Histórias da Nossa Gente: Entrevista com Denir Horst

  

O Histórias de Nossa Gente entrevista o senhor Denir Horst, para ele nos contar um pouco sobre sua vida e amor por Picadas, falar sobre a história da cebola no município de Alfredo Wagner, transformações causadas pela construção da BR 282, presidência do hospital e seus mandatos como vereador. 

            Denir nasceu em Picadas, no mesmo local onde vive hoje, em 11 de março de 1947. Filho de Evaldo Horst e Nildia Heinz Horst, descendentes de alemães. A Picadas onde Denir nasceu era aquela mesma comunidade prospera que já conhecemos de outras entrevistas, com comércios de secos e molhados, ferrarias, atafonas, serrarias, celeiros, hotéis, um local muito frequentados pelos tropeiros. 

Todo o tráfego Serra/Litoral passava pela comunidade. Naquela época carros e caminhões eram raros, a maior parte dos transportes se dava através da tração animal, realizada por carroças, carros de boi e cavaleiros tocando tropas enormes de gado. As boiadas como eram conhecidas, tocada pelos tropeiros, vinham principalmente da cidade de Lages, na Serra. Para chegar até o destino final era uma longa viagem que podia levar semanas, dependendo do destino, por esse motivo os tropeiros que desciam para o litora contavam com alguns pontos estratégicos na região, locais que serviam de parada para esses homens realizarem a Cestiada – parada para o almoço - ou a Pousada – como o nome indica, passarem a noite. Seu Denir nos conta que alguns destes pontos ficavam nas propriedades de: Alfredo Iahn e Mila Schutz na Picadas e Bertoldo Althoff no Rio Lessa.

Vale lembrar que o antigo nome de Alfredo Wagner, Barracão, tinha esse nome exatamente por conta de ser um destes pontos de parada dos tropeiros. Perto de onde hoje fica a igreja matriz, existia um enorme barracão, destinado para que os tropeiros passassem a noite. Ao lado do barracão, um pasto para que os animais também descansassem.

Carlos Horst, o avô de seu Denir tinha um celeiro/paiol especial, preparado para que quando os tropeiros estivessem realizando a viagem de volta para Lages pudessem pernoitar e cuidar de seus cavalos para seguir viagem. Ainda é muito viva na memoria de seu Denir as lembranças de quando era um “gurizote” e os tropeiros passavam pela Picadas para retornarem para casa. Ele lembra deles fazendo comidas utilizando as trempes e o fogo de chão. 

Outra presença comum na comunidade e região eram os ciganos que vinham em centenas e montavam o seu acampamento por lá. Eles eram amistosos, mas levantavam desconfiança e curiosidade nos moradores da comunidade. 

Da infância seu Denir ainda relembra o trabalho desde cedo na agricultura, os jogos de futebol realizado no campo de seu avô e a escola sempre presente na vida dos moradores da comunidade. Ele também nos conta que como não existiam escolas que oferecem mais anos de estudo ele foi estudar fora, em Rio do Sul no colégio Dom Bosco, mas isso não era muito comum para as pessoas de sua geração. 



            Falar da vida de seu Denir também é falar da história da cebola no município de Alfredo Wagner. Pois além de plantar cebola por toda sua vida ele ainda foi um dos pioneiros, realizando a venda do produto para mercados como os do estado de São Paulo. 

Desde pequeno ele trabalhou com cebola. Segundo o seu Denir, o início do cultivo, do produto que é carro chefe da economia no município de Alfredo Wagner e muitos municípios da região, tais como Ituporanga, Bom Retiro, começou na Picadas e Rio Lesse. Foram os agricultores dessa região que apostaram no cultivo deste legume.

A produção naquela época era muito diferente do que é hoje, os agricultores não contavam com a ajuda de tratores e tobatas ou tinham a facilidade para comprar insumos para a produção ou até mesmo as sementes. Na época estas não vinham de fora, elas eram produzidas na própria comunidade. Se escolhia o bulbo que se achava adequado e se plantava para produzir as sementes. Quem tinha mais sementes vendia para os vizinhos, para que todos tivessem como plantar. 

