Por: Orly Miguel Schweitzer
Quem
residiu ou passou em
Alfredo Wagner entre os idos de 1930 até os primeiros anos deste século,
provavelmente conheceu o “Seu Talico”.
Uma pessoa de bem com a vida, de bem com a família e de bem com as
pessoas que conhecia.
Onde
ele estivesse estaria também a alegria e o bom humor: quer por suas brincadeiras,
quer por uma animada música que comandava com sua gaita de boca. Ele mesmo
transportava, em seu Corcel
1977, todos os instrumentos do seu conjunto musical, composto por uma caixa de som para a gaita de
boca, um pandeiro, um chocalho e um tamborim. Os músicos ele arranjava na hora.
Quem quisesse poderia acompanhá-lo pois não precisava saber “tocar”, e aí a
festa ficava boa.
Outra
característica do “Seu Talico” era a facilidade e a rapidez que comprava a
carne, preparava e servia o churrasco a um convidado, sempre acompanhado de uma
(s) boa(s) cervejinha(s). O interessante é que não gostava de cerveja gelada e
então tinha sempre a sua fora do gelo. Como gostava de pregar peças aos amigos,
enchia-lhes os copos com a cerveja quente. Eles só se apercebiam da brincadeira
após haver ingerido a metade do líquido bem quentinho e então já reclamavam:
“Seu Talico, seu .... (censurado).
E
foi assim que passou sua vida, de bem com a vida, porém, sem deixar de lado as suas obrigações, as suas
responsabilidades e a cidadania.
Altair
Schweitzer, o “Seu Talico” nasceu aqui
mesmo, em Alfredo
Wagner no tempo do antigo Barracão, em 1918. Filho de Alberto
e Tercília Schweitzer, juntamente com mais 08 (oito) irmãos, todos netos do lendário Jacó Schweitzer, descendente dos imigrantes Alemães em Santa Catarina , o
qual aos 102 anos de idade abriu o baile, no Teatro Carlos Gomes, nas
comemorações do primeiro centenário de Blumenau.
Na
juventude iniciou um relacionamento com uma filha do “Dôia” – Rodolfo Schmidt –
“que não concordava” com o namoro. Mas Julita
(1919-2004) a pretendente ficou doente e o namoro foi permitido. O problema
contava ela, era que ele morava no bairro Barracão e ela no Sombrio, hoje o
centro da cidade. E entre um e o outro dos bairros, existia o antigo cemitério
da cidade – hoje pátio da Igreja
Católica - e a tal da “bica d’água”,
lugares freqüentados por “parenças”, “assombrações”
e “almas penadas”. Então, o Talico arrajava, não se sabe de quem, um revólver
calibre 22 e ia namorar. Passar pelo cemitério era difícil, mas conseguia. Certa
vez na “bica d’água” , naquela escuridão da noite, eis que apareceu-lhe um
vulto branco, mas ele não se intimidou: desferiu dois tiros e saiu correndo.
Chegou ofegante na casa da namorada dizendo que havia “matado o fantasma”. Então, com seus cunhados Teobaldo e
Altino, foram ver o que era. Lá
chegando, encontraram uma folha de papel com a estampa da Revista: “O
Cruzeiro”.
O
casamento foi realizado em 1940e o casal foi abençoado com cinco filhos:
Adilson, Adair, Altair Rogério (Tampa),
Orly e Schirley. Estes, por sua
vez, vieram a casar-se, respectivamente, com: Evelize, filha da Júlia do Jango
Schweitzer; Waldete, filha do Adelar Lehmkuhl;
Loudes, filha do José Rocha; Regina, filha do Quiliano Heiderscheidt e Elito,
filho do Audelino Klauberg.
E vieram muitos netos e bisnetos.
Em
seguida ao casamento, Talico e Julita com o primeiro filho nos braços foram
residir em Lages onde, no bairro Ponte Alta, abriram um pequeno comércio que
não prosperou. Voltaram para Barracão trazendo a mudança em um carroção. Passou a exercer a antiga atividade de
sapateiro e também gerenciava um “Salão de Baile” na propriedade que comprara
do sogro, a qual sempre lhes serviu de moradia.
A
atividade do Salão de Baile era muito
intensa ao ponto de manter, em certa época, dois músicos que ali residiam,
sendo um com acordeom e o outro com pandeiro. Foi daí que surgiu a inspiração
do Tampa (Altair Rogério) que veio a se tornar um exímio acordeonista, conhecido como um grande “gaiteiro”.
