Personalidades: Altair Schweitzer - Seu Talico

Por: Orly Miguel Schweitzer

Data de nascimento: 05 de abril de 1917
Data de falecimento: 2006

            Quem residiu ou passou em Alfredo Wagner entre os idos de 1930  até os primeiros anos deste século, provavelmente conheceu o “Seu Talico”.  Uma pessoa de bem com a vida, de bem com a família e de bem com as pessoas que conhecia.
            Onde ele estivesse estaria também a alegria e o bom humor: quer por suas brincadeiras, quer por uma animada música que comandava com sua gaita de boca. Ele mesmo transportava, em seu Corcel 1977, todos os instrumentos do seu conjunto musical,  composto por uma caixa de som para a gaita de boca, um pandeiro, um chocalho e um tamborim. Os músicos ele arranjava na hora. Quem quisesse poderia acompanhá-lo pois não precisava saber “tocar”, e aí a festa ficava boa.
            Outra característica do “Seu Talico” era a facilidade e a rapidez que comprava a carne, preparava e servia o churrasco a um convidado, sempre acompanhado de uma (s) boa(s) cervejinha(s). O interessante é que não gostava de cerveja gelada e então tinha sempre a sua fora do gelo. Como gostava de pregar peças aos amigos, enchia-lhes os copos com a cerveja quente. Eles só se apercebiam da brincadeira após haver ingerido a metade do líquido bem quentinho e então já reclamavam: “Seu Talico, seu .... (censurado).
            E foi assim que passou sua vida, de bem com a vida, porém,  sem deixar de lado as suas obrigações, as suas responsabilidades e a cidadania.
            Altair Schweitzer, o “Seu Talico”  nasceu aqui mesmo, em Alfredo Wagner no tempo do antigo Barracão, em 1918. Filho de Alberto e Tercília Schweitzer, juntamente com mais 08 (oito) irmãos,  todos netos do lendário Jacó Schweitzer,  descendente dos  imigrantes Alemães em Santa Catarina, o qual aos 102 anos de idade abriu o baile, no Teatro Carlos Gomes, nas comemorações do primeiro centenário de Blumenau.
            Na juventude iniciou um relacionamento com uma filha do “Dôia” – Rodolfo Schmidt – “que não concordava” com o namoro.  Mas Julita (1919-2004) a pretendente ficou doente e o namoro foi permitido. O problema contava ela, era que ele morava no bairro Barracão e ela no Sombrio, hoje o centro da cidade. E entre um e o outro dos bairros, existia o antigo cemitério da cidade – hoje  pátio da Igreja Católica -  e a tal da “bica d’água”, lugares freqüentados por “parenças”,  “assombrações” e “almas penadas”. Então, o Talico arrajava, não se sabe de quem, um revólver calibre 22 e ia namorar. Passar pelo cemitério era difícil, mas conseguia. Certa vez na “bica d’água” , naquela escuridão da noite, eis que apareceu-lhe um vulto branco, mas ele não se intimidou: desferiu dois tiros e saiu correndo. Chegou ofegante na casa da namorada dizendo que havia “matado o fantasma”.  Então, com seus cunhados Teobaldo e Altino,  foram ver o que era. Lá chegando, encontraram uma folha de papel com a estampa da Revista: “O Cruzeiro”.
            O casamento foi realizado em 1940e o casal foi abençoado com cinco filhos: Adilson, Adair, Altair Rogério (Tampa),    Orly e Schirley. Estes, por sua vez, vieram a casar-se, respectivamente, com: Evelize, filha da Júlia do Jango Schweitzer;  Waldete, filha do Adelar Lehmkuhl; Loudes, filha do José Rocha; Regina, filha do Quiliano Heiderscheidt e Elito, filho do Audelino Klauberg.
E vieram muitos netos e bisnetos.
            Em seguida ao casamento, Talico e Julita com o primeiro filho nos braços foram residir em Lages onde, no bairro Ponte Alta, abriram um pequeno comércio que não prosperou. Voltaram para Barracão trazendo a mudança em um carroção.  Passou a exercer a antiga atividade de sapateiro e também gerenciava um “Salão de Baile” na propriedade que comprara do sogro, a qual sempre lhes serviu de moradia.
