Quiliano Heiderscheidt (1920-1996)
Luzia
Arminda Heidersheidt (1923 – 2010)
Por Orly Miguel Schweitzer
Desde os primórdios da
civilização se iniciaram as práticas comerciais em todo o mundo. Ninguém
conseguia produzir tudo o que necessitava. Então, surgiu a troca, na época
designada por “escambo”, palavra que foi substituída por “câmbio”, “permuta” ou
“troca”. Os pastores ou criadores
trocavam com os agricultores seus animais ou a sua carne, lã, o couro da sua
produção de ovelha, de gado, ou outros, por feijão, arroz, mandioca, trigo...
ou de variadas atividades como ferreiro, marceneiro, carpinteiro e tantas
outras. Muitas vezes, com a troca não era possível igualar os valores e
foi então que surgiu o dinheiro, ou seja, a moeda para a troca.
Passou a existir a compra e a venda.
E na localidade de Caeté, originada pelo rio do mesmo
nome, que pertencia à Vila de Barracão, do Distrito de Catuira, Município de
Bom Retiro, hoje Município de Alfredo Wagner, existiu um grande comerciante:
QUILIANO HEIDERSCHEIDT, casado com LUZIA ARMINDA HEIDERSCHEIDT (1923-2010). O casal possuía, ali, uma casa comercial,
naquela época designada “Venda”, a qual havia comprado do morador Adelino
Lickmann.
Enquanto “dona” Luzia – como era chamada - cuidava da
casa, dos filhos e da “venda” o “seu”
Quiliano – assim também tratado -
percorria a região com uma carroça puxada por 6 (seis) cavalos e adquiria a produção dos agricultores
locais: banha de porco, ovos, cera de abelha, queijo, manteiga, charque,
farinha de milho, feijão, arroz, batata
e tantos outros produtos, para
revendê-los nos mercados de Lages e Florianópolis, passando também a fornecer para os batalhões do Exército. De
lá trazia tecidos, linhas, botões, calçados, chapéus, ferramentas, sal,
pimenta, farinha de mandioca, cachaça, etc.,
os quais, por sua vez, eram vendidos
para a população local.
Na realidade, ainda se praticava uma espécie de troca, ou
seja: durante o ano ele fornecia os produtos de necessidade aos agricultores
mediante um crédito que era registrado numa conta-corrente, que na verdade era
uma anotação em uma caderneta, com a assinatura do comprador. Por ocasião da
colheita ou periodicamente, quando recebia a produção agrícola, tudo também era
anotado e se fazia o acerto das contas.
E o pequeno comércio prosperou. Logo compraram um
caminhão, o que era raro naquela época, passando a viajar também para São
Paulo e outras cidades, ampliando assim,
a variedade de produtos, como rádios, máquinas de costura, e os novos produtos
derivados do plástico, conhecido na época como “matéria plástica”, uma grande
novidade.
Uma curiosidade marcante é que o seu Quiliano apesar de ser um exímio motorista, jamais obteve a sua Carteira de Habilitação. Então, contou com a colaboração de muitos jovens motoristas de caminhão que por lá passaram: Seus irmãos Waldemar (Quixa) e Roberto, bem como o Marquinho, o Nicolau Foster, o Zico Seemann, o João Valério entre outros.
Uma curiosidade marcante é que o seu Quiliano apesar de ser um exímio motorista, jamais obteve a sua Carteira de Habilitação. Então, contou com a colaboração de muitos jovens motoristas de caminhão que por lá passaram: Seus irmãos Waldemar (Quixa) e Roberto, bem como o Marquinho, o Nicolau Foster, o Zico Seemann, o João Valério entre outros.
Mas
até chegar a essa fase das suas atividades foram grandes as dificuldades.
Quando solteiro ele já praticava essa atividade, com o seu carroção, pela
região. Embora em quantidade reduzida. E
foram nessas compras que conheceu a mocinha Luzia, filha do Manoel Valério e dona Arminda, agricultores de Santa Bárbara. Ela, desde
nova, demonstrou gosto pela produção. Aconselhada pela mãe começou a formar um
“enxoval”- na época as moças começavam a bordar toalhas, roupas de camas e
outras peças que levariam quando viesse o casamento. Iniciou também uma criação
de galinhas, as quais negociava, com o jovem Quiliano, um rapaz alto, forte e
bonitão, que tinha até um carroção.
Desde menina Luzia já fazia as leituras na igreja, por
ocasião das missas, ou das “rezas” ou “terços”, assim chamados. Com o tempo e
na ausência do padre ou da professora local, ela passou a dirigir essas
atividades religiosas, mesmo ainda
menina.