A medida inicial das sementes, para a venda e para o plantio, era feita com caixas de fosforo. Conforme a área plantada da região foi aumentado, as medidas também foram se atualizando, passando para garrafas e litros. “Uma garrafa de semente de cebola, se você dividir ela em caixa de fósforo da 28 caixas”. Apesar da produção quase rudimentar os agricultores daquela época colhiam cebolas de até 1,200kg.


Seu Denir relembra algumas histórias sobre a simplicidade dos agricultores: conforme a produção e plantio de cebola foi aumentando na região alguns agricultores começaram a produzir sementes voltadas à venda, como foi o caso de seu Gaspar Popenga conhecido como Seu Caspa. Certa vez um comprador foi procurar seu Caspa, pois queria comprar um litro de sementes, mas o vendedor disse que era muito, que um litro não poderia vender ao homem. O comprador então perguntou, se ele poderia vender uma garrafa e meia. Após uma pausa para pensar, seu Caspa respondeu que sim, isso ele poderia. Seu Denir ri relembrando o fato, pois uma garrafa e meia equivalia exatamente a mesma quantidade de um litro. 

Seu Denir também relembra que um dos pioneiros levando cebola do Barracão para São Paulo foi Raul Juventino da Silva, Raulão era chamado, e nosso entrevistado era seu braço direito. Na época ainda não existia a BR 282 e as estradas eram muito precárias, principalmente as que levavam até as propriedades privadas onde a cebola era plantada, então o transporte da produção era bastante difícil. Como muitas vezes os caminhões, por serem grandes não conseguiam chegar até as propriedades, era comum que eles tivessem que passar rios e pontes de arame com toda a produção nas costas ou fazendo uso de cargueiros. E assim saco por saco os caminhões eram carregados. Era um trabalho muito árduo, mas que compensava. 


Assim que eles começaram a vender cebola para São Paulo muito dinheiro começou a entrar no município, dinheiro que os agricultores nunca tinham visto antes na vida. Seu Denir também relembra uma história que aconteceu no Caeté, na propriedade da família Knall:  o “arrendeiro” puxou a cebola o dia todo para carregar o caminhão, quando terminou já era noite e recebeu o pagamento de seu Raul. Quando o homem lhe pagou ele ficou tão nervoso que não conseguiu terminar de contar. “Era tanto dinheiro que ele não sabia como lidar e ficou emocionado, seu patrão acabou tendo que terminar a contagem pois era dinheiro demais!”

O pioneiro da cebola ainda comenta sobre a produção e comercio do produto, falando que é uma mercadoria que o sempre oscila muito o preço. “O mercado funciona com duas palavras, procura e oferta. Tendo muita oferta o preço baixa e quando tem procura ele, sobe. Por isso a produção de cebola as vezes é tão injusta, pois muitas vezes quando todos conseguem uma excelente safra o preço não é muito atrativo, por conta quantidade de produto no mercado, já quando a safra é ruim, os poucos que conseguem ter produto para oferecer, acabam fazendo um bom dinheiro”.

Ele ainda relembra uma história que aconteceu com ele no ano de 1978. Nessa época ele já não trabalhava mais com Raul. Ele começou a comprar cebola para ele mesmo vender e pode comprovar toda essa história de oferta e procura. No mês de março terminou a venda de cebola no município, mas ele resolveu que ia comprar o resto da cebola dos vizinhos, pois sempre sobrava alguma coisa. Comprou um pouquinho aqui, um pouquinho ali e quando viu ele já tinha um caminhão cheio. Então ele, mesmo sabendo que já era bastante fora do período normal da venda de cebola, resolveu oferecer a carga para um de seus compradores, o senhor Antônio Capi que morava em Campinas, no estado de São Paulo. Mas para falar com o comprador ele precisava telefonar, porém naquela época eles não existiam telefones em Picadas. Então ele pegou o carro que tinha na época, um Fusca 1975 e ele e seu irmão foram até Florianópolis, na Telefônica, para fazer a ligação. Seu Antônio ficou muito feliz em saber que Denir ainda tinha uma carga de cebola naquela época do ano e disse que era para ele levar para Campinas assim que pudesse. Vendo o interesse do comprador seu Denir perguntou a ele o valor que ele pagaria pela cebola, mas o comprador não dava o preço. Ele não queria chegar em Campinas e ter prejuízo, queria saber antes quanto seu Antônio iria pagar, mas o comprador apenas dizia: “Me traga a cebola, me traga a cebola”. Seu Denir ficou meio sem saber o que fazer, mas como o comprador era de confiança ele resolveu que iria levar a cebola para Campinas. Seu Denir ri lembrando que seu Antônio tinha lhe dado apenas uma pista, quando disse: “Na volta você vai tomar aquele Uisque Cavalinho Branco”, uma bebida bastante cara na época.



