Histórias da nossa gente: Virto Weingartner


Essa edição do Histórias da Nossa Gente vai contar algumas histórias sobre a vida de Seu Virto, que aos 92 anos relembra fatos de sua passagem pelo exército, o Rio de Janeiro nos anos 40, bugreiros e a história da índia Sophia, uma indiazinha que viveu entre os brancos. 

Virto Weingartner nasceu em Navalha - em Taquaras - no dia seis de outubro de 1929. Filho de Osvaldo Weingartner e Elza Shutz Weingartner. O rapaz viveu lá até ir para o exército em 1948 onde passou quase um ano na cidade do Rio de Janeiro. Depois disso se casando em 1950, com Edelia Iahn Weingartner e então mudando-se para a Picadas. 

 

O pai de Virto foi primeiro sapateiro, depois começou a trabalhar com carreta, fazendo transporte de mercadorias entre a serra e o litoral. Trazia madeira, charque e outros produtos. As vezes levava até 3 meses para realizar a viagem, principalmente devido as péssimas condições das estradas. “Tinha sempre muita carreta encalhada”. Essas carretas citadas por seu Virto, eram grandes carroças, puxadas por sete, dez cavalos.  O resto da família vivia da agricultura, plantava de tudo – amendoim, feijão, batata, batata aipo -, na casa nunca faltou nada e ele ressalta que a qualidade da comida produzida ainda era muito melhor que hoje em dia, pois se plantava tudo sem agrotóxico. 

Quando alguém ficava doente eles geralmente se tratavam em casa, tomavam remédios homeopáticos como chás e costumavam fazer emplastos. Mas, quando a doença era um pouco mais grave, seu Virto relembra que os moradores da Taquaras, precisavam recorrer a um farmacêutico de Rancho Queimado, que se chamava Aberlado. Eles não tinham acessos a médicos, por isso a figura do farmacêutico era tão importante e procurada, pois eles geralmente sabiam que remédio deveriam receitar para cada doença e até mesmo realizavam pequenas cirurgias. 

Os divertimentos dos jovens da Navalha da geração de seu Virto não eram muitos, eles se distraiam jogando peteca e as vezes roubavam fumo para fumar escondido. O futebol naquela época não era tão comum por lá quando era pelas terras do Barracão. 



            A comunidade, que também ficava na rota dos tropeiros tinha vendas como a de Willy Weiss que vendia comida e as vezes algumas roupas, a de Gerônimo Thiesen, que era uma venda maior e do seu Jacó Gueda.

Na infância ele falava tudo em alemão e as coisas só começaram a mudar na época do Partido Novo, com as políticas de Getúlio e toda as retaliações que os alemães passaram a sofrer. O pai de Virto foi obrigado a enterrar todos os livros escritos em alemão, para evitar de ser xaropeado. Eles tinham medo dos Ramos de Florianópolis que sempre “atiçavam para perseguir os alemães”. 

   O avô dele comprou o primeiro radio da Navalha. Ele lembra que “todo mundo ia para a casa do vovô assistir”. Todos os vizinhos se sentavam na sala, no escuro para ouvir o rádio. Ele relembra ainda que a maior parte da comunicação era realizada através de cartas.

Da escola seu Virto não tem muitas recordações, entrou na escola com sete anos e como na maioria das escolas das colônias, existia estudo apenas até o quarto ano. Ele tinha muitas dificuldades para aprender com as didáticas utilizadas pelos professores da época. Didáticas que incluíam muitos castigos físicos como palmatória, ficar ajoelhado no milho e também castigos psicológicos. Ele recorda que “Fiquei seis anos na primeira cartilha, quando finalmente fui para a terceira sai da escola”. Mas não aprendeu muito. “O interessante é que quando era o pastor que me ensinava eu conseguia aprender, mas fui aprender a ler e escrever mesmo no exército”. Ele recorda que se alfabetizou quando fez um amigo no exército. O amigo era professor e como viu que Virto não conseguia escrever cartas para sua família, que sempre dependia dos outros para fazer isso, resolveu ajudá-lo. “Eu não queria depender dos outros, sempre tinha alguém pra me ajudar, mas as vezes eles escreviam o que eles queriam e não o que eu queria. Tinha coisa que nem era minha, eles eram católicos e escreviam coisas deles nas minhas cartas”. Então com muita força de vontade e ajudado pelo amigo, que também era catarinense, da cidade de São José, ele aprendeu a ler e escrever e sempre que podia comprava jornais, ainda no Rio de Janeiro, para treinar a leitura.