Os enamorados iniciaram um relacionamento e logo veio o
casamento e lá mesmo em
Santa Bárbara abriram sua pequena “venda” e começaram a
negociar. Ele já tinha a carroça e ela trouxe de casa a sua criação de galinhas
e uma cabeça de gado. Como se deduz, “era cara e coragem”.
Ele já era um grande trabalhador e ela era uma grande
empreendedora. Logo venderam sua casa comercial para o Sr. Cláudio Mariotti e
mudaram-se para o Caeté, localidade maior, onde compraram a casa comercial do
Sr. Adelino Lückmann .
Dona Luzia, devota a Deus e a Nossa Senhora de Fátima, em
certa noite acordou dizendo ao marido que havia sonhado que naquele terreno havia
um belo local em que daria para construir uma gruta onde colocariam a imagem da
Santa. No outro dia, entraram na mata e realmente encontraram uma bela cascata
sobre uma pedra em forma de gruta. E com o tempo construíram a gruta de Caeté. Depois
foram sendo construídos a capela, o salão de festas, churrasqueira, e outros
espaços onde, até hoje, são celebradas missas, rezas, reuniões e até mesmo
cultos de outras religiões cristãs. Hoje o lugar serve como atrativo do turismo
religioso, pois é grande o número de pessoas de Florianópolis e região que frequentam
as festividades. É com satisfação e saudade que os filhos e netos, ao visitarem
o local, sempre repetem a leitura da placa comemorativa que se encontra na
Capela da Gruta onde constam os nomes de seus pais, como fundadores da mesma.
Esta
união foi abençoada por muitos filhos: Rufino,
Rainildes, Regina, Rogério, Raini, Ronério, Rudinei e Roney. Vieram as noras: Zélia, Dirce, Eunice e Tania
e os genros Elio, Valdir, Orly e Dirceu. Veio também a felicidade de
ganharem muitos netos(as), e bisnetos(as); os quais sempre foram a grande alegria do “Vô” Quiliano e da “Vó” Luzia. O mais curioso nessa família é que “o sogro e
a sogra” gostavam das noras e dos genros e estes também cultivavam um amor que
era reciproco. Tambem eram amados por todos os netos e netas. Era muito comum a dona Luzia dizer: “Eu tenho
uma família de ouro”.
Voltando
aos tempos em Caeté é de se ressaltar que, naquela época, era uma região muito próspera formada pelas
localidades de Santa Bárbara, Morro Redondo
e Santo Anjo, cuja estrada seguia para Anitápolis. Possuía grande quantidade de habitantes
dedicados à produção agrícola e pecuária. Com a campanha de colonização do
Paraná, o Governo daquele Estado facilitou a aquisição de terras, as quais eram
mais produtivas e o futuro era promissor.
Então o êxodo foi grande. Famílias inteiras se organizaram e mudaram
para aquele Estado. Os tempos mudaram e a população em Caeté reduziu juntamente
com o comércio também.
No
lugar existia uma escola onde trabalhava a professora, Sra. Izaura. Quando ela
se aposentou, veio uma nova professora, Sra. Ziza Ibagy, porém, eram tão poucos
os alunos que a Prefeitura (Bom Retiro) fechou a escola. Então o seu Quiliano,
por uns tempos, contratou essa mesma profissional, com o intuito de manter a
escola para alguns de seus filhos e alguns vizinhos, já na idade escolar e de
outros vizinhos. Com a saída dessa
última educadora houve a tentativa de contratação de outro professor, que não
se concretizou. Alguns dos filhos passaram a frequentar a escola no centro de
Alfredo Wagner, mas a distância era grande. Outros foram estudar em Bom Retiro , o que
também não era fácil naquela época.
Então,
dona Luzia, prevendo que os filhos não poderiam ficar sem estudar e com o
desejo de mantê-los em casa, sugeriu ao
marido que se mudassem dali.
Venderam
seu comércio para o Sr. Noé Souza, e mudaram para o centro de Alfredo Wagner
onde desenvolveram atividades com serraria, dormitório, açougue e agricultura.
De início eram auxiliados pelo filho mais velho, Rufino, o qual, aos 18 anos
veio a falecer de maneira trágica, o que causou grande comoção em toda a região
e um abalo emocional em toda a família,
que só com o tempo passou a ser suportado porém sempre lamentado.
Já
na atividade com açougue, o filho Rogério passou a ser o “braço direito” do pai
apesar da tenra idade. Já por volta dos
10 aos 12 anos, era comum vê-lo, ainda usando calças curtas - moda para as
crianças da época – viajar de carona com os caminhões do transporte da madeira,
para a região de São Joaquim e Bom Jardim da Serra para fazer pagamentos pela
compra de gado. Como não existiam Bancos o dinheiro era levado dentro de um
saco de linhagem, comum naqueles tempos.
