Finalmente o
Tio Albert concordou em levar novamente Eva, Ceci e Sabú até a Lomba Alta.
Desde o incidente com os saqueadores de tropeiros e Katze ele estava receoso de
pegar novamente aquela estrada, mas as crianças estavam insistindo muito, pois,
Ceci e Sabú queriam mostrar a Eva uma gruta maravilhosa.
Dessa vez não
encontraram nenhum perigo no caminho, eles subiram o vale do rio Águas Frias,
se encantaram com as paisagens e à medida que subiam se deparavam com uma serra
e várias outras montanhas nos mais diversos formatos que deixavam o lugar
esplendoroso.
A tal gruta
ficava perto da serraria do seu Althoff. Lugar esse onde a serra funcionava com
a ajuda de uma imensa roda d’água. A serraria era exatamente o local onde
Albert iria para comprar algumas madeiras para realizar obras no sítio. As
crianças pediram permissão e foram conhecer o local. Logo que chegou Eva ficou
fascinada. Era um lugar maravilhoso, uma caverna aberta na lateral e com uma
grande queda d’água ao fundo. Ceci e Sabú contaram que aquela gruta era usada
como um refúgio por seus antepassados, contaram que ali existia uma
concentração de energia especial para seu povo, mas que agora, como eles quase
já não tinham mais povo, o lugar estava quase sempre vazio. Ficaram mais algum
tempo desfrutando a paz do local. O silêncio, quebrado apenas pelo barulho da
queda d’água.
Ao subirem
conversaram com seu Althoff que contou que o lugar é conhecido como a Gruta do
Poço Certo e que ele e outros moradores da região também gostavam de descer e
refletir, é um local onde se pode ficar mais perto de Deus, disse o senhor.
Na volta eles
pararam na casa de um amigo de seu tio Albert, o nome dele era Alfredo Henrique
Wagner e ele tinha sido um dos fundadores daquela vila, junto com Jacob
Schweitzer, seu concunhado, e Guilherme Althoff. Eles fundaram a vila em virtude
da mudança do traçado da estrada Lages/Florianópolis em 1904. Antes a estrada
passava por dentro da Colônia Militar Santa Tereza, mas agora passava pela Água
Fria, enfraquecendo o comércio na Colônia Militar, ocasionando a mudança de
muitos moradores.
Alfredo Wagner
era um homem sábio e que gostava de conversar. Morava em uma casa muito bonita
e com um jardim cuidado com todo o capricho, por dona Júlia, sua esposa.
Alfredo Wagner conversou com Albert sobre como apostava na prosperidade daquele
lugar e também de outras vilas como a Colônia Militar de Santa Tereza, o
Barracão, Barra da Jararaca e o Quebra Dentes. Disse que achava que um dia
todas essas vilas que ficavam mais para baixo na serra, deveriam se unir e
formar uma grande cidade, que seria melhor para todo o povo, pois assim sendo
uma cidade independente eles teriam recursos para crescer, mas que isso ainda
era coisa para o futuro. Eva gostou dele, acreditava nas mesmas ideias que
aquele homem e não conseguia parar de olhar para ele com admiração. Eles foram
convidados para o almoço e Albert não teve como negar. Todos comentavam que
Alfredo Wagner e sua esposa Júlia recebiam muito bem os convidados em sua casa,
não importava se era rico, pobre, uma pessoa importante ou um andarilho, eram
todos tratados da mesma forma. Júlia até aproveitou que Ceci estava em sua casa
para dar umas dicas sobre bordado, e Ceci sempre estava disposta a aprender um
ponto novo.
Albert trocou
algumas sacas de farinha de mandioca por farinha de milho e se apressou, pois queria
passar na Pedra Branca para comprar feijão, antes de retornar para casa. Todos
subiram no carroção e seguiram.
Em uma certa
altura eles ouvem um barulho e sentem um tranco, em seguida Albert para a
carroça, desce e vai ver o que aconteceu. A roda tinha quebrado o eixo, devido
a uma pedra. Albert tentou consertar, mas não tinha as ferramentas necessárias.
Resolveu então pegar o cavalo e ir atrás de alguém para ajudar. Antes de sair
faz mil recomendações as crianças, para que elas não saíssem dali, para que não
se metessem em encrencas e que Ceci e Sabú não deveriam ir atrás das ideias de
Eva.
As crianças
ficaram sentadas no carroção até que Albert desapareceu em uma das curvas da
estrada. Assim que ele desapareceu elas levantam e começam a brincar, primeira
de pega-pega, depois de esconde-esconde, acharam uma canoa de folhas de
coqueiro e a usam para descer o pasto e tempo foi passando e nada de Albert
reaparecer. Sabú começou a dizer que estava com fome e Ceci e Eva concordam,
eles também queriam comer algo. Ceci deu ideia de irem procurar algumas frutas
no mato para comerem e todos acharam uma boa ideia e seguiram a indiazinha.
