Eu não conhecia a pobreza


“Imagine um lugar onde a distância entre o pobre e o rico seja realmente muito pequena, e a população tem acesso à saúde, à educação e a um emprego”, diz a chamada do Globo Repórter dessa sexta-feira. Imagine crescer em um lugar assim? Parece sonho, mas a verdade é que foi onde eu cresci, no chamado Vale Europeu, aqui em Santa Catarina. É claro que passei por limitações, mas nem perto das verdadeiras limitações e privações existentes no mundo.

Já visitei lugares onde a discrepância entre ricos e pobres era maior, se via nitidamente a diferença de classes, mas nunca vi tanta pobreza quanto em minha última viagem, principalmente na Bolívia.

A pobreza deste país tem nome, respira, sorri e pede esmolas, usa cerca de 10 saias, uma por cima da outra, carrega uma criança nas costas ao usar um pano colorido e anda com sandálias negras de solado de borracha. Nas mãos, leva sacolas de tecido com seus pertences e, muitas vezes carrega essas mesmas sacolas coloridas nas costas, um peso descomunal. Essas são as cholas, aquelas mulheres bolivianas que figuram no imaginário popular de todos nós.

Mas além delas, essa pobreza também está estampada nos homens e nas crianças, que tomam seus banhos frios quando os tomam , têm a pele castigada pela combinação de altitude, vento e sol de montanha e são excluídos da globalização, da internet e dos estudos. Sofrem um grande preconceito por sua origem, apesar de serem maioria absoluta no país.

Podem ficar isolados por dias, caso uma barreira bloqueie a estrada, que, na grande maioria das vezes é de chão batido e muito precária. Quando isso acontece, pessoas morrem em povoados isolados por falta de medicamento e de comida.

São pessoas sem as mínimas condições básicas de higiene, que não têm onde fazer suas necessidades mais básicas – fazendo xixi no meio da rua –, nem água encanada, tampouco rede de esgoto. São lugares onde ainda hoje, depois de todo o crescimento da Era Evo, 18% da população ainda vive abaixo da linha da pobreza.

Uma pobreza que pode ser vista no olhar de submissão, de séculos de privações, humilhações e descaso. Um olhar de quem aceitou tudo isso e se vê como inferior. Eu não conhecia uma pobreza como essa.

Um país com uma cultura tão rica, com tantos recursos e de um povo tão batalhador, de mulheres tão fortes, tão marcantes e ao mesmo tempo tão pobre. Uma pobreza que impressionou e que me fará refletir para sempre.


Diante de tudo isso só consigo pensar no quanto sou sortuda por ter nascido aqui e ter tido tantas oportunidades, o que desperta cada vez mais a vontade e a necessidade de fazer mais por pessoas que realmente precisam de ajuda. 


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2 Comentários

  1. "(...) sempre tereis convosco os pobres" (João 12,8)
    Quando fui missionário na Bahia em 2007 tive uma experiência muito semelhante a tua. Verificar "in loco" essas situações nos causam um misto de vários sentimentos.
    Há, infelizmente, um discurso no país ainda de cunho elitista e segredador que discrimina os pobres: só ver qual é o segmento social mais presente nas penitenciárias e com condenações nos processos judiciários. A gente não vê, por exemplo, reintegração de posse em condomínios de luxo erguidos em áreas ambientais, mas vê o mesmo em periferias retiradas à força por morarem em encostas de rios.
    Penso que o sentimento de compaixão que relataste é o que falta na grande maioria da população para a mudança. Criticam-se os programas sociais do governo de uma forma hipócrita, como se todos tivessem a mesma oportunidade para crescer e se desenvolver.
    Oxalá mais pessoas pensem como você Carol! Linda reflexão! Que possamos continuar inspirando compaixão e tendo a opção preferencial pelos mais pobres e humildes!

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  2. Obrigado por partilhar essa experiência, não tem na minha opinião algo mais rico que conhecer culturas diferentes, na história se chama de antropologia, mas o que importa mesmo é o aprendizado e a tua reflexão é imparcial, o que é torna mais rico o texto. Lendo e conhecendo a mesma história tenho pensamento um pouco diferente. Há governos que parece criam projetos para manter as pessoas na mesma situação, apenas dão esmolas para mantê-las nas mesmas condições. A Bolívia é um bom exemplo, não tem tanta extensão territorial, tem riquezas, poderia muito bem levar benefícios a todos: Saúde, educação e saneamento, mas não leva, levam esmolas para manter as pessoas nas mesmas condições, ao invés de dar condições de trabalho, para um povo que é trabalhador. Idem no nordeste brasileiro, levaram o bolsa família, que não sou contra quando bem administrado, mas que penso ser muito mal administrado. Hoje muitos hotéis e restaurantes precisam de trabalhadores, ouvi isso de Natal, mas não conseguem porque as pessoas que poderiam trabalhar recebem o bolsa família e se trabalharem perdem o benefício. O bolsa família na minha opinião é um excelente projeto para diminuir o estado de extrema pobreza, mas muito mal administrado dando margem a desvios e inclusão de pessoas que não precisam do benefício, tem famílias que 5, 6 pessoas da mesma família recebem o bolsa família e pessoas aptas ao trabalho, que precisariam sim é de oportunidades. Teria de ter uma triagem melhor. Até hoje não apareceu um governo no Brasil querendo de fato resolver o problema, apesar da extensão ser muito mais difícil de administrar que na Bolívia, mas é viável se bem administrado.

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