Posteriormente, abriram o “Bar e Café do Talico” que servia, também, de Rodoviária. E ali,
eram servidos os melhores doces e pastéis da região que levavam a perícia da
“Dona Julita”. Eram dotados de espírito
de modernidade e auxiliados por amigos – Sr. Schäffer, da Laminadora e Sr.
Izidoro Chequetto - instalaram água
encanada no bar e na residência. Isso
aumentou a clientela que transitava entre Florianópolis – Lages e Rio do Sul. A
caixa d’água era mantida cheia por bomba manual. Depois, veio a “geladeira” onde se fabricavam
saborosos sorvetes, picolés, capilé
gelado, salada de frutas e sem faltar a
cervejinha e refrigerantes gelados – coisas que ali não existiam naquela época.
Como não existia eletricidade a
geladeira funcionava com motor estacionário à gasolina.
Seu Talico sempre se fazia respeitar como
cidadão, era pai de família e tinha grande participação religiosa. Por longa
data exerceu a atividade de Juiz de Paz, na qual, além de realizar casamentos e
outras funções próprias desse encargo, exercia atribuições conciliatórias sendo constantemente solicitado para resolver
questões de família entre vizinhança e outras. Dotado de sua capacidade para
discernir o que era de direito e com imparcialidade, quase sempre conseguia
celebrar um acordo onde as duas partes
envolvidas sentiam-se satisfeitas e lhe agradeciam.
E
nessa tarefa surgiam casos pitorescos. Contava ele, que certa vez recebeu uma
queixa de uma senhora reclamando do marido que chegava embriagado, tirava-a da
cama e lhe batia sem qualquer motivo, salvo a bebedeira. Então perguntou a ela
se tinha uma vassoura em casa: recebendo a resposta afirmativa, disse-lhe para
que exercesse o direito da legítima defesa.
- O que é isso seu Talico?
- Quando a senhora ouvir que seu
marido está chegando embriagado e ameaçando lhe espancar, esconda-se atrás da
porta e desfira-lhe uma vassourada.
Foi
dito e feito. Alguns dias depois, chegou o dito marido com uma das orelhas
manchada de sangue, perguntando:
- Seu Talico, é verdade que o
senhor mandou a minha mulher bater em mim?
E este então voltou com outra pergunta:
- É verdade que você, por várias
vezes, já espancou sua mulher?
- O Senhor sabe como é. A gente
bebe um pouco demais e perde a cabeça.
Então
veio a “sentença”: “Você saia daqui e vá limpar logo essa orelha senão vou
chamar o Murilo – Delegado – para te prender. E se eu souber que você voltou a
bater na tua mulher vou te mandar para o Dr. Promotor e o Dr. Juiz em Bom Retiro.”
A
notícia é de que o casal viveu feliz para sempre.
Esse
senso de justiça e honestidade era reconhecido pelo Poder Judiciário, tanto que
chegou a exercer a função de Juiz de Direito da Comarca de Bom Retiro, por
ocasião das férias do Juiz Titular, o que era permitido na época.
Por
ocasião da Sessão Solene da Assembleia Legislativa em comemoração pela passagem
dos 180 anos da Imigração Alemã em Santa Catarina
foi homenageado, representando a família, com a seguinte placa
comemorativa: “ Homenagem da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina
à família SCHWEITZER de ALFREDO WAGNER, pela importância histórica dos seus
antepassados imigrantes no desenvolvimento do território Catarinense.
Florianópolis, agosto de 2004.”
Mas
o “Seu Talico”, também, levou uma rasteira na política. Ferrenho partidário da antiga
UDN, e muito antes da emancipação política do, então, Barracão, candidatou-se a
vereador pelo Município de Bom Retiro. Era voz corrente: “O Talico já está
eleito.” Ele então se deixou influenciar ao ponto de permitir que seus fiéis
eleitores votassem em outros candidatos da sua sigla partidária, pois
acreditava ter votos de sobra. Então veio a surpresa e a decepção: não se
elegeu.
