. Eram pessoas com costumes muito diferentes dos nossos. Pode-se perceber essas mudanças no comércio, que passou a ter mais consumidores e consequentemente obteve mais lucros e com isso os comerciantes locais investiram mais no município, surgindo hotéis, restaurantes e outros estabelecimentos comerciais. 
    A vinda da empreiteira Camargo Corrêa como citado anteriormente aumentou a população local, o que desencadeou um maior desenvolvimento econômico no município e aumentou o número de volume de serviços, pois a empresa construtora utilizou a mão-de-obra local e passou a investir em Alfredo Wagner. Um bom exemplo disso eram os hotéis, pensões e pousadas que hospedavam esses funcionários e locais como a Choupana do Tatu, onde Dona Tita se desdobrava em mil para dar conta das mais de cem marmitas que entregava por dia para os funcionários. 
    Além da BR-282 ter aberto os caminhos para Alfredo Wagner, a vinda da empreiteira para nossa cidade alimentou nossa economia na década de 1980.

Mudanças Culturais

Quando a empreiteira chegou em Alfredo Wagner com todos os seus empregados, encontrou uma pequena vila, caracterizada pela cultura alemã, e que mudou muito com a chegada dessa gente que vinha de todos os cantos do Brasil: Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraíba, Piauí, Paraná, Ceará, São Paulo entre outros estados marcavam presença entre os funcionários da empresa. 
A princípio, as famílias Alfredenses ficaram um pouco assustadas com a quantidade de pessoas que chegaram, principalmente pela quantidade de homens que faziam parte do grupo de funcionários. Aproximadamente 80% das pessoas que vieram para cidade eram do sexo masculino.
Diversificação culinária, musical, no estilo de se vestir, no estilo de se comportar, tudo passou a ser um pouco diferente. A princípio, existia rivalidade entre os moços de Alfredo e os recém-chegados com a empreiteira. Parte dessa rivalidade foi diminuída através dos esportes. Tanto os alfredenses quanto os funcionários da Camargo amavam futebol e logo o esporte os uniu em times e em inesquecíveis torneiros de futebol ou futsal. Além disso, os ex-funcionários da Camargo e alguns moradores de Alfredo relembram do saudoso time CCCC — Construções e Comércio Camargo Corrêa — memorável time formado pelos funcionários da Camargo. 
As farmácias da cidade começaram a vender uma série de produtos que não estavam no topo das vendas anteriormente, como perfumes, desodorantes, outros produtos de higiene pessoal e também aumentou a venda de injeções para DSTs.
Visão de quem veio de fora

