Segundo Erondina, o primeiro morador de Santa Bárbara
foi seu avô, Domingos Manoel Farias, que, em julho de 1917, saiu de Biguaçu
rumo ao Barracão. Pelo caminho pegou carona em uma carreta e também andou no
lombo de uma mula, cedida por um tropeiro, porém a maior parte do caminho ele
fez a pé, cortando a mata - que em alguns pontos ainda era virgem. Domingos
seguiu viagem até um barracão, um rancho feito de madeira bruta, coberto com
folhas de coqueiros e capim. Ao chegar se informou sobre o local com dois
moradores conhecidos do Barracão, senhor Conorato e senhor Dôia. Domingos tinha
interesse em saber onde ficava o Campo dos Padres e se informou com os senhores.
Seguindo as instruções, ele foi margeando o rio Caeté até certo ponto, depois
tomando outro caminho até chegar em um chapadão. Ele foi abrindo a picada até
chegar em uma lagoa natural, a qual ele deu o nome de Lagoa dos Bugres e
escolheu o local para estabelecer residência. Retornou até Biguaçu e depois
voltou com a família, contruindo sua casa próximo à lagoa.
Em 1920, Norberto Ventura chegou até a comunidade. Em
1921, o casal José Porcina e Manoel Amancio também se estabeleceu por lá e, no
ano de 1925, chegou a família Cechetto, liderados pela matriarca, Dona Maria,
que tinha como característica a religiosidade. Após ter perdido o marido de
forma trágica – o homem caiu dentro de um tacho com água fervendo - ela revolveu
deixar Orleans, e como tinha gostado muito das terras da região, resolveu comprá-las
e se mudar com todos os filhos e um genro.
O tempo ia passando e a comunidade crescia a olhos
vistos. Algumas das mais tradicionais famílias de Alfredo Wagner se
estabeleceram, a princípio, na Santa Bárbara, como foi o caso de Mateus
Mariotti e David Dorigon, patriarcas dessas fámilias. Além dessas, muitas
outras famílias se estabeleceram em Santa Bárbara nesse início de colonização,
entre elas os Stopassolli, Bombazar, Galvani, Heiderscheidt e os Schuster. A maioria
dos colonos que na localidade se estabeleceram tinham origem Italiana.
A comunidade começou a se organizar. A religião sempre
foi um ponto de união entre os moradores. Uma igrejinha foi construida. A
madeira foi serrada a mão e construida pelo pessoal que ali morava. A primeira
missa da comunidade foi celebrada na casa de Dona Maria Cechetto, no ano de
1926, pois a igreja ainda não estava pronta. A missa foi realizada por um padre
chamado Gabriel, que atendia a capela de Bom Jesus, no Barracão.
No ano de 1927, a igreja ficou pronta e, devido à
comunidade se situar em um local alto, o Padre Gabriel sugeriu que a Padroeira
fosse Santa Bárbara. A comunidade é conhecida até hoje por esse nome. Nas
missas, a família Cechetto cantava em Italiano e, sempre que a celebração
acabava, o povo se reunia para dançar em frente à igreja, onde existiam algumas
lajes de pedra. O local era chamado de Lajeado. A imagem para a igreja veio do
Rio de Janeiro e demorou mais de dois anos para chegar até a comunidade, chegando com as pontas dos dedos
quebrados – essa imagem foi restaurada apenas no ano de 2003. Do Rio de Janeiro
também veio um sino, para uma igreja que foi construída posteriormente. O sino
foi gentilmente doado a igreja pelo senhor Bépi, personagem marcante da
comunidade.
No ano de 1928 o primeiro engenho de mandioca foi construído
na comunidade. O proprietário foi o pioneiro na colonização da região, senhor
Domingos. Na época, a alimentação na localidade se baseava no milho, pão e polenta.
Isso era o básico nas casas – herança da cultura italiana.
Na década de 30, algumas famílias negras chegaram à
localidade. Essas famílias passaram a trabalhar como camaradas para os colonos
que ali moravam e precisavam de mão de obra para fazer suas roças. Elas se estabeleceram às margens do Arroio do
Leão. Quando ocorria alguma festa, existia um baile separado para os brancos na
casa principal e música em um paiol para que os negros pudessem dançar. Brancos
e negros não se misturavam em festas na antiga Santa Bárbara.
Foi na década de 30 também que a primeira estrada foi aberta
até o Barracão. A estrada existe até hoje e passa pelo Arroio do Leão. Era usada para que os carros de boi
pudessem passar, facilitando (possibilitando) a ida e vinda de mercadorias até
o Barracão.
Entre os anos de 1934 e 1938, Santo Antônio andou solto
pela jovem comunidade. Muitos casamentos ocorreram durante esses anos,
inclusive o casamento dos pais de Dona Erondina. Naquela época, os casamentos ocorriam
primeiramente no civil. Casar na igreja somente acontecia no batismo do
primeiro filho. Nas bodas de casamento sempre acontecia uma grande festa,
envolvendo toda a comunidade. Se a noiva já casasse “redondinha” – grávida –
certamente seria motivo de falatório. O povo da Santa Bárbara sempre gostou de
muita dança e sempre que tinha oportunidade se reunia para festejar. O
galpão onde as festas aconteciam era de chão batido e a poeira levantava
à medida em que o pessoal arrastava o
pé. Nessas festas se tomava uma bebida chamada concertada, que era uma mistura
de água, cachaça, açúcar grosso, folhas de louro, cravo e canela. Os
ingredientes eram fervidos, coados e depois fervidos novamente. Somente alguns
anos depois as bebidas engarrafadas passaram a serem consumidas, sendo elas fabricadas
em Rancho Queimado, na fábrica do Leonardo Sell.