Os
outros filhos freqüentaram o Colégio local e aqueles que quiseram, continuaram
os estudos em Florianópolis e São José.
Sem
deixar de amar e freqüentar Alfredo Wagner, alguns ainda mantem propriedades na
cidade. Atualmente, todos residem ou desenvolvem atividades em Florianópolis,
São José e Palhoça. E como dizia o seu
Quiliano, com grande satisfação: “Todos estão bem lá em baixo”.
Nas
atividades sociais ele dedicava-se a Política, tendo sido eleito Vereador pelo
Município de Bom Retiro. Posteriormente, foi eleito Vice-Prefeito o município,
na gestão de Norberto Wagner. Entre os dois sempre houve um ótimo
relacionamento político e uma grande amizade entre ambas as famílias, herança
que perdura até a atualidade.
A
característica política e marcante de seu Quiliano, reforçadas por dona Luzia,
era de que em seus chamados, redutos eleitorais, pela amizade que cultivava com
os moradores, sabia com precisão os votos que receberia. Outra característica era o respeito que
dedicava e recebia de seus adversários políticos. Por mais de uma vez recebeu a visita do Sr.
Rogério Kretzer, que vinha cumprimentá-lo após uma eleição, mesmo que vencedor
ou vencido, quando em posições opostas. E isso concretizava a amizade
particular que existia entre eles, tanto que em outras campanhas trabalharam do
mesmo lado.
As
atividades sociais da dona Luzia foram marcadas por sua frequência nos grupos
religiosos, e na ajuda material, espiritual e moral às pessoas que a ela se
socorriam em busca de auxílio ou de uma palavra de fé e de esperança. Foi uma
grande pregadora do perdão. Era até
motivo de troca de opinião entre os familiares; quando alguns argumentavam o
contrário, ela insistia sempre em que o perdão deveria ser dado em qualquer
circunstância, mesmo que fosse difícil.
Era
muito comum pessoas virem procurá-la em busca de um apoio moral; muitas vezes
por problemas familiares, outras apenas para desabafar eventuais mágoas. Ela lhes dizia que possuía uma oração muito
forte que resolveria aquele problema. Mas na verdade o que ela transmitia,
amparada na sua fé em Deus, eram palavras de consolo e um aconselhamento para
uma atitude que aquela pessoa deveria tomar para resolver a situação. Muitas dessas pessoas voltavam depois, para
agradecer, porque a situação adversa havia se resolvido. As orações dela
somente não fizeram efeito para àqueles que desejava, deixar da bebida
alcoólica.
Com
as atividades agrícolas existiam muitos mantimentos. A mesa desse casal estava sempre cheia,
graças à Deus, de alimentos e de gente. Quem lá chegasse era sempre convidado por
ele a sentar-se à mesa, por mais humilde que fosse a pessoa, notadamente seus
empregados ou parceiros rurais. Ela para não ser pega de surpresa e já
conhecendo o marido, sempre preparava as refeições em maiores quantidades, pois
ele sempre trazia mais alguém para comer, sem se preocupar se haveria comida
para todos. “Isso é problema da Luzia”, dizia ele.
Mas
o grande mérito desse casal, além da grande amizade e o respeito que recebiam e
retribuíam com toda a sua vizinhança foi a dedicação pelos mais humildes, pelos
parentes e pela própria família.
Houve
problemas, crises e tristezas. Muitos
superados e outros suportados e confortados pelo amor familiar e pela fé em
Deus. O que dava-lhes força e vontade para prosseguir, trabalhar, reagir e
começar de novo, era isso: o amor e a fé.
Mas
a grande alegria e felicidade do casal era a sua família. Quando chegavam os
Natais e outras festas a casa se enchia e a família toda se reunia. E note-se
que não eram poucos. A filharada com seus maridos e esposas e muitos netos,
todos dormindo até pelo chão, cantando, conversando, rezando, comendo e
sorrindo. Eram festas lindas! Isso sem
contar o rebuliço com a insistência e teimosia do “homem” em carnear um boi às
vésperas do Natal, o que se repetia em todos os anos.
O
tempo passou, os netos cresceram, já vieram os bisnetos, e, os avós Quiliano e
Luzia juntamente com outro filho o Roney, também falecido de maneira trágica e
lamentável, já estão com Deus... o que assim se espera e confia!
...
e a vida e a nossa história continuam...
É
com grande satisfação e muitas de saudades que nós, seus familiares, contamos e
ouvimos os relatos sobre suas vidas.
