Texto, vídeo e imagens enviados em: 12/07/2013 ao programa Caldeirão do Huck - quadro: Lata Velha
Olá Luciano, somos professoras de uma escola estadual em SC e estamos lhe escrevendo porque queremos muito ajudar uma amiga aqui da escola. Ela se chama Gisele e há 16 anos trabalha em nossa instituição como servente-serviços gerais.
O marido de Gisele tem uma história de vida impressionante e talvez isto tenha nos cativado ainda mais a de ajuda-la.
O que eles precisam urgentemente é a reforma de uma Kombi que está na família há anos ajudando em seu sustento.
Bem, a história é a seguinte:
Evalídio sempre foi um homem apaixonado por carros do modelo Kombi começou nos anos 60, quando ele era, ainda criança em Leoberto Leal – sc, já sonhava em um dia possuir um carro desse modelo; sempre dizia: “Quando eu for grande eu vou comprar um carro desses”.
Para conseguir realizar esse e outros sonhos, Evalídio teve que deixar sua terra natal e tentar a sorte na próspera Alfredo Wagner dos anos 80 – cidade vizinha. A BR 282 estava sendo construída, com isso a oferta de empregos era boa e valia a pena tentar a sorte no município. Ele fez sua mala - todos seus pertences serviram dentro da fronha de um travesseiro - e veio para Alfredo Wagner.
Já na Capital das Nascentes, trabalhando como funcionário de uma empresa na construção do viaduto que corta a cidade, Evalídio, que agora já tinha passado a se chamar Coquinho devido ao seu corte de cabelo – arredondado como um côco - começou a realizar seus sonhos. Ele sempre quis ter uma banda de música e economizou cada centavo dos primeiros meses de trabalho para comprar os instrumentos. Desta maneira, junto com alguns amigos formaram a bandas: Os Alfredenses. Esta se logo o maior sucesso em toda a região, e um único problema passou a existir: a banda precisava de um carro para que pudessem transportar os equipamentos e se dirigirem até os shows. Foi então que Valdir, um tio de Coquinho comprou uma Kombi. Foram busca-la em Blumenau. Já no primeiro encontro foi amor à primeira vista, Coquinho se apaixonou pelo carro do tio e daquele dia em diante começou a ensaiar maneiras de convencê-lo a vender o automóvel; passou também e também a economizar para ter o dinheiro necessário e adquirir seu sonho de menino.
A sua parte do cachê de cada show durante dois anos tinha um destino certo, seria guardado para comprar a Perua – como carinhosamente o pessoal da banda chamava o carro. Finalmente no ano de 1985 Coquinho realizou seu sonho e a Kombi passou para o seu nome. A banda os Alfredenses era conhecida por seu meio de transporte e fazia shows em diversas cidades da região como: Anitápolis, Rancho Queimado, Angelina, São Bonifácio entre outras. A Perua branca levava todos os músicos e os instrumentos. Já naquele tempo a pobrezinha tinha problemas com a bebida, pois certa vez para conseguirem chegar a um show tiveram que levar 30 litros de óleo. “Ela bebia óleo como se fosse água!”. Além de músico Coquinho trabalhava como pedreiro e era com essa profissão que garantia seu sustento.
Em 1990 conheceu Gisele, sua esposa, que segundo ele só se aproximou dele por ele por causa da Kombi... isso é motivo de risada na casa dos Kreush, porque é certo que o carro já faz parte da família e também teve papel importante nesse matrimônio.
Após a saída de alguns componentes do grupo de músicos, até mesmo Gisele passou a tocar e cantar junto com os Alfredenses, mas foi inevitável, a banda teve fim. Houve até uma tentativa de mantê-la com nova formação, mas já não teve o mesmo sucesso. Mesmo assim eles continuaram a fazer shows e o meio de transporte como sempre era a Perua.
A primeira filha de Gisele e Coquinho também aprendeu a amar o carro desde o seu nascimento já que a parte de trás da Kombi servia como berço por diversas vezes nessa época enquanto os pais trabalhavam.
Sem muito sucesso na lavoura Coquinho voltou para o centro da cidade e a família ganhou mais um membro e a velha companheira continuou sendo parte importante da família. Quando o pai ia fazer algum show, as crianças ficavam dormindo dentro da Kombi, e isso é lembrado até hoje como uma tenra lembrança de bons momentos passados junto da amiga, a Perua.