Ao chegar no
meio do mato eles não encontram nada e resolvem se separar para serem mais
rápidos e encontrarem algo para comer antes da chuva cair, pois o tempo estava
fechando.
Assim que se
dividiram a trovoada começou a roncar e o céu outrora azulzinho começou a
ganhar um tom roxo e a luz do dia começou a sumir.
Eva encontrou
um pé de araçá e colheu o máximo de frutinhas que conseguiu, colocando tudo
dentro de sua blusa. Começaram a cair as primeiras gotas de chuva e como ela
não avistava ninguém resolveu ir para carroção pois certamente eles deveriam
estar por lá.
Ao chegar viu
Ceci com as mãos cheias de cortiças e elas esperavam ansiosas para ver o que
Sabú traria.
Sabú ainda
estava no meio do mato e não havia encontrado nada, ele avistou algumas
goiabas, mas para chegar até elas teria que passar por um terreno pedregoso e
com mato, mas mesmo assim foi. Ele estava com pressa e não prestou muito
atenção no caminho. Acabou pisando ao lado de uma pedra, porém naquela pedra
dormia uma cascavel que, sem piedade, picou a perna de Sabú. Assim que sentiu a
picada, Sabú caiu e deu um forte berro, que foi escutado da carroça.
A cobra fugiu e
Sabú com muita dificuldade conseguiu ficar de pé novamente. A chuva começou a
cair, ventava muito, o vento assoviava entre as árvores, era uma chuva grossa,
gelada e que fazia com que Sabú não conseguisse enxergar muito a sua frente.
Ele caminhava meio sem rumo, sabia o que uma picada daquela cobra fazia com os
homens, em sua tribo era muito difícil que alguém sobrevivesse, por isso desde
pequenos eles eram ensinados a ter cuidado com esse tipo de bicho, porém, hoje
ele esqueceu desse ensinamento e acabou por descuido cometendo esse erro.
Sabú parecia
estar caminhando em círculos, estava desorientado, não apenas pela baixa
visibilidade, mas também pelo veneno, que já estava começando a fazer efeito.
Ele começou a andar em um lugar com poucas árvores e achou que estava
conseguindo avistar a carroça. Pensou em gritar, mas estava sem forças, foi
quando sentiu seu corpo cair em um buraco imenso no meio do nada.
Após ouvir o
grito que parecia ser de Sabú as meninas começaram a ficar preocupadas, não
sabiam bem o que poderia ter acontecido e não conseguiam ver muito em meio a
todo aquele aguaceiro. Depois de uns 15 minutos a chuva começou a diminuir e
elas resolveram sair atrás de Sabú, gritando o nome dele. Foram por todos os
lugares que tinham ido antes; aumentaram o percurso caminhado mas nada do
menino aparecer. Foi quando olharam em direção a carroça e viram que já não
estavam mais sozinhas. Existia uma mulher muito estranha, montada em um cavalo
negro e também vestida toda de preto.
Eva meio
receosa se aproximou da estranha figura e foi logo se apresentando:
- Olá, sou Eva
Schneider, meu tio foi buscar ajuda para arrumar o eixo da roda da nossa
carroça. Essa é Ceci e eu e ela estamos procurando Sabú, que se perdeu pelo
mato antes dessa tempestade.
A mulher apenas
deu de ombros e continuou olhando para o meio do mato. Eva indagou:
- Quem é a
senhora? Você pode nos ajudar.
A misteriosa
mulher respondeu:
- Bem se vê que
você não me conhece, senão nem estaria falando comigo... sou uma curandeira
aqui da região, o povo me chama de bruxa por causa de minhas garrafadas e
minhas rezas, tem gente que tem medo de mim.
Eva a encarou e
disse:
- Eu não tenho
medo da senhora, tenho razão para isso?
A bruxa encarou
Eva de volta e disse:
- Por enquanto
não! Meu nome é Hanahira e o prazer é todo de vocês.
Eva e Ceci se
olharam um pouco desconfiadas e pediram ajuda a senhora:
- Por favor,
estamos desesperadas, Sabú sabe andar pelo mato, não costuma se perder.
Hanahira disse que o lugar é cheio de esconderijos, impossíveis de ver com
olhos destreinados.
As meninas
disseram que já andaram por tudo e não existia nenhum sinal do menino.
Hanahira disse:
- Se ele não tá
em cima da terra, só pode estar debaixo dela.
Eva ficou intrigada:
- Ele estaria
morto a 7 palmos do chão?