    Zaida de Lima Pereira, filha de Bonifácio e Leontina, fazia parte de uma das famílias que veio morar em Alfredo Wagner e conta como foi essa experiência. Antes de irem para Alfredo Wagner, a família já havia morado em muitas cidades, tanto no Rio Grande do Sul, quanto no Paraná. O pai, Bonifácio, assim como os irmãos de Zaida, eram funcionários da empresa. Antes de irem morar em Alfredo, eles moravam no Salto no Paraná em um grande alojamento montado para os funcionários, com casas privadas, clubes com piscina e toda uma infraestrutura montada. Chegar em Alfredo Wagner foi um choque de realidade.
    Ela diz que, aos seus olhos, Alfredo Wagner não passava de uma pequena vila, cheia de gente que ainda falava alemão. 
    Apesar de a cidade ser pequena e ainda pouco desenvolvida naquela época, Leontina, mãe de Zaída que hoje mora em Guaíra, no Paraná, diz que foi um dos lugares que ela mais gostou de viver. Lugar de gente simples, mas muito acolhedora. Ela lembra com saudades dos vizinhos e de todas as pessoas que conheceu durante esse seu tempo no Alfredão, como ela costuma chamar a cidade. A família trabalhou com a Camargo até a aposentadoria de Bonifácio e passaram por nove cidades no Rio Grande do Sul e quatro no Paraná. Três dos filhos de Bonifácio e Leontina casaram em Alfredo Wagner: Tabajar, Darcy e Roberto.
    A princípio, essas famílias ficaram hospedadas na Churrascaria Familiar do seu Vandino — na parte de baixo era o restaurante e na parte de cima uma hospedaria e assim as famílias tiveram tempo para encontrar as casas para alugar, entre as famílias inteiras que vieram para Alfredo Wagner, Darcy Lima Pereira relembra as famílias de seu pai Bonifacio, Antenor, Darcy, Rosa, Miguel, Anacleto, Mineirinho.     A casa alugada pela família ficava no Bairro estreito e era comum que os funcionários que vinham com as famílias alugassem casas para viverem, enquanto funcionários solteiros costumavam ficar nos alojamentos ou em pensões e hotéis. Existiam dois alojamentos no centro da cidade, um localizado onde hoje fica o Ginásio Rogerão e um outro construído onde hoje fica o Posto Kretzer ao lado da BR 282, além deles, outro grande acampamento ficava no Rio Lessa. 
    A família de Bonifácio e Leontina viveu em Alfredo Wagner durante oito anos. 
    Um outro depoimento importante é dado por João Evangelista Campos, um dos funcionários que se mudou para Alfredo com a empreiteira e ainda continua morando na cidade. João é de José de Freitas, no Piauí, e começou a trabalhar na empresa em 1981, com apenas 19 anos. Ainda tão jovem, ele se mudou para o Pará, para trabalhar na construção da barragem de Tucuruí, e lá ficou até o ano de 1985, quando se mudou para Santa Catarina, vindo trabalhar na construção da BR 282, como mecânico de máquinas pesadas. Ele destaca que toda a formação dos funcionários acontecia dentro da empresa, os jovens entravam sem saber nada e saíam com profissões como: mecânicos, torneiros, eletricistas, pedreiros etc. O salário pago pela empresa também era muito bom para a época. 
    A primeira parada em Santa Catarina, foi na Vargem Grande, ponto onde a obra estava naquele tempo, mas não demorou muito para ele se mudar para Alfredo Wagner. Diferente de muitos funcionários, João não ficou nos alojamentos e sim no hotel da Dona Amália — Churrascaria São Cristovão, que anteriormente se chamava Churrascaria do Tucano.  
    Ele recorda que não era apenas uma boa alimentação e dormitórios que eram oferecidos no local, a proprietária Dona Amália tinha muito carinho pelos seus hóspedes e os acolhia verdadeiramente com afeto. Ela tratava até mesmo de apresentá-los no comércio da cidade e se colocar como avalista, caso alguém estivesse receio em vender para eles. 
    Um outro ponto destacado pela esposa de João, Valneide, era a dificuldade de comunicação com as famílias. Os empregados da Camargo vinham de vários locais do país e cada um tinha que se organizar de uma maneira para se comunicar com a famílias. Muitos utilizavam cartas e telegramas e às vezes telefonemas, como era o caso de João. Não importava qualquer outro compromisso que ele pudesse ter, mas as tardes de domingos estavam reservadas para ele telefonar para a mãe Maria Alves Campos, que havia ficado no Piauí. 
    O frio foi um dos principais empecilhos para João se adaptar à cidade. Ele nunca tinha passado tanto frio quanto passou em Alfredo Wagner. Vindo de uma das regiões mais quentes do Brasil, chegar em Santa Catarina e encarar o inverno não foi fácil. Além disso, o que mais lhe chamou a atenção quando chegou foi o relevo da cidade. A impressão que ele tinha, estando dentro do vale, era que a qualquer momento tudo poderia vir abaixo. 
    O casal Valneide e João destaca que existia um pouco de preconceito pelos casais formados entre moças da cidade e os camargueiros: “Como assim uma moça tão boa vai se casar com um sujeito desconhecido?”, “Ah, essa união não tem futuro”, “Esses camargueiros não valem nada, vieram para cá apenas para se aproveitarem das moças ingênuas”, e por aí iam os comentários. Os preconceitos vinham até mesmo da igreja, que não era a favor desses casamentos. Hoje, o casal já completa mais de 30 anos de casado e é a prova viva de que o amor sempre pode vencer o preconceito. 

As discotecas e outros atrativos

    Os “camargueiros” eram diferentes dos moços alfredenses, principalmente na maneira em que dançavam. Na década de 80, as Discotecas eram a diversão para os jovens da cidade e desta época pode-se destacar duas que ficavam cheias aos finais de semanas e fazem parte das memórias de muita gente que viveu essa época: a Discoteca Beira Rio, do Nanico, que ficava na Água Fria e a Discoteca Hollywood, dos irmãos Iung, que ficava em local privilegiado no centro da cidade. Eram nesses lugares que os camargueiros mostravam todo o seu gingado dançando com coreografias diferentes ou encantando as moças com as famosas “lentas”.
    A discoteca Beira Rio contava com o DJ Neco, que sabia exatamente, em meio aos seus LPs e fitas, qual a trilha sonora para animar a galera ou despertar o clima de romance. O bar da discoteca era comandado pelo Ceceu e as bebidas mais vendidas eram Cuba — Coca-Cola com uísque — cerveja e muito uísque puro, o Nanico ficava na portaria. 
    Outro ponto frequentado pela turma da Camargo e que também era um ponto de encontro para os jovens da época era a lanchonete Detalhes, da Dona Marlene e do seu Antonio Carlos, que ficava bem no centro da cidade. 

Casas de prostituição 
Famosas também ficaram algumas casas de prostituição da cidade. Com o significante aumento de homens, muito deles solteiros, esse também foi um setor que teve um crescimento exponencial. As duas casas de prostituição mais famosas eram o Pinheirinho e a Escova Bode. 
A Escova Bode ficava no centro da cidade, situada mais ou menos por onde hoje fica o prédio da CELESC, no início do bairro Estreito, e era muito frequentada pelos moços da Camargo. A casa era famosa por confusões, causadas por clientes enciumados por causa de suas funcionárias. Rolou até mesmo morte. Um senhor, descontente por encontrar sua funcionária da casa preferida nos braços de outro, acabou matando o jovem a facadas. 