            A atividade do  Salão de Baile era muito intensa ao ponto de manter, em certa época, dois músicos que ali residiam, sendo um com acordeom e o outro com pandeiro. Foi daí que surgiu a inspiração do Tampa (Altair Rogério) que veio a se tornar um exímio acordeonista,  conhecido como um grande “gaiteiro”.
            Posteriormente,  abriram o “Bar e Café do Talico”  que servia, também, de Rodoviária. E ali, eram servidos os melhores doces e pastéis da região que levavam a perícia da “Dona Julita”.   Eram dotados de espírito de modernidade e auxiliados por amigos – Sr. Schäffer, da Laminadora e Sr. Izidoro Chequetto -  instalaram água encanada no bar e na residência.  Isso aumentou a clientela que transitava entre Florianópolis – Lages e Rio do Sul. A caixa d’água era mantida cheia por bomba manual.  Depois, veio a “geladeira” onde se fabricavam saborosos sorvetes, picolés,  capilé gelado, salada de frutas  e sem faltar a cervejinha e refrigerantes gelados – coisas que ali não existiam naquela época.  Como não existia eletricidade a geladeira funcionava com motor estacionário à gasolina.
             Seu Talico sempre se fazia respeitar como cidadão, era pai de família e tinha grande participação religiosa. Por longa data exerceu a atividade de Juiz de Paz, na qual, além de realizar casamentos e outras funções próprias desse encargo, exercia atribuições conciliatórias  sendo constantemente solicitado para resolver questões de família entre vizinhança e outras. Dotado de sua capacidade para discernir o que era de direito e com imparcialidade, quase sempre conseguia celebrar um  acordo onde as duas partes envolvidas sentiam-se satisfeitas e lhe agradeciam.
            E nessa tarefa surgiam casos pitorescos. Contava ele, que certa vez recebeu uma queixa de uma senhora reclamando do marido que chegava embriagado, tirava-a da cama e lhe batia sem qualquer motivo, salvo a bebedeira. Então perguntou a ela se tinha uma vassoura em casa: recebendo a resposta afirmativa, disse-lhe para que exercesse o direito da legítima defesa.
- O que é isso seu Talico?
- Quando a senhora ouvir que seu marido está chegando embriagado e ameaçando lhe espancar, esconda-se atrás da porta e desfira-lhe uma vassourada.
            Foi dito e feito. Alguns dias depois, chegou o dito marido com uma das orelhas manchada de sangue, perguntando:
- Seu Talico, é verdade que o senhor mandou a minha mulher bater em mim?  E este então voltou com outra pergunta:
- É verdade que você, por várias vezes, já espancou sua mulher?
- O Senhor sabe como é. A gente bebe um pouco demais e perde a cabeça.
            Então veio a “sentença”: “Você saia daqui e vá limpar logo essa orelha senão vou chamar o Murilo – Delegado – para te prender. E se eu souber que você voltou a bater na tua mulher vou te mandar para o Dr. Promotor e o Dr. Juiz  em Bom Retiro.”
            A notícia é de que o casal viveu feliz para sempre.
            Esse senso de justiça e honestidade era reconhecido pelo Poder Judiciário, tanto que chegou a exercer a função de Juiz de Direito da Comarca de Bom Retiro, por ocasião das férias do Juiz Titular, o que era permitido na época.
            Por ocasião da Sessão Solene da Assembleia Legislativa em comemoração pela passagem dos 180 anos da Imigração Alemã em Santa Catarina  foi homenageado, representando a família, com a seguinte placa comemorativa: “ Homenagem da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina à família SCHWEITZER de ALFREDO WAGNER, pela importância histórica dos seus antepassados imigrantes no desenvolvimento do território Catarinense. Florianópolis, agosto de 2004.”