Ele foi para o Rio de Janeiro em janeiro de 1948, quando entrou para o exército e dessa época ele tem muitas histórias para contar. Imaginem um menino, criado na pequena comunidade de Navalhas, indo morar na capital do país, uma cidade que já naquela época atraia turista, lotava as praias, realizava grandes jogos de futebol no Maracanã e se preparava para sediar a copa do mundo de 1950. 

No exército era comum que seus colegas o chamassem de Catarina, por ser catarinense. Bastou apenas alguns dias para ele ver que a vida no exército não seria um mar de rosas. Era gente de todos os cantos do Brasil, com costumes e jeitos muito diferentes e que agora tinham que conviver todos juntos no mesmo local. Acostumado a sempre trabalhar duro e sempre ter fartura de comida em sua casa, seu Virto relembra que muitas vezes ouviu a barriga roncar no Rio de Janeiro. “Não tinha muita comida, era tudo racionado”, ele precisava encontrar uma solução. Logo que chegou ele tinha a pretensão de se tornar motorista de guerra, mas logo desistiu, pois ele achou que os colegas que também almejavam essa carreira dentro do exército eram um pouco arrogantes. Foi então que ele voltou os olhos para a cozinha. 

Ele poderia trabalhar como cozinheiro e além de aprender uma profissão, ainda se assegurar de que teria o que comer naquele ano. Para isso ele precisou se alistar para a função, ser selecionado e depois disso ainda fazer um curso. Ele conta orgulhoso que ainda hoje guarda o diploma e que ele era o chefe, muitas vezes comandando sete, oito homens. 

            Além dos trabalhos diários preparando as refeições seu Virto ainda lembra de ter ido muitas vezes ao Maracanã a trabalho. Os soldados faziam a segurança nos jogos, pois mais de 70 anos atrás os times cariocas, Flamengo, Botafogo, Vasco, já levavam multidões aos estádios e era preciso que tivesse gente lá para controla-los. Seu Virto relembra que não gostava muito dessa função “sempre dava confusão, empurra-empurra, se a gente não cuidasse, eles subiam na nuca da gente para assistir o jogo.” Ele lembra de várias brigas que aconteceram por lá, algumas inclusive envolvendo os próprios membros do exército, onde o filho do capitão que era soldados, acabou matando um outros soldado conhecido de seu Virto, que era da cidade de Criciúma. 

            Ele relembra também de uma ocasião onde um dos soldados, “um bem bravo”, estava detido dentro do batalhão e eles tinham que abrir a cela para levar comida para ele e ninguém queria ir sobrando para ele a função. O cara dizia “Eu já degolei um, vou degolar outro.”. Seu virto entrou com o bule pelando e apenas avisou para ele não se meter a besta com ele. Funcionou. 

            Ele conta que lá no exército não podia se mostrar fraco. Tinha que “peitar” os outros e não abaixar a cabeça, pois senão com certeza seria pior. 

Quando não estava de serviço ele também aproveitava para passear pelo Rio de Janeiro, que mesmo naquela época já era um pouco violenta. Ele andava de bondinho, conheceu algumas das praias, o Pão de Açúcar e foi até o Morro da Mangueira. Ele também teve a oportunidade de passar um carnaval na cidade maravilhosa, mas foi bem na época que ele tinha machucado o pé com um prego, mas mesmo assim ele deu um jeito e foi aproveitar a festa “Foi uma loucura, era muita gente e a gente não sabia nem se era homem, ou se era mulher”

Graças ao trabalho na cozinha, seu Virto conseguiu economizar um bom dinheiro, pois enquanto os outros soldados ganhavam em torno de 100, seu Virto recebia 700. 

            No dia 4 de dezembro seu Virto e alguns outros soldados de Santa Catarina finalmente voltaram para casa. Eles teriam que ficar mais alguns dias em Joinville, mas seu Virto resolveu que iria pagar uma passagem de ônibus e começar a voltar para casa. Emprestou dinheiro para alguns amigos e começaram a saga. Logo no primeiro ônibus tiveram um problema, quase perderam o dinheiro da passagem, mesmo recuperando apenas parte do dinheiro eles seguiram até Itajaí e de lá fretaram um transporte menor. Ele relembra que ainda deram uma carona para o Pastor Lindolfo Weingartner até Florianópolis, o pastor era uma figura importante para toda a comunidade luterana do estado. 