A
seguir, o relato pessoas de alguns familiares:
-
Do filho Rudinei. Dados
históricos:
“QUILIANO
HEIDERSCHEIDET, nasceu em Rancho de Táboas, Angelina em 23/06/1920 e faleceu em Alfredo Wagner no
dia 27/06/1996. Filho de Henrique Heiderscheidt descendente de Pedro Andreas
Heiderscheidt, que chegou ao Brasil em 1863, originário de Luxemburgo, que
pertencia para a Alemanha, e de Bertolina Bunn. Sua mãe foi Verônica Franz,
descendente de João Franz e Catharina May. Henrique e Verônica mudaram-se
para o Caeté por volta do ano de 1930,
juntamente com o irmão Roberto e Amália Franz Heiderscheidt, estes pais de
Oscilino e Celio Heiderscheidt.
–
LUZIA ARMINDA HEIDERSCHEIDET, nascida Valério, nasceu em 18/02/1923, Orleans, SC e faleceu no dia
18/02/2010. Filha de Manoel Pedro Valério, descendente de Pedro Valério e
Francelina Simas. Sua mãe foi Arminda Leandro Valério, descendente de João
Leandro de Moraes e Maria Welter Shimitz.”
- Na segunda história contam que Quiliano e Luzia
já casados e com um açougue, num certo dia ao colocar mais um boi na mangueira
para a matança, dona Luzia comentou: “Quiliano
este boi está muito magro e assim ele vai dar prejuízo”. Foi quando Quiliano
soltou uma frase das mais conhecidas dos antigos do Barracão: “O negócio é
carnear Luzia”.
- Da neta Marianna: “ ... Eu era ainda
muito pequena mas lembro um pouco da nossa infância em Alfredo Wagner. Papai Noel na “camoneta” do vô Quiliano... a casa
da vó Luzia, no Natal, sempre com todos
da família... colchões um ao lado do outro estendidos pela sala ... historias
de terror, da vó, que faziam com que nenhuma neta quisesse dormir no quarto da
frente... o segredinho do vô de ter uma conta no boteco próximo a casa, mas que
na verdade era para pegar balas para nós... as orações ... Tudo era simples,
mas todos eram felizes.
- Da nora Eunice: “Um homem de coração valente, alma pura e braços fortes; planta e colhe
sucessos para sempre¨.
¨Uma mulher de muita fé, otimismo e fibra, planta e
colhe alegria e felicidade.
Família Heiderscheidt, demonstração de superação,
um ensinamento através do exemplo.
- Da
neta Elizabeth: "Bons tempos passamos todos juntos naquela garagem. Que na verdade
nunca foi uma garagem, ao menos nunca vi qualquer carro parado ali. Naquele
mesmo espaço batatas eram descascadas, a árvore de natal era montada, cadeiras
eram colocadas em círculo para uma longa prosa, melancias eram partidas. E
assim era todo fim de ano. A família toda, um sem fim de crianças, todos
reunidos sem qualquer luxo ou interesse. Só mesmo pela festa de juntos estarem.
Vô Quiliano e Vó Luzia sem nem mesmo terem a intenção conseguiam e ainda
conseguem de alguma forma manter próximas tantas pessoas. Todos da mesma
família, mas com vidas corridas, diferentes interesses e valores, diferentes
crenças e planos. Hoje em dia, mesmo eles não estando fisicamente presentes,
essa bagunça ainda acontece. A diferença é que ela é bem mais
organizada! Sorte de quem tem uma família para chamar de sua! A minha tem
todos os defeitos que todas as outras também têm. Mas ela tem virtudes
incalculáveis. É que ela "é de ouro"."
Da neta Cleonice:
“Vô Quiliano e Vó Luzia: Há pessoas que passam na nossa vida e outras que ficam para sempre em nossos
corações.”
Texto reunido e escrito,
com a colaboração dos familiares, pelo genro Orly Miguel Schweitzer. Julho de
2013.
Correções:
Ana Paula Kretzer
3 Comentários
textos estão cada vez mais comoventes e mostrando a todos a importância de resguardarmos nossa história comum. um belo projeto.
ResponderExcluirparabéns ao pirão e demais envolvidos pelo carinho com que tratam nossas memórias.
valdir cunha
Saudades da Tia Luzia! Minha mãe, Verginea, é irmã dela.
ResponderExcluirBelo registro que ajuda a manter vivas as lembranças de pessoas tão brilhantes.
Li com prazer a história da vossa família, Orly e Regina, velhos vizinhos e amigos da época de Trombudo Central. Saudades. Dario
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