O povo da Santa Bárbara sempre foi um povo trabalhador.
Na região, se plantava muito feijão, batatinha e milho. As mesas eram fartas e
tudo era produzido nas propriedades.
A primeira escola foi construída no ano de 1945. A construção
da escola era a realização de um sonho para muitos dos moradores. Alguns até
pagavam a estadia dos filhos em casas de localidades com escola para que eles
pudessem estudar. Quem não tinha condições permanecia analfabeto, embora
conhecessem os números e soubessem fazer contas. Muitos homens se reuniram para
levantar a escola. Os materiais foram
adquiridos através de doações. A senhorita Maria de Loudes Schlemper foi a
primeira professora, sendo matriculados 58 alunos logo no primeiro dia de aula.
Até hoje ela é lembrada por ter sido uma boa professora.
Na cultura do povo da Santa Bábara existiam dois
“eventos” bastante importantes e frequentes, além da festa em honra à padroeira,
Santa Bárbara, que ocorria no dia 4 de Dezembro. Era a surpresa e o pichurum.
O pichurum acontecia quando os homens se reuniam e
derrubavam uma capoeira ou faziam uma grande roça. Como pagamento, a pessoa que
recebia os serviços deveria oferecer um baile, com gaiteiro e tudo mais. Vinha
gente de outras comunidades pra ajudar, trabalhavam felizes esperando anoitecer
para se divertirem. Muitos namoros começavam em bailes de pichurum. Na “surpresa”,
convidavam toda a vizinhança em sigilo, quem iria receber a surpresa, como o próprio
nome já sugere, não poderia saber. No
sábado, por volta das nove horas, todos chegavam em frente à casa e dois homens
batiam na porta. Vinham abrir, e eles entravam no quarto, pegavam o dono da
casa e traziam para a sala; abriam a porta, a gaita já tocava e a festa
começava. Um porco gordo – ou galinhas - já era apanhado no chiqueiro, carneado
e sua carne comida com pão, trazido pelos organizadores da surpresa. Dona
Erondina, em seus relatos, conta que todos aguardavam ansiosos por pichuruns ou
surpresas.
A energia elétrica só chegou até a comunidade no ano de
1982. Até então, tudo era feito com a ajuda de lampiões a querosene.
De 1992 a 1998, trinta e uma familias deixaram a
comunidade e segundo, dona Erondina, por causa do plano Real que, a princípio,
dificultou muito a vida dos pequenos agricultores.
Assim constituiu-se a comunidade de Santa Bárbara.
Desde as primeiras machadadas de Domingos Farias, o pioneiro, passaram-se 96
anos. Apesar de ter sofrido com o êxodo rural, na década de 90, a localidade
caminha firme, esbanjando agricultura pujante, povo simpático e trabalhador,
destaque nos desportos – Santa Bárbara sempre teve exímios jogadores de
futebol. A beleza cênica que circunda a vila é deslumbrante: de um lado, o
Morro Redondo, com seu formato cônico; de outro, o esplendor da Serra Geral,
representado pela Serra do Camelo e pela Serra dos Dorigon; ao norte, os vales
do Arroio do Leão, Rio Caeté e, mais além, do caudaloso Rio Itajaí.
A comunidade é pacata. Seus membros passam a semana na
lavoura e, nos fins de semana, divertem-se com partidas de futebol, tropeadas, bate-papo
no boteco do Olíbio, vão a festas de igreja noutras comunidades... Certamente
muito em breve Santa Bárbara será descoberta e apreciada por turistas, que certamente
se fascinarão com as esplêndidas obras da natureza: cachoeiras, fojes,
cavernas, montanhas, o frio do inverno...
E assim Santa Bárbara vive: orgulhosa de ser uma das
regiões mais belas de Alfredo Wagner, dona de um rico passado, aproveitando o
tempo presente e esperançosa no futuro.
2 Comentários
Muito bom relembrar as historias que minha tia Erondina conta. Ainda mais emocionante era ouvir de minha finada avó, mae da Erodina citada acima.
ResponderExcluirAh, mas que delícia de relato, amiga Carol! E quanta novidade aparecendo pelas linhas de sua redação e que Alfredo Wagner bem merece.
ResponderExcluirSomente sinto um pouco de "falta de ar" na leitura -e olha que sou devorador de textos, hein!. Acredito que subtítulos enriqueceriam e atrairiam os menos acostumados a uma leitura um pouquinho mais longa.
Novos parágrafos e "olhos" na matéria seiram uma boa saída.
Só falta você publicar no www.capitaldasnascentes.org.br
Abração
Renato Rizzaro