O
tempo passou, veio a aposentadoria, venderam o Bar e o seu Talico e a dona
Julita passaram a se dedicarem aos filhos e filha, noras, genro e
principalmente aos netos, netas e bisnetos, e todos por sua vez, os amavam
muito. Sempre rodeados de amigos e parentes recebiam
o carinho e a amizade de todos. Nas épocas de Natal e fim de ano, a casa se
enchia. Vinham todos e as festas eram muito boas.
É
com grata satisfação e saudosa memória quando seus filhos e demais descendentes
ouvem, de netos, de amigos e conhecidos, palavras de elogio ao casal, como a
seguir:
Icaroti dos Santos: “Senhor
Talico, pessoa que merece sempre ser lembrada, pela amizade e principalmente
pela alegria que em qualquer situação transmitia.”
Ronério Heiderscheidt: “ O seu
Talico através do seu estilo próprio e
inconfundível, sustentado pela sua
simpatia e felicidade, deixou-nos o legado de como podemos viver pregando a
justiça e a paz.”
Sílvio Valério: “No Bar, com
sorveteria e o salão de sinuca do seu
TALICO, era o ponto de encontro dos amigos e conhecidos de Alfredo Wagner, desde adolescentes aos mais idosos; onde
se deliciava o inesquecível
pastel da dona Julita, picolés e sorvetes.
A galeria de fotos na parede do
bar, das estrelas da seleção escrete de ouro campeãs das copas de 1958 e 1962, do Botafogo e do Figueirense , do qual foi cônsul
honorário em Alfredo Wagner. Quando não havia aula a
garotada ia para lá com seus trocados para um picolé e uma espiada na sinuca. E
nos conhecia a todos, alguns pelo nome, pelo derivativo de nossos pais e muitos pelo apelido. Permitia que
brincássemos na sinuca sem pagamento do tempo de jogo. Quando o barulho mais
parecia um bando de tirivas na bagueira, ele dizia bem alto: “bom dia Delegado Murilo”. E era só taco de sinuca jogado em cima da mesa,
caindo no chão, uns corriam para porta dos fundos, outros pulavam as janelas, e
alguns não tão ágeis escondiam-se de baixo da mesa ou atrás da porta. Depois
ele voltava a dizer: “o homem já foi embora”. E todos voltavam à brincadeira da
sinuca um tanto assustados, e sem saber que fora um
belo blefe, do Seu TALICO, que na
sua virtude genética da calma, paciência e espírito gozador se desmanchava em
sorrisos, às nossas custas e a do Murilo
que estava na delegacia.
Seu TALICO onde estiveres, muito
obrigado por nos permitir que após mais de 45 anos, ainda possamos a ter essas outras belas lembranças.”
Rudiney Heiderscheidt: “Quando eu
ia lhes vender pão de casa passava pelo lado e oferecia diretamente para a dona
Julita, pois sempre ganhava um pastelzinho. E ela comprava um pão para a casa e
outro para distribuir para as crianças da “beira”, que viriam lhe pedir.”
Alessandra Schweitzer (neta):
“Foi dessa forma de viver com simplicidade, tranquilidade, amor pela vida e
muita alegria que o vô Talico e a vó Julita conquistaram a todos.”
Jacques Roberto Schweitzer (neto): “Vô Talico, uma pessoa
tranquila que gostava muito de estar entre os amigos e familiares, trazendo
sempre muita alegria e diversão. Foi sempre um agregador, proporcionando muita
união e felicidade entre nossas famílias, e um grande companheiro da nossa
querida vó Julita, que esteve sempre presente nos momentos bons e nos mais
difíceis de suas vidas.”
Maria
Helena Schweitzer (neta): “O vô Talico e a vó Julita foram para todos nós um
exemplo de vida a ser seguido, pois com seu jeito de ser nos ensinaram a
honestidade, a verdade, o carinho, o amor e os cuidados com os outros e também
a alegria e o valor da vida em família. O vô com sua gaita de boca sempre
formava uma cantoria e a vó com seus doces maravilhosos nos esperando quando vínhamos
visitá-los. O barulhinho das colherinhas nas xícaras logo cedo, quando ainda
dormíamos, sendo preparado o café da manhã, nunca esqueço. Era seu carinho para
conosco. Temos tantas histórias boas para relembrar que só nos deixam saudades.
Somos eternamente gratos por termos tido a graça de tê-los como nossos queridos
e amados avós. Saudades sempre!”