A família ganhou mais um membro, outro garoto para dormir dentro da velha companheira que agora já havia sido batizada pelos filhos com o nome de “Ramona”. No ano de 1998 Coquinho ficou doente e as coisas se complicaram. Ele descobriu que tinha uma doença, que o impediria de trabalhar como pedreiro. Este ano foi difícil para a família Kreush. O pai, conta que certa vez quando vinha de um trabalho no interior do município, como pedreiro, estava dirigindo sua Kombi e suas pernas ficaram dormentes, ao invés de frear acabou acelerando ela bateu contra um barranco. Ele agradece por nada demais ter acontecido com sua amiga, mas com ele as coisas não estavam nada bem. Foi seu último trabalho nessa profissão. Descobriu que tinha trombose e precisava achar outro emprego para sustentar a família. O que fazer?
Coquinho teve de ser operado e a única solução foi sua esposa procurar um emprego e ele ficar em casa tomando conta das crianças. Sua esposa começou a trabalhar na escola da cidade, como servente e ele passou a ficar em casa com os pequenos e foi nessa inversão de papéis que ele descobriu um verdadeiro dom.
Desde muito jovem, quando via as madeiras queimando no fogão a lenha da casa dos pais ele tinha muita pena de ver algo tão bonito – troncos de madeira – sendo destruídos. Quando ficou em casa com seus filhos começou a inventar alguns brinquedos de madeira, para entretê-los e pensou em usar troncos, como aqueles que eram queimados na sua infância. Foi assim que descobriu uma enorme habilidade em entalhar madeira. Outra vez sua amiga Kombi teve um papel muito importante, pois era com ela que Coquinho, ainda se recuperando da cirurgia ia buscar troncos e madeiras velhas de refugo que estavam jogados pela cidade para transforma-los em arte.
Para o natal de 99 ele preparou um grande presépio todo feito por ele, acendeu as luzes de natal e mostrou a toda a comunidade sua arte. No início alguns o criticaram, – o chamaram de louco - mas a grande maioria reconheceu o seu talento. Passou então a fabricar os mesmo brinquedos que fazia para os filhos para serem vendidos e aos poucos isso passou a fazer parte da composição do orçamento da casa. Foi a solução que Coquinho encontrou para lidar com sua doença, sendo autônomo ele tem mais liberdade para descansar quando as dores se tornam insuportáveis.
Desde o natal de 99 os natais de Alfredo Wagner não foram mais os mesmo, toda a comunidade se encanta com a Casa do Papai Noel, toda feita por Coquinho, que encontrou na arte um refúgio para as dores e uma forma de deixar o mundo mais bonito.
Os filhos cresceram e herdaram do pai o gosto pela arte, Gisele também se tornou uma artista e hoje todos eles vivem do artesanato, recebendo turistas e vendendo seus produtos. A fiel amiga foi muito importante para toda essa descoberta artística, pois por mais de 10 anos foi a companheira de Coquinho em busca de matéria prima, mas agora a família se sente em dívida com ela.
Apesar de serem extremamente felizes fabricando sua arte, a cidade é pequena e ninguém aqui fica rico entalhando madeira. Há dois anos a Kombi de seu Coquinho estragou e a família não tem dinheiro para arruma-la. O sonho do pequeno Evalídio, dos tempos de criança, está enferrujando em uma garagem nos fundos da casa.
Já foram feitas inúmeras proposta de compra para o carro, por pessoas que colecionam automóveis antigos, mas Coquinho não consegue se desfazer de um de seus grandes amores, algo que já faz parte da família e está nas mais belas lembranças de todos da casa. A lataria enferruja e o coração do dono chega a doer quando ele pensa que nunca mais poderá andar com sua velha ajudante.
A Kombi branca, ano 1968, está precisando vários reparos: tanque furado, folga no volante, portas que não fecham e bateria que não carrega são alguns de seus “defeitinhos”, além do problema no motor e a lataria enferrujada. Ver sua Kombi rodando novamente é o maior sonho de Coquinho.
Ana Paula Kretzer Dolagnelo
Carol Pereira
Assista ao vídeo:
1 Comentários
Carol, que lindo trabalho... adorei! Compartilhei o vídeo no facebook e pedi q meus amigos tbm o façam para dar uma força... quem sabe a kombi possa ser reformada, realizando o sonho dessa família! Tive o prazer de conhecê-los neste sábado 23/11/13, quando estive em Alfredo Wagner na casa da minha irmã Maria, e simplesmente fiquei encantada com o trabalho deles. Parabéns pela iniciativa!
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