Ela pediu
explicação e Hanahira disse:
- Nessa região
existem muitas tocas de índios, mas não índios como essa menina – apontando
para Ceci – foram índios que viveram antes dessa tribo, tinham tradições diferentes,
esses eram da Tradição Taquara e devido ao frio costumavam construir suas casas
embaixo da terra, as cobrindo e deixando um pequeno espaço entre a cobertura e
o chão para que a luz e o ar pudessem entrar. Esses abrigos eram grandes,
cabiam vários índios. Ele pode ter caído dentro de um deles. A sorte de vocês é
que sei onde ficam alguns.
As três saíram
pelo mato.
A bruxa abaixou
na primeira toca, pedindo para que as meninas ajudassem a retirar as folhagens
que estavam cobrindo a entrada para que o interior pudesse se iluminar. Nada de
Sabú nessa primeira tentativa. Andam mais um pouco e encontram uma segunda
toca, essa com a boca já sem as folhagens, as chances de Sabú estar ali eram
imensas.
Logo que
Hanahira colocou a cabeça para ver melhor, já avistou Sabú, quase sem vida
dentro do buraco. Eva saltou para dentro do buraco e tentou reanimar o menino.
Hanahira disse
para Eva parar e ajudar ela a erguê-lo. Ao tirarem o menino do buraco Hanahina
o examinou e não demorou a perceber que ele havia sido picado por uma cobra.
Ela disse:
- Valha-me
Deus, o menino foi picado por uma Jararaca, a ferida está feia, preciso chupar
o veneno dela.
Ela mal
terminou de falar e aparentemente mordeu a perna de Sabú no exato lugar onde
existia a ferida deixada pela cobra. As meninas olharam arregaladas, só mesmo
uma bruxa para chupar o veneno de uma cobra.
Hanahira ao
terminar cuspiu o veneno, mas disse:
- Precisamos
ser rápidas, eu preciso dar a ele um dos meus remédios para tentarmos salvá-lo.
Ceci começou a
chorar, mas Eva a pegou pela mão, enquanto a bruxa pegou Sabú no colo e
correram para o carroção.
Ao chegar ao
carroção Tio Albert já estava batendo o pé, procurando pelas crianças enquanto
o ferreiro observava o que podia fazer pela roda da carroça.
Ao avistar a
bruxa vindo junto com as crianças, carregando Sabú no colo, Albert pegou a
espingarda e apontou para Hanahira, enquanto falava:
- Que diabos
você fez com ele, sua bruxa dos infernos?
Eva se colocou
na frente de Hanahira e começou a explicar:
- Tio, tio, por
favor, ela só tá tentando ajudar, ele foi picado por uma cobra, ela ajudou a
encontrá-lo e depois tentou sugar o veneno com a própria boca.
Albertt abaixou
a arma e pegou Sabú no colo, ele começou a chorar.
- Meu filhinho, o que aconteceu com você,
minha nossa senhora, o que eu faço?
Hanahira colocou a mão no braço de Albertt e
disse:
- Se você quer
ter alguma chance de salvar o menino precisamos correr, pois o veneno não
demorará a chegar ao coração, minha cabana fica perto e podemos tentar
salvá-lo.
Vendo a
hesitação de Albert o ferreiro disse:
- Albert, vá
com ela, o único homem que vi sobreviver depois de ser picado por uma jararaca
foi tratado pela bruxa, se tem alguém que pode te ajudar é essa mulher.
O ferreiro se
ofereceu para levar as meninas em sua aranha enquanto Albert com Sabú no colo e
Hanahira seguiam na frente, em suas montarias, para ganhar tempo.
Ceci chorava
compulsivamente, dizendo que a culpa era sua, afinal foi ela quem deu a ideias
de irem procurar as frutas no meio do mato. Eva tentou consolar a amiga,
segurando em suas mãos. Eva também estava morrendo de medo de perder seu grande
amigo, praticamente seu irmão mais novo.
O ferreiro
levou as duas até a cabana, mas disse que iria voltar dali. Não tinha coragem
de entrar na casa daquela bruxa.
Ao entrarem
Sabú estava deitado, pelado em cima de uma mesa, enquanto Hanahira, passava em
cima dele um galho molhado, que vez ou outra ela colocava dentro de um
recipiente de onde saia uma fumaça com cheiro estranho.
As duas estavam
muito assustadas, Albertt olhava tudo com atenção e não conseguia conter as
lágrimas.
Hanahira disse:
A única forma
de curar a criança é fazendo ele beber da erva que Deus rejeita.
Todos se
olharam, enquanto Sabú dá um suspiro profundo e aparentemente derradeiro.
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