            Voltando para Taquaras ele ficou mais um tempo na casa dos pais, mais logo conheceu sua futura esposa, Edelia e se casaram. Nos quatro primeiros anos de casado ele viveu na casa do sogro, mais principalmente com a sogra, pois ele nos conta que teve pouco convívio com o pai de sua esposa, pois ele e a esposa se casaram em 20 de maio de 1950 e seu sogro veio a falecer em 1 de junho do mesmo ano. 

Mesmo com pouca convivência, Roberto, o sogro, ensinou algumas coisas que seu Virto nunca esqueceu, como por exemplo: “Nunca compra comida fiado, sempre com dinheiro”, falando da importância de sempre ter alguma economia para se caso fosse preciso. 

Da união o casal teve quatro filhos as meninas Elza, Zeli e dois rapazaes que infelizmente nasceram mortos. 

Quando ele casou o caminhão que levou ele pro casamento, era um caminhão tocado a lenha. Para pegar o motor era com uma manivela. 

Depois de se mudar da Picadas ele foi viver no Hamburg, onde iniciou sua primeira plantação de cebola. Ele ressalta a simplicidade dos agricultores e a esperteza dos políticos, que prometeram uma carga de fertilizante para os moradores da região, mas no lugar mandaram uma carga de salito. “A gente quase matou os cavalos, fazendo eles subirem com todo o adubo e quando descobrimos aquilo não servia para nada”. Eles só descobriram quando receberam a visita de um japonês que os alertou. 

Os índios eram presença constante na região onde seu Virto nasceu e foi criado. Ele lembra de um de seus primeiros encontros com os bugres, que aconteceu no faxinal de seu avô “que ficava ali próximo de onde existe um viaduto na BR 282”. Viu dois homens parados no meio do mato, “só poderiam ser os bugres”. Ele não quis nem saber da confirmação, saiu em disparada com seu cavalo. Ele chegou a ver mais bugres, tanto em Navalha quando depois no Quebra Dentes, mas ressalta que eles eram pacíficos.

Seu Virto relembra também sobre duas crianças índias que foram adotadas por imigrantes. Um menino – que ele não se recorda do nome e a menina Sofia. Segundo a história nos conta as crianças teriam sido as únicas sobreviventes de um grande massacre realizado por Martinho Bugreiro e seus parceiros. Dizem que nesse ataque os bugreiros tiraram a vida de mais de 200 índios e muito ainda se comenta sobre as técnicas cruéis utilizadas pelos bugreiros para matar, principalmente as crianças, que segundo o próprio Martinho “tinham a carne macia”. 

Os bugrinhos seriam irmaos. A menina era muito pequena e por esse motivo teria se adaptado melhor a vida entre os brancos, já o menino por ser um pouco maior, se tornou rebelde e nunca se adaptou. “Os mais velhos contavam que davam banho nele e ele corria para trás do chiqueiro e rolava no chão, para se sujar novamente”. Ele estava sendo criado por uma outra família que o acolheu e seu Virto não tem muitas informações sobre ele, as pessoas acreditam que ele tenha fugido e voltado a viver na mata. Seu Virto lembra que quando os bugres descobriram que os imigrantes tinham a menina em sua casa, começaram a aparecer ao redor da propriedade, gritavam, ameaçavam atacar, para recuperar a menina, mas aos poucos desistiram.

A prática de “poupar” algumas crianças era corriqueira entre os bugreiros, mas não pensem que eles faziam isso por piedade. Eles deixavam algumas crianças vivas para que elas fossem vendidas em cidades como Florianópolis, para servirem praticamente como escravas para as famílias brancas. 

Sophia viveu como parte da família, foi batizada e seu corpo está sepultado no cemitério luterano da cidade. Apesar de inofensiva, por conta de sua origem indígena, todos temiam a menina, que se tornou uma mulher robusta e brava e que nunca deixou ninguém se meter a bobo com ela, como nos contou seu Virto, ainda segundo ele, o nome do pai de criação da menina seria Armandios Gueda

Para encerrar a entrevista seu Virto falou do amor pela família e que o maior legado que ele pode deixar aos seus é a honestidade. Além das duas filhas, seu Virto tem sete netos, onze bisnetos, dois tataranetos (menino de 6 e um de 8).

E com as palavras de seu neto Jaison, encerramos a entrevista com a definição do que é seu Virto “Uma pessoa sempre alegre, cheia de carisma e honesto”. 

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