Micheli Klauberg Faustino (neta):
“Escrever sobre o vô Talico e a vó Julita é falar sobre "o amor"; o
quanto eles expressaram este sentimento nas suas atitudes do cotidiano... um
amor cuidado quando tinham todos a sua volta e acolhiam com tanto carinho; um
amor família que buscava união e conciliação diante das dificuldades; um amor
justiça! quando necessário, LIMITE e determinação... um amor natureza que
proporcionou a tantas pessoas uma vivência na chácara... onde tudo acontecia,
as brincadeiras, as conversas, a musica, a liberdade... o cultivo das plantas,
das flores, das frutas... tantas vidas crescendo... um amor sabedoria... que
revelou a sinceridade e simplicidade como sentimentos marcantes... que para ser
feliz não precisa ter, mas ser!
Só tenho a agradecer aos meus avós
pelos bons sentimentos plantados no meu e em muitos corações... é muito bom ter
atitudes que me recordam deles e então percebo que herdei a maior de todas as
riquezas "o AMOR". Como dizia a vó Julita: obrigada e tudo de bom.”
E
assim se passaram os 85 anos da Dona Julita e os 88 anos do Seu Talico. Uma
vida bem vivida. Possivelmente, quando chegaram diante Deus, cada um tenha
dito: “Eis-me aqui Senhor. Eu vivi com alegria. Espero ser recebido(a) em vossa casa.”
Em julho/2013.
Orly Miguel Schweitzer
3 Comentários
Alô Carol. Nós da família, estamos felizez com a publicação da biografia de nossos pais. Parabens pela iniciativa. Abçs. Orly
ResponderExcluirFui morador por pouco período em Alfredo Wagner. Meu pai foi pastor da igreja evangélica no período de 1968/1974. Morávamos à beira do rio e eu matava rãs para que o Seu TÁTICO fizesse pastéis e os vendesse no bar, em troca de tempo livre na sinuca. Anos depois, encontrei com ele numa praia em Florianópolis e me confidenciou que jamais fizera pastel de rã. Eram com carne de frango... Saudades deste que deixou alegria no coração de quem o conheceu.
ResponderExcluirTive a felicidade de conhecer este casal exemplar: seu Talico e dona Julita - prima de meu pai. Ele tinha um carisma inefável: era engraçado, bem humorado, risonho, contador de histórias, bom musicista. D. Julita foi uma santinha. Quando eu ouvia as histórias que meu avô materno, Evaldo Franz, primo da d. Julita, contava sobre a avó deles, Cristina Andersen Schmidt, que acolhia benevolente e pródiga os pobres, alimentando-os, agasalhando-os e os aconselhando, eu me lembrava da d. Julita que, certamente, herdou da avó o cândido coração.
ResponderExcluirNo verão, eu e meus irmãos íamos assiduamente comprar uva do seu Talico. Ele mesmo as apanhava e as pesava numa antiquíssima balança de dois pratos. Escolhia os cachos mais bonitos e graúdos, e, na hora da pesagem, sempre nos favorecia: deixava passar um pouco do peso. Enquanto negociávamos as uvas, ouvíamos dele "causos" sobre o antigo Barracão, recheados de boa dose de bom humor.
D. Julita era mais séria, mas extremamente querida, doce, afável. Certa vez, ofereceu-me uns moranguinhos. Eu me deliciei, e devo ter comentado. Ela, então, me disse:
- Vem aqui em junho que te dou umas mudinhas, e tu plantas. É bem fácil.
Em junho (provavelmente no ano de 1992 ou 1993), fui lá pedir as mudas. Ela as apanhou, me entregou e me instruiu como plantar. Cheguei em casa e fiz como ela me orientara. Logo, estava colhendo - e comendo - os moranguinhos. Fiquei tão feliz!
Em 2003, empreendi pesquisa acerca da história da educação no município de Alfredo Wagner, e não tinha como não entrevistar o casal Schweitzer. Fui acompanhado da hoje Secretária da Educação, Valneide da Cunha Campos, e coletamos informações preciosas. Contaram-nos da sua vida escolar na antiga "Escola Mista Desdobrada de Barracão", ocorrida na década de 1920. Seu Talico nos confidenciou que, ainda na escola, já estava de olho na futura namorada, esposa e companheira por toda a vida. D. Julita se limitou a dizer que, naquela época, achava Talico "um menino muito legal".
Que dádiva ter podido conviver com esse casal que foi baluarte da história alfredense! Descansem em paz.