            Mas o “Seu Talico”, também, levou uma rasteira na política. Ferrenho partidário da antiga UDN, e muito antes da emancipação política do, então, Barracão, candidatou-se a vereador pelo Município de Bom Retiro. Era voz corrente: “O Talico já está eleito.” Ele então se deixou influenciar ao ponto de permitir que seus fiéis eleitores votassem em outros candidatos da sua sigla partidária, pois acreditava ter votos de sobra. Então veio a surpresa e a decepção: não se elegeu.

            O tempo passou, veio a aposentadoria, venderam o Bar e o seu Talico e a dona Julita passaram a se dedicarem aos filhos e filha, noras, genro e principalmente aos netos, netas e bisnetos, e todos por sua vez, os amavam muito.   Sempre rodeados de amigos e parentes recebiam o carinho e a amizade de todos. Nas épocas de Natal e fim de ano, a casa se enchia. Vinham todos e as festas eram muito boas.

            É com grata satisfação e saudosa memória quando seus filhos e demais descendentes ouvem, de netos, de amigos e conhecidos, palavras de elogio ao casal, como a seguir:
Icaroti dos Santos: “Senhor Talico, pessoa que merece sempre ser lembrada, pela amizade e principalmente pela alegria que em qualquer situação transmitia.”

Ronério Heiderscheidt: “ O seu Talico  através do seu estilo próprio e inconfundível,  sustentado pela sua simpatia e felicidade, deixou-nos o legado de como podemos viver pregando a justiça e a paz.”

Sílvio Valério: “No Bar, com sorveteria  e o salão de sinuca do seu TALICO, era o ponto de encontro dos amigos e conhecidos de Alfredo  Wagner, desde adolescentes aos mais idosos; onde se deliciava   o  inesquecível  pastel da dona Julita, picolés e sorvetes.
A galeria de fotos na parede do bar, das estrelas da seleção escrete de ouro campeãs das copas de 1958 e 1962,  do Botafogo  e do Figueirense , do qual foi cônsul honorário em Alfredo  Wagner.  Quando não havia aula a garotada ia para lá com seus trocados para um picolé e uma espiada na sinuca. E nos conhecia a todos, alguns pelo nome, pelo derivativo  de nossos pais e  muitos pelo apelido. Permitia que brincássemos na sinuca sem pagamento do tempo de jogo. Quando o barulho mais parecia um bando de tirivas na bagueira, ele dizia bem alto: “bom dia Delegado Murilo”E  era só taco de sinuca jogado em cima da mesa, caindo no chão, uns corriam para porta dos fundos, outros pulavam as janelas, e alguns não tão ágeis escondiam-se de baixo da mesa ou atrás da porta. Depois ele voltava a dizer: “o homem já foi embora”. E todos voltavam à brincadeira da sinuca  um tanto assustados, e sem saber que fora um belo blefe, do Seu TALICO, que na sua virtude genética da calma, paciência e espírito gozador se desmanchava em sorrisos, às  nossas custas e a do Murilo que estava na delegacia.
Seu TALICO onde estiveres, muito obrigado por nos permitir que após mais de 45 anos, ainda possamos a ter  essas outras belas lembranças.” 

Rudiney Heiderscheidt: “Quando eu ia lhes vender pão de casa passava pelo lado e oferecia diretamente para a dona Julita, pois sempre ganhava um pastelzinho. E ela comprava um pão para a casa e outro para distribuir para as crianças da “beira”, que viriam lhe pedir.”

Alessandra Schweitzer (neta): “Foi dessa forma de viver com simplicidade, tranquilidade, amor pela vida e muita alegria que o vô Talico e a vó Julita conquistaram a todos.”

Jacques Roberto Schweitzer (neto): “Vô Talico, uma pessoa tranquila que gostava muito de estar entre os amigos e familiares, trazendo sempre muita alegria e diversão. Foi sempre um agregador, proporcionando muita união e felicidade entre nossas famílias, e um grande companheiro da nossa querida vó Julita, que esteve sempre presente nos momentos bons e nos mais difíceis de suas vidas.”

Maria Helena Schweitzer (neta): “O vô Talico e a vó Julita foram para todos nós um exemplo de vida a ser seguido, pois com seu jeito de ser nos ensinaram a honestidade, a verdade, o carinho, o amor e os cuidados com os outros e também a alegria e o valor da vida em família. O vô com sua gaita de boca sempre formava uma cantoria e a vó com seus doces maravilhosos nos esperando quando vínhamos visitá-los. O barulhinho das colherinhas nas xícaras logo cedo, quando ainda dormíamos, sendo preparado o café da manhã, nunca esqueço. Era seu carinho para conosco. Temos tantas histórias boas para relembrar que só nos deixam saudades. Somos eternamente gratos por termos tido a graça de tê-los como nossos queridos e amados avós. Saudades sempre!” 

