Esta é certamente a caverna mais relevante visitada
durante a expedição, tanto pelas dimensões - desenvolvimento linear de 86
metros (mapa topográfico anexo) quanto pela gênese. Está situada na localidade
de Paraíso da Serra, próxima à antiga estrada que ligava São José a Lages.
Apesar do acesso relativamente difícil (estrada em condições precárias), a
caverna é visitada e apresenta algumas depredações (principalmente pichações).
Wagner (2002), que a denomina “galeria Leopoldo
Seemann” (o nome pelo qual a cavidade é conhecida localmente, neste caso toca
dos Bugres, tem prioridade no registro oficial), faz uma descrição riquíssima
da caverna – inclusive com um croqui bem detalhado, como nas demais
cavidades descritas em seu livro. Ele deixa claro que não acredita na hipótese
de gênese pela água e elenca suas justificativas e prováveis razões pelas quais
os indígenas a escavaram:
“Ouve-se às vezes, falar que as galerias foram
escavadas pela ação da água e não escavadas pelo homem. Esta hipótese me parece
improvável pelo que se observa nas Galerias Leopoldo Seemann e na n.o 1,
próxima ao cemitério de Alfredo Wagner; Elas estão em altitude elevada –
terreno em aclive, o acesso às duas estão em nível superior ao piso das mesmas
e a jusante do escoamento da água.”
“Na extremidade de cada túnel, quase sempre temos
uma saída
camuflada, exceto a entrada principal antes
descrita.”... “Em um dos túneis, o de 36m, há um rebaixamento no piso que
começa a 10m e se prolonga por outros 10m e após aflora novamente, deixando uma
lâmina de água de um metro de profundidade, na parte central. Tinham assim água
para consumo. Mais curioso ainda é que um dos túneis foi construído em aclive
numa extensão de 15,5m e de lá retorna sobre o primeiro que visto da sala 2
apresenta as duas bocas”... “Este túnel sobreposto deveria ser a área de máxima
segurança da galeria.”... “Uma maravilhosa obra de arte indígena...”
“Na galeria
Leopoldo Seemann foram escavados e transportados, com os meios disponíveis