Eu fui para a Irlanda pela primeira vez desde 2020, mas dessa vez foi uma viagem expressa: apenas seis dias, mas que valeram cada minuto. Como todo mundo já sabe, foi na Irlanda que eu e o Rory nos conhecemos — mais especificamente em Limerick, a cidade onde se ambienta meu romance Limerick e o Tempo.
O voo foi tranquilo, e em menos de sete horas eu já estava pousando em Londres para minha conexão. A escala era tão curta que não deu tempo nem de fingir que estava turisteando por aquela capital inglesa que tanto gosto. Fiquei confinada no aeroporto e, entre uma andança e outra, descobri que no Starbucks de Londres eles não vendem London Fog. Inaceitável, convenhamos.
Mais uma horinha no ar e aterrissei no Aeroporto Internacional de Dublin — parceiro de tantas horas felizes, sempre me conduzindo a algum destino que eu sonhava há tempos. Foi lá que reencontrei duas figuras indispensáveis: a Guinness irlandesa e a minha amada Julia — que, tecnicamente, nem é minha prima de verdade, mas eu amo como se fosse irmã — e o Léo, marido dela. A Guinness e a conversa estavam tão boas quanto eu lembrava, e nem a noite sem dormir, tampouco as sete horas de fuso, conseguiram apagar a magia do nosso reencontro. Eu e a Júlia realmente precisamos parar de marcar esses encontros com hora pra começar e hora pra terminar. A gente devia era passar dias inteiros cantando em cima de viadutos ou explorando qualquer cidade que apareça no caminho.
As horas sem dormir começaram a cobrar seu preço quando errei o horário do ônibus e embarquei num que saía uma hora mais cedo — e lá se foram sessenta preciosos minutos de prosa. Mas tudo bem: meu coração estava feliz por saber que em mais duas horas eu finalmente estaria em Limerick.
Na Irlanda, fiquei hospedada na casa da Holly. A Holly é a minha amiga irlandesa, phoda (com “ph” mesmo), diretora do escritório internacional da Mary Immaculate College. Uma grande amiga, daquelas que atravessam oceanos: ela veio até o meu casamento e, inclusive, foi a única pessoa que comeu o bolo. (Sim, #racconfase.)
Na verdade, eu não fiquei exatamente em Limerick. Fiquei em Killaloe, uma cidadezinha à beira de um lago, linda e que eu já conhecia. A Holly tem uma casa lá e, assim que chegamos, fomos bater perna. Primeiro, jantamos — uma comida tão boa que eu juro que nem lembrava que na Irlanda existia culinária capaz de me surpreender tanto. Depois, fomos até a catedral da cidade, que carrega mais de mil anos de história nas paredes. Claro, pra quem nasceu no Brasil e agora mora no Canadá, esse título de “Terra Nova” fica evidente — é raro encontrar algo construído por mãos humanas que tenha sobrevivido tanto tempo.
E, como manda a tradição, depois de caminhar, fechamos a noite com uma Guinness de verdade — nada de Guinness de aeroporto. Foi maravilhosa.
No dia seguinte, tomamos café da manhã e fomos para Limerick. Era sábado, e sábado é o dia em que o Milk Market bomba. Foi muito gostoso estar lá de novo. Aliás, eu me sentia praticamente acompanhando uma celebridade, porque a Holly conhece todo mundo — absolutamente todo mundo.
O Milk Market é um lugar cheio de cultura, artesanato local e produtos feitos ali mesmo — o cenário perfeito para conhecer Limerick mais de perto. Não consegui achar a barraca onde vendiam aquele sanduíche de halloumi que eu amava e costumava comer todo sábado com meus amigos, mas, ainda assim, valeu a visita. Comprei umas coisinhas locais para o Rory (que, por sinal, acabei esquecendo na geladeira da Holly, mas o que conta é a intenção, não é mesmo?).
Aquela parte da cidade é a que eu mais amo. Passei pelo Nancy’s, por vários lugares que eu tinha acabado de revisitar em Angela’s Ashes (livro que reli naquela semana, justamente por causa dessa viagem). Caminhamos bastante e depois fomos até o Link Brazil, para encomendar algumas guloseimas brasileiras que eu queria servir no meu lançamento. Inclusive, alô, Link Brazil: vocês bem que podiam abrir uma filial aqui em Alexandria. Sinto muita falta de tudo que vocês vendem — especialmente das feijoadas de domingo.
