A maldição da Catuíra

O primeiro vigário da Paróquia Senhor Bom Jesus, instalada em janeiro de 1959, foi o Frei Agatângelo Umbará (que aqui permaneceu entre 1959 e 1961). De jeep, ele atendia as dezenas de capelas vinculadas à Matriz.
Frei Agatângelo, clérigo da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, ficou aqui conhecido como "O Frei Obreiro", porque foi durante o seu breve pastoreio que muitas edificações religiosas foram iniciadas, construídas ou concluídas. Exemplifico com a Casa Paroquial, a Capela de Santa Teresa d'Ávila, em Catuíra, e a Igreja Matriz.
Ele não só incentivava a comunidade a executar essas obras como, literalmente, "punha a mão na massa". Amarrava a batina marrom na cintura e ia ao canteiro de obras trabalhar no que fosse preciso: pá, enxada, picareta, carrinho de mão.
Na época da construção da igreja da Catuíra, era presidente da comissão o senhor Dominico Back. A família Back sempre foi catolicíssima, dotada de devoção inquebrantável e copioso espírito altruísta. Dominico, porém, embora fosse bondoso, justo e honesto, tinha temperamento explosivo. Era daqueles alemães que se excediam no quesito franqueza, sinceridade, tornando-se, muitas vezes, considerado obtuso.
Certa vez, Back e o frade se desentenderam. Não sabemos se a querela estava relacionada à construção da capela ou a outro tema, de repente, banal. O respeito às autoridade eclesiásticas, na época, era um tabu, sobremaneira na Igreja Católica, onde a figura do sacerdote é dotada de grande poder de decisão em sua paróquia. Mas Dominico permanecia firme em seus argumentos, e não estava, absolutamente, propenso a fazer qualquer cessão. Em seu ponto de vista, ele estava certo e o Frei, errado. Sendo um taurino teimoso e opinioso, o frade tampouco estava disposto a se curvar.
A discussão foi se acalorando, a intensidade do som das vozes aumentando, o vocabulário se tornando descortês...
Indignado com o desrespeito e, pior do que isso, a iminente desobediência de seu paroquiano, Frei Agatângelo, irado, virou as costas e pegou sua maleta para ir embora. Enquanto caminhava, vaticinou: "Tudo bem! Mas, a partir de hoje, a Catuíra crescerá igual a cola de cavalo, ou seja, pra baixo!".
Algumas pessoas presenciaram a cena, ficando atônitas, tomadas de pavor. Havia a crença de que praga rogada por padre ou por madrinha era infalível.
Quiçá por coincidência, ou pelo poder de autossugestão do povo - que logo ficou sabendo da praga, ou ainda pela elevada paranormalidade do cura... entretanto, é fato que, a partir daquele dia, a Catuíra foi perdendo gradativamente a importância outrora auferida.
Entre fins dos anos 50 e início dos 60, aquela que foi a primeira colônia militar do estado, a sede da primeira capela católica na diocese, o primeiro distrito do município, com população que chegou a superar dois mil habitantes, caiu em desditoso infortúnio. Passou por dois impasses, e perdeu ambos para o incipiente distrito de Barracão, com população inferior e situação econômica notadamente desfavorável: ser sede da paróquia (1958) e ser sede do município (1961).
Paulatinamente, a pujança dos gloriosos tempos pretéritos deu lugar a uma visível decadência: a delegacia e o cartório foram transferidos para a novel cidade de Alfredo Wagner; as fábricas de rebolo, refrigerantes, balas, e as selarias, sapatarias, atafonas foram fechando; o afamado clube extinguiu-se; a população decresceu...
Seríamos incautos em atribuir o declínio da ex-Colônia Militar de Santa Teresa à suposta maldição do padre. Primeiro, porque não há nenhum elemento histórico que comprove ou rechace sua veracidade. O que aqui descrevi foi extraído unicamente de depoimentos orais que recolhi de antigos moradores ao longo dos anos. Segundo, porque seria uma teoria demasiado simplista responsabilizar duas pessoas pelo retrocesso sofrido por toda uma comunidade. Terceiro, porque é uma história imersa em subjetividade: têm as palavras de um sacerdote tamanho poder de destruição? Logo o Frei Agatângelo, que era amado e respeitado por seus fiéis e até hoje conhecido pelas benesses que legou à posteridade?
Mas, se a hipótese da maldição proceder, faz-se justo que eu instigue esta reflexão: Dominico Back foi das pessoas que mais se dedicou ao progresso da Catuíra. Bem intencionado, íntegro e correto, jamais praticaria qualquer ação visando ao mal da terra à qual adotou como sua. Frei Agatângelo, igualmente, não mensurou esforços para consolidar a fé católica no município. Seria um contrassenso acatar que ele amaldiçoou a mesma comunidade que por tantas vezes abençoou. Ambos eram probos, ambos eram bons. Mas ambos, como humanos, eram passíveis de erros, e se há um erro inegável, é o de abandonar a razão e agir impulsivamente. Quem nunca o cometeu?
Juliano Norberto Wagner
P.S.: Numa próxima oportunidade, elucidarei os motivos racionais, embasados na história, que levaram à vertiginosa queda populacional da Catuíra da década de 1940 para cá.


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2 Comentários

  1. Como tudo que sai da pena do Juliano Wagner, está eximiamente bem escrito. Sua dúvida com relação ao fato de terem sido os dois os verdadeiros protagonistas do fato parece ter fundamento, pois recentemente li algo sobre isso, em algum site que menciona o acontecido numa época mais remota. Como a leitura foi rápida e sem prestar atenção devida ao escrito não me recordo mais onde encontrei o tema.

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  2. Muito interessante a história, mas o declínio não pode ser consequência de uma maldição.
    Como dito no inicio do texto, o frei permaneceu na cidade entre 1959 e 1961 e a perda da sede da paróquia aconteceu em 1958, ou seja, antes da vinda do frei.

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