Manifestações contra a construção do viaduto 

    Quando a Camargo começou a trabalhar no aterro para a construção do viaduto do Estreito, enfrentou muitos protestos, realizados pela comunidade que vivia naquele bairro. Eles reivindicavam a construção de um túnel e não o viaduto. Como todos sabem, o viaduto de quase 200 metros de extensão acabou sendo construído, mas não sem uma grande manifestação, com bastante gente e até mesmo pessoas se deitando na frente dos tratores para impedir as máquinas de trabalhar. A manifestação só teve fim com a chegada do prefeito, que conversou com a população e teve o aval para a obra seguir adiante. 

Lenda Urbana
    Muitas pessoas talvez já tenham ouvido essa história, que talvez não passe de uma Lenda Urbana, mas que durante a década de 90 fazia parte das histórias contadas boca a boca pela cidade. 
    Contam que na época da construção do viaduto, um dos funcionários teria caído em uma das sapatas da ponte — as estruturas que sustentam a construção, formada por grandes tubos —, ninguém notou que ele havia caído e concluíram a tarefa, preenchendo os tubos com cimento.
    Apenas no final do expediente, quando voltaram para o alojamento, os colegas notaram a falta do homem e foram procurar por ele e então se deram conta que ele deveria ter caído dentro de um dos tubos, porém quando perceberam, o cimento já estava seco. Não tinham o que fazer a não ser lamentar.
Porém, essa não foi a última vez que o homem foi visto, contam que em algumas noites, ele sai do tubo e se senta embaixo do viaduto, olhando para rio e gritando, pedindo ajuda para quem passa por ali. Muitas pessoas juram de pés juntos que já viram a assombração, mas outros não acreditam que isso realmente aconteceu. 

Pagamento dos Funcionários 

    Na época da chegada da Camargo Correa em Alfredo Wagner, o escritório da empreiteira ficava no Rio Lesse e o pagamento era realizado lá, porém os funcionários do BESC — extinto Banco do Estado de Santa Catarina — tinham que levar o dinheiro até o escritório. A ex funcionária do BESC, Izete Terezinha Martins Pereira, relembra do risco que ela corria, pois “era dinheiro para realizar o pagamento para mais de 700 funcionários e a empresa era conhecida por pagar bem seus funcionários, era muito dinheiro”. Ela e o guarda do Banco (Belmiro Kreusch) colocavam todo o dinheiro em grandes malotes e seguiam de moto até o escritório, onde os funcionários eram organizados em fila e entravam um por um na sala para receber o seu pagamento. O BESC era responsável pelo pagamento apenas dos “peões”, os funcionários com cargos mais elevados recebiam pelo Banco do Brasil.   
    A funcionária relembra que nunca aconteceu nada de grave, mas sem dúvidas era um risco eles transportarem todo esse dinheiro sem escolta e em uma moto. Ela também relembra que em dia de pagamento da Camargo, o centro da cidade fervia, os funcionários lotavam os mercados, lojas e bares da cidade, movimentando assim a economia do lugar. 

Casamentos

    Como não poderia diferir, existiu muita miscigenação entre alfredenses e pessoas que vieram de fora. Muitas moças do Barracão se casaram com funcionários da Camargo e também algumas moças das famílias que vieram com a Camargo acabaram se apaixonando por alfredenses. 
    Alguns dos casais foram Sandra e Tabajar, Valneide e João, Arlete e Alvaro, Izete e Darcy, Dulce e Roberto, Poli que casou com a Ioli Terezinha, Cabreira e Sônia, Pedro Facada e Carmen, Luiz Antônio Müller com a Rose do Tatu, Sueli Lopes e Hermes. 
    A importância da chegada da Camargo Corrêa em Alfredo Wagner provavelmente é muito maior para mim do que para muitos outros alfredenses. A empresa trouxe desenvolvimento e prosperidade para a cidade, mas muito mais do que isso, ela trouxe o meu pai. Meus pais foram um desses casais que se formaram nos anos 80 em uma mistura entre alfredenses e os forasteiros da Camargo. Cresci ouvindo histórias dos tempos dessa construção, dos alojamentos, das amizades...
    Meu pai, Tabajar, o Taba, trabalhou na empresa desde muito cedo e juntamente com sua família percorreu boa parte do Rio Grande do Sul e Paraná trabalhando com a Camargo, onde se tornou mecânico de máquinas pesadas, dos bons. Com o final da obra, ele permaneceu em Alfredo Wagner e fez dessa cidade o seu lar, até falecer em 2009. 
    Registrando a história da construção da BR 282 em Alfredo, registro também parte da minha história, que nunca existiria caso a Camargo Corrêa não tivesse trazido aquele gaúcho para o Barracão. 

Informações repassadas por:
Izete Terezinha Martins
Darcy de Lima Pereira
Zaida de Lima Pereira
Leontina Proença de Lima Pereira
Joao Evangelista Campos
Valneide Terezinha da Cunha Campos



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