Depois, foi hora de passear pela área medieval da cidade, na St Mary’s Cathedral, que tem um papel tão importante no meu livro. A Holly é a guia perfeita para essa visita, porque ela sabe tanto sobre a história do lugar que, sem perceber, passamos mais de uma hora lá dentro, só apreciando os detalhes e lembrando de tudo que já aconteceu ali ao longo dos séculos.
Cruzar o rio Shannon, rever o prédio onde morei por um tempo, tirar foto com o painel da Dolores, do The Cranberries, e, desta vez, finalmente provar a cerveja da cervejaria local, que eu nunca tinha visitado quando morava lá. O dono da Treat City, a cervejaria, foi super simpático e disse que anunciaria o meu lançamento nos stories deles.
Depois disso, fomos visitar a mãe da Holly, que é sempre tão amável e querida, e ainda passamos no Country Club para mais uma Guinness. Foi lá que conheci o Peter, namorado da Holly — um homem culto, educado, gentil e que consegue conversar sobre absolutamente qualquer assunto. Ponto pra Holly!
À noite, a Juliana se juntou a nós para uma noite em Killaloe. E, apesar do número limitado de pubs não ter permitido, quase fizemos aquele desafio de tomar um pint em cada um. Fomos só em dois, mas no segundo tinha uma banda tocando, e eles eram muito bons. Eu tomei uma Guinness quente que chegou à mesa por engano, e alguém ainda derrubou uma Guinness inteirinha em mim — mas sem stress: eu estava na Irlanda.
No dia seguinte, foi dia de encontrar a Mari e a Joci. A Mari e a Juliana — que eu já tinha visto na noite anterior — faziam parte do grupo com quem fui para a Irlanda para fazer o mestrado, e elas continuam morando por lá, praticamente viraram irlandesas. A Joci, por sua vez, é uma amiga querida que conheci quando trabalhei alguns meses na The Range, bem no meio da pandemia, pra me sustentar e juntar dinheiro. Foi maravilhoso reencontrá-las — não só porque foram tão importantes naquela fase da minha vida, mas porque também são queridas, animadas, ótimas companhias.
Depois do café da manhã delicioso que tomamos em um café charmoso de Killaloe, fomos fazer um passeio de barco. Killaloe tem aquele lago que parece ter sido desenhado por algum monge medieval que, entre uma iluminura e outra, resolveu criar uma paisagem pra dar paz ao coração. O lago faz parte do rio Shannon — o mesmo Shannon que cruza Limerick — e já foi cenário de batalhas, rotas vikings e incontáveis histórias de pescadores que juram ter visto criaturas estranhas nas manhãs de neblina. Quando a gente se senta na beira da água, dá pra imaginar tudo acontecendo ali: monges carregando manuscritos, invasores chegando em barcos de madeira, mulheres lavando roupa e contando segredos que ninguém mais ia ouvir. Foi ali, olhando o reflexo das colinas na superfície quase parada, que eu pensei em como certos lugares carregam uma memória que a gente nem sempre entende, mas sente.
Depois do passeio de barco, voltamos para a casa da Holly, colocamos as fofocas em dia, nos arrumamos e seguimos para Limerick, onde finalmente iríamos ao Nancy’s. Mas antes, voltamos à Treat City — lá tinha uma turma tocando jazz, entre eles alguns brasileiros muito queridos (que inclusive foram ao meu lançamento), e passamos algumas horas por lá: eu, Holly, Peter e Michelle.
A Ju e a Mari estavam me esperando para jantar no The Locke Bar, outro dos meus pubs favoritos de Limerick. Assistimos a um pouco de música e dança irlandesa e, como sempre, foi fantástico. Ps: o desfecho final do meu livro acontece nesse pub.
Antes de seguir para o Nancy’s, ainda demos uma passada no The Old Quarter e, quando eu estava chegando, praticamente como se fosse para me recepcionar, começou a tocar Dirty Old Town. (Eu sei que não é uma música romântica, mas faz parte da nossa playlist — minha e do Rory.) Lá, encontramos o Terry, namorado da Ju, que tinha saído de casa especialmente pra me ver. Eu adoro ele.
Finalmente chegamos ao Nancy’s. E, claro, foi incrível. A iluminação continua a mesma, deixando tudo com aquele tom meio roxo, meio vermelho nas fotos. O cheiro, a atmosfera, nada disso mudou muito, e eu queria tanto que o Rory estivesse ali comigo. Tenho a impressão de que bebi demais — e essa impressão se confirmou na manhã seguinte — mas foi uma delícia estar de volta ao lugar onde conheci o Rory e vivi tantos bons momentos.