Micheli Klauberg Faustino (neta): “Escrever sobre o vô Talico e a vó Julita é falar sobre "o amor"; o quanto eles expressaram este sentimento nas suas atitudes do cotidiano... um amor cuidado quando tinham todos a sua volta e acolhiam com tanto carinho; um amor família que buscava união e conciliação diante das dificuldades; um amor justiça! quando necessário, LIMITE e determinação... um amor natureza que proporcionou a tantas pessoas uma vivência na chácara... onde tudo acontecia, as brincadeiras, as conversas, a musica, a liberdade... o cultivo das plantas, das flores, das frutas... tantas vidas crescendo... um amor sabedoria... que revelou a sinceridade e simplicidade como sentimentos marcantes... que para ser feliz não precisa ter, mas ser!
Só tenho a agradecer aos meus avós pelos bons sentimentos plantados no meu e em muitos corações... é muito bom ter atitudes que me recordam deles e então percebo que herdei a maior de todas as riquezas "o AMOR". Como dizia a vó Julita: obrigada e tudo de bom.”

            E assim se passaram os 85 anos da Dona Julita e os 88 anos do Seu Talico. Uma vida bem vivida. Possivelmente, quando chegaram diante Deus, cada um tenha dito: “Eis-me aqui Senhor. Eu vivi com alegria. Espero ser recebido(a)  em vossa casa.”

Em julho/2013.
Orly Miguel Schweitzer




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3 Comentários

  1. Alô Carol. Nós da família, estamos felizez com a publicação da biografia de nossos pais. Parabens pela iniciativa. Abçs. Orly

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  2. Fui morador por pouco período em Alfredo Wagner. Meu pai foi pastor da igreja evangélica no período de 1968/1974. Morávamos à beira do rio e eu matava rãs para que o Seu TÁTICO fizesse pastéis e os vendesse no bar, em troca de tempo livre na sinuca. Anos depois, encontrei com ele numa praia em Florianópolis e me confidenciou que jamais fizera pastel de rã. Eram com carne de frango... Saudades deste que deixou alegria no coração de quem o conheceu.

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  3. Tive a felicidade de conhecer este casal exemplar: seu Talico e dona Julita - prima de meu pai. Ele tinha um carisma inefável: era engraçado, bem humorado, risonho, contador de histórias, bom musicista. D. Julita foi uma santinha. Quando eu ouvia as histórias que meu avô materno, Evaldo Franz, primo da d. Julita, contava sobre a avó deles, Cristina Andersen Schmidt, que acolhia benevolente e pródiga os pobres, alimentando-os, agasalhando-os e os aconselhando, eu me lembrava da d. Julita que, certamente, herdou da avó o cândido coração.
    No verão, eu e meus irmãos íamos assiduamente comprar uva do seu Talico. Ele mesmo as apanhava e as pesava numa antiquíssima balança de dois pratos. Escolhia os cachos mais bonitos e graúdos, e, na hora da pesagem, sempre nos favorecia: deixava passar um pouco do peso. Enquanto negociávamos as uvas, ouvíamos dele "causos" sobre o antigo Barracão, recheados de boa dose de bom humor.
    D. Julita era mais séria, mas extremamente querida, doce, afável. Certa vez, ofereceu-me uns moranguinhos. Eu me deliciei, e devo ter comentado. Ela, então, me disse:
    - Vem aqui em junho que te dou umas mudinhas, e tu plantas. É bem fácil.
    Em junho (provavelmente no ano de 1992 ou 1993), fui lá pedir as mudas. Ela as apanhou, me entregou e me instruiu como plantar. Cheguei em casa e fiz como ela me orientara. Logo, estava colhendo - e comendo - os moranguinhos. Fiquei tão feliz!
    Em 2003, empreendi pesquisa acerca da história da educação no município de Alfredo Wagner, e não tinha como não entrevistar o casal Schweitzer. Fui acompanhado da hoje Secretária da Educação, Valneide da Cunha Campos, e coletamos informações preciosas. Contaram-nos da sua vida escolar na antiga "Escola Mista Desdobrada de Barracão", ocorrida na década de 1920. Seu Talico nos confidenciou que, ainda na escola, já estava de olho na futura namorada, esposa e companheira por toda a vida. D. Julita se limitou a dizer que, naquela época, achava Talico "um menino muito legal".
    Que dádiva ter podido conviver com esse casal que foi baluarte da história alfredense! Descansem em paz.

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