Realmente o comprador não mentiu para seu Denir. Na hora do acerto, as 15 toneladas de cebola valeram 375 milhões de cruzeiro. Para você ter uma ideia, com esse dinheiro seu Denir foi até Rio do Sul, na concessionaria Mercedes e comprou um caminhão do ano. O Mercedes 1513 custou 364 milhões 480 mil de cruzeiros. “Veja bem que preço, a carga de cebola deu para comprar um caminhão novo e ainda sobrou dinheiro”.



Mas ele também ressalta que não só de anos bons vivem os agricultores que plantam cebola, ele também relembra de anos ruins, onde o preço ficou muito baixo e foi preciso jogar toda a produção fora e os agricultores passaram sufoco para pagar empréstimos e para se manterem até a próxima safra. 

Um outro ponto abordado na entrevista foi a construção da BR 282, o que mudou drasticamente toda a dinâmica de comunidade como Picadas e Quebra Dentes. Como já citado anteriormente as comunidades eram bastante desenvolvidas, principalmente pelo frequente tráfego de tropeiros pela região. Com a mudança do traçado da estrada, passando por fora da comunidade que começou a acontecer em julho de 1979, com a chegada da Camargo Correia em Alfredo Wagner, muitas mudanças aconteceram na comunidade e seu Denir consegue encontrar vantagens e desvantagens. Com certeza a maior desvantagem foi o enfraquecimento do comercio na comunidade, que hoje em dia não conta mais com serviços que existiam há décadas atrás, porém entre as vantagens esta o sossego e o fácil acesso a Florianópolis. “Hoje em menos de duas horas estamos lá, antigamente a viagem demorava muito mais. Era difícil tirar toda a cebola do município, hoje em dia isso está muito mais fácil.”

            Além de agricultor e vendedor de cebola seu Denir também foi muito atuante na comunidade, sendo vereador do município por dois mandatos, entre os anos de 1989 a 1996 e também assumindo a presidência do hospital.

Como ex-presidente do hospital de Alfredo Wagner, ele ressalta a importância de nosso hospital para toda a região. “Não importa a gravidade da doença ou socorro, todos sempre irão buscar por atendimento lá”. Ele destaca que o hospital, construído na década de 60, sempre passou por dificuldades financeiras, mas a população sempre deu um jeito, se unindo para o mantê-lo funcionando. E ele lembra que com a BR 282 ou até mesmo antes disso, quando a BR ainda nem existia, o hospital era importante para atender as pessoas que passam pela cidade e acabavam se envolvendo em algum acidente. 

Para finalizar seu Denir falou do amor pela comunidade e pela família. Casado com Etla Schlemper Horst por mais de 50 anos ele tem uma família grande: Seis filhos: Franciele, Maike, Josiane, Marcos, Marlize, Zenaide (falecida), 18 netos e cinco bisnetos. Ele conta que gosta de ser participativo na vida dos netos, principalmente na questão da educação. Ele se sente responsável por seus netos e tem orgulhoso da família que formou. 

E sobre a comunidade: “A gente que nasceu aqui, fica com amor no lugar. Não adianta a gente querer fugir, se mudar. Eu me sinto bem aqui” ele diz que rejeitaria qualquer oferta para ir morar em outro local, é na Picadas que esta o seu coração, o seu amor. 

 





 A entrevista foi conduzida pelo historiador Edson Iahn. 


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