O dia seguinte foi penoso. Eu estava literalmente morrendo de ressaca, na casa do namorado da Holly. Eu estava envergonhada e genuinamente sofrendo. Nem consegui comer o café da manhã especial que ele tinha preparado pra gente. Pra completar o espetáculo, vomitei do carro em movimento, quando já estávamos quase chegando em Killaloe. Mas, depois de uma soneca, eu já estava novinha em folha.
A Holly me perguntou se eu queria ir com ela para uma caminhada, conhecendo a Holly eu suspeitava que era subir em alguma montanha Irlandesa, e eu estava certa, fomos até a Millennium Cross. A Millennium Cross é aquele tipo de lugar que parece que foi construído só para te lembrar o quão pequena você é diante de toda aquela paisagem gigante. Subir até lá foi quase uma aula prática de resistência física e humildade — perante a minha ressaca — mas, como sempre, a vista compensou cada passo. Lá de cima, dava pra ver o lago se estendendo até perder de vista, pontilhado por barquinhos que mais pareciam miniaturas. É engraçado como a gente passa meses pensando em coisas complicadas e, de repente, bastam uns minutos num lugar assim pra tudo ficar simples de novo.

Depois, seguimos para Garrykennedy, um vilarejo que parece ter saído de um cartão-postal. O castelo de Garrykennedy, ou melhor, o que sobrou dele, fica bem ali perto do lago, e tem aquela atmosfera meio melancólica que as ruínas costumam ter. Caminhei pelos arredores imaginando quantas histórias já passaram por aquelas pedras — guerras, casamentos, pactos, traições. E, claro, aproveitei pra tirar mil fotos antes de finalmente sentar pra jantar num restaurante que parecia pequeno, mas tinha uma comida maravilhosa. Lá encontramos uma amiga da Holly super querida e genuinamente interessada na minha carreira de escritora.
Por fim, no caminho de volta, passamos pelo Bryan Boru’s Fort. Dizem que foi nesta área, por volta do ano 940, que Brian Boru nasceu, e que esse lugar serviu como sua principal residência e centro de poder. O forte hoje parece só um grande círculo de terra, mas na época era uma verdadeira fortaleza. Ele tinha valas profundas e muralhas de madeira, pensadas pra proteger a comunidade dos ataques — que, convenhamos, não eram poucos naquela Irlanda medieval cheia de disputas. Ali dentro, moravam famílias, soldados e servos, tudo organizado de forma a garantir que, se aparecesse um exército inimigo, todo mundo pudesse correr pra dentro e resistir até o perigo passar. É impressionante pensar como esses lugares guardam uma memória antiga que, de algum jeito, ainda chega até nós.
Mais tarde, ainda assistimos a um filme irlandês, The Quiet Girl, no qual, claro, chorei. O filme é baseado em um livro da mesma autora de Small Things Like These, e é tão sensível e bonito. Eu amei. O grande dia chegou!
A Holly estava trabalhando, então fui para a casa da Mari, que desmarcou todos os compromissos só pra passar o dia comigo. E, assim, vivi meu dia de blogueirinha. Fomos até a área medieval da cidade e gravei alguns vídeos falando sobre os lugares onde meu livro se passa. Eu, que normalmente ficaria morrendo de vergonha de filmar no meio da rua, acabei ficando super à vontade — a Mari foi tão querida e paciente que o resultado ficou ótimo. Depois, almoçamos no The Curragower, que tem aquela vista espetacular do castelo, como se cada mesa fosse reservada para alguém prestes a ter uma epifania. De lá, voltamos pra casa pra nos arrumar para o grande momento: o tão esperado lançamento do meu livro em Limerick.
Lançar o livro na MIC foi a realização de um sonho que eu cultivava havia anos. E não poderia ter sido melhor. Rever meus professores, encontrar todo mundo que fez parte daquele ano intenso que vivi na Irlanda, tudo isso teve um gosto de recomeço. E, pra deixar a noite ainda mais especial, o embaixador do Brasil na Irlanda apareceu para prestigiar e a cônsul honorária de Limerick me entrevistou, naquele estilo pocket show — em inglês, claro. Foi massa.
Revi muitos amigos e, num momento que não vou esquecer, a Holly até arriscou umas palavras em português, num discurso tão fofo que me fez chorar.
Não vou me alongar contando cada detalhe, mas foi tão importante pra mim que tenho certeza de que, sempre que eu pensar nesse dia, meu coração vai ficar quentinho.
No fim, ficaram essas memórias lindas — e até a possibilidade, quem sabe, de um dia meu livro virar filme. Imagina só? Eu quase consigo ver os créditos subindo.
0 Comentários