O Quebra Dentes foi uma das comunidades mais importantes do Antigo Barracão e mesclada com a sua história, também está a história de um casal que participou ativamente do desenvolvimento da comunidade e foi de extrema importância em uma época onde a localidade era ponto de passagem para todo mundo que estava entre a serra e o litoral. Vamos conhecer, através do relato escrito por seu neto Aldair Forster, um pouco sobre a vida do casal Edelberto e Ivete e sobre o famoso hotel do Quebra Dentes.
Ao conversar com alguém que viveu no antigo Quebra Dentes antes dos anos 1980, com certeza você observará um olhar para esquerda e para cima acompanhado de um sorriso no rosto na busca das boas memórias de um tempo que, com certeza, deixa saudades.
O atual distrito de São Leonardo, Quebra Dentes antes dos anos de 1980, era um local movimentado — antes da construção da BR 282. A comunidade era grande, havia diversos comércios, construção de móveis, comércio de baterias e itens para geração de luz e alimentação dos rádios, lojas de roupas, oficinas de carros e rádios, mercado, vendas, posto de combustível, até mesmo um cartório funcionava no local. De todos os pontos comerciais o único que ainda resiste ao tempo é o estabelecimento do Seu Beto, que em outros tempos foi um famoso hotel que atendia viajantes, comerciantes e tropeiros que tinham o local como parada antes da pesada subida para a Boa Vista.
A história da família do Seu Beto e da Dona Veta, como são conhecidos os proprietários do Hotel e personalidades nessa história, está emaranhada com a história de São Leonardo e daqueles que viveram ou passaram por lá.
O Seu Beto se chama Edelberto Seemann, nasceu em 04 de setembro de 1938, filho dos agricultores Henrique Guilherme Seemann e Bertolina Guckert Seemann, nasceu no Rio Adaga. A Dona Veta, que incorporou o Seemann ao sobrenome depois do casamento, se chamava Ivete Schutz e nasceu em 10 de fevereiro de 1942 no Quebra-Dentes, filha dos também agricultores Olinda e Lindolfo Schutz.
O encontro do Beto e da Ivete aconteceu como muitos outros da época, mas não deixou de ser especial por isso, nos bailes das comunidades, que aconteciam tanto nos salões como nas casas, onde se arrastavam os móveis e a festa era garantida até próximo do amanhecer.
O casamento aconteceu em 1960 e, depois de casados, eles foram morar no Rio Adaga e trabalhar na lavoura, onde plantavam cebola, arroz e outras hortaliças para alimentação própria e criavam porcos, galinha e gado também para consumo. Moraram lá até o final da década de 1960. O nascimento da última filha já aconteceu no Quebra Dentes, após a mudança.
A mudança aconteceu justamente porque o casal construiu uma sociedade para tocar o Hotel que já funcionava no Quebra Dentes e que pertencia à família do senhor Audelino Carlos Klauberg. Após algum tempo de sociedade, seu Beto comprou o restante do hotel e passou a tocar negócio sendo gerido por ele e Dona Veta.
O hotel que se localiza próximo à chegada a São Leonardo e fica de frente para a rua principal funcionava 24 horas por dia, sete dias por semana, e contava com sete quartos de duas camas e um quarto menor com uma cama.
Tocar um estabelecimento como esse não era uma tarefa fácil. Nos anos 1960 até o início dos anos de 1970, não havia energia elétrica. Antes da chegada da eletricidade, lamparinas de querosene eram usadas para iluminar o local. Depois da chegada da eletricidade, as coisas ainda não eram perfeitas, porque ela caía constantemente. Nesses momentos, os famosos liquinhos também eram usados para a iluminação. Fogão e forno a lenha preparavam todas as refeições servidas no estabelecimento durante muito tempo. Muitos móveis foram sendo adquiridos ao longo do tempo, somente na década de 1970 que um velho fogão a gás foi adquirido. Pia para dentro de casa com água encanada somente no início dos anos 1980, até então as louças eram todas lavadas nas gamelas.
Enquanto não havia energia elétrica, alguns alimentos e bebidas eram conservados num porão, outros numa geladeira depois da chegada do gás. Como o hotel era central na localidade, os alimentos armazenados também eram usados para troca com os produtores locais, que produziam, por exemplo, farinha e açúcar. A ideia de comunidade era muito forte na época, todos se ajudavam. A geladeira, por exemplo, era compartilhada com outras famílias vizinhas que a utilizavam para conservar seus alimentos.
Além de hospedagem, o hotel oferecia serviços de restaurante, cuja cozinha contava com a chefia da Dona Veta e o auxílio das filhas. As refeições eram café da manhã, almoço e jantar que eram todos servidos à la carte.
Eram oferecidos três tipos de café da manhã. O café com pão era o mais simples, que além do café com leite servia um dos três tipos de pão oferecidos acompanhado de mousse de alguma fruta, margarina, nata ou uma chimia de queijinho (coalhada de leite com nata). O café com salgado servia os itens anteriores e acompanhava alguma carne frita ou ovos fritos. O café com mistura, além dos itens anteriores, ainda contava com acréscimo de bolo, cuca, o clitsch — que não sabemos como escrever, mas pronunciamos assim — que é um manjar de coco, coração (wafer), algumas vezes um bolinho frito que se assemelha a um sonho ou bolinho de chuva e rosquinhas doces fritas, todas servidas em porções individuais.
No almoço, eram oferecidos os alimentos produzidos na região como arroz, feijão, macarrão e batatas, com três opções de carne — porco, gado ou frango — e pelo menos três tipos de saladas, eles podiam ser pedidos em porções individuais de cada um deles. Além dessas opções, para o almoço era oferecido o que chamamos hoje de prato feito, o sortido da época, que era composto de arroz, macarrão e batatas fritas, acompanhado de dois tipos de carne, e servidos separadamente uma porção de feijão e saladas.
Os pães, bolos e cucas também eram comercializados no local e podiam ser comprados para levar. O movimento no local era intenso e havia tardes que Dona Veta passava todo o tempo em frente ao fogão preparando os corações, rosquinhas e sonhos para servir nos cafés.
Todo o trabalho no hotel era dividido entre Seu Beto, Dona Veta, os quatro filhos, os sócios e alguns empregados. Trabalharam no hotel a filha do Senhor Klauberg, Marli Klauberg Schutz, e seu marido o Jamiro Schutz, além de outros funcionários como o irmão do Seu Beto, o Helson Seemann, e sua esposa Nelza Klauberg Seemann e outros parentes da família, como o Aldin Sardá e Lili Sardá, e mais tarde Zenital Sardá.
Seu Beto era encarregado da parte dos negócios. Cuidava da compra dos itens para abastecimento do local. Buscava com sua pick-up na fábrica da Pepsi em São José os refrigerantes que eram vendidos no hotel e que ele também revendia a outros comerciantes da região. Enquanto estava no hotel, cuidava do atendimento aos clientes. Também gostava de criar alguns animais e sempre teve alguns porcos que criava para o abate.
Dona Veta era encarregada principalmente de preparar os alimentos e do cuidado com os filhos. Com a educação dos filhos era rígida e um rabo de tatu era usado sempre que necessário. Toda a rigidez era compensada com o carinho que era transmitido no cuidado que tinha com as roupas e na comida, lembrada com saudades pelos filhos, netos e principalmente pelos genros e nora a quem gostava de alimentar bem e dar um agrado extra sempre que possível.
O bom atendimento que era entregue aos clientes tinha um custo alto para a família, que usava a maior parte do tempo trabalhando e tinham poucos momentos de lazer. As crianças precisaram trabalhar desde muito cedo e recebiam as tarefas que podiam cumprir. Os filhos contam que tinham suas tarefas diárias, como ajuda no preparo dos alimentos, no atendimento nas mesas, no balcão e na limpeza do local. Como moravam próximos à escola, só podiam deixar suas tarefas para ir à aula no momento em que o transporte que trazia a professora passava em frente ao hotel. Além disso, precisavam correr atrás do transporte para chegar em tempo de fazer a fila na escola. Os dois filhos mais velhos precisavam ainda ir para casa na hora do recreio da escola para auxiliar nas demandas. A mais nova, desde muito cedo, era responsável por buscar e lavar as batatas e com o comando “Celoi, batata!” gritado por Dona Veta, já sabia o que tinha que fazer e carregou por algum tempo o apelido Celoi batata.
As crianças podiam sair para brincar quando não havia mais trabalho a ser feito. Mas os filhos contam que usavam uma estratégia para fugir das obrigações de vez em quando para brincar na vizinhança. A menor fugia de casa, outro dizia que ia chamá-la e aproveitava para ficar por lá e assim outro ia chamar os dois anteriores. Se Dona Veta precisasse deles e eles não estivessem, ela os buscava acompanhada do seu rabo de tatu e você pode imaginar como terminava a travessura.
O negócio no hotel era realmente um empreendimento próspero e que de certa forma envolvia boa parte da família. A Dona Olinda ajudava na lavação das roupas de cama do hotel e na escolha do arroz. O Seu Henrique e a Dona Bertolina traziam, em seu cargueiro do Rio Adaga, porcos e galinhas.
Mesmo com a construção da BR 282, que fez com que o tráfego não passasse mais por São Leonardo, o hotel, embora com um número reduzido de hóspedes, continuou em funcionamento, atendendo quem ainda passava por dentro da comunidade. Com o passar dos anos, o número de hóspedes foi reduzindo até os donos decidirem fechar o hotel, no final dos anos 80. Com a saída de outros pontos de comércio da comunidade, o local passou a atender como mercearia e como bar.
Com toda a certeza o trabalho e dedicação ao hotel marcam a história da família do seu Beto e da Dona Veta, que dedicaram a maior parte da sua vida ao negócio e viveram na casa ao lado do hotel até 1996, quando a Dona Veta faleceu por complicações da diabetes que a acompanhava.
No início dos anos 2000, seu Beto se casou novamente, foi morar no centro de Alfredo Wagner. A mercearia foi tocada então pela filha Izonea e sua família. Seu Beto voltou a morar no local depois da separação, acompanhado de sua nova esposa, Dona Solange Schutz Batista. Os dois trabalharam no local por mais algum tempo auxiliados pela família. Depois de sua morte em 2016, a filha Isolde herda o local e assume o negócio, mantendo viva a história da família e de São Leonardo, com seu mais antigo estabelecimento.
Informações repassadas por:
Izonea Seemann Forster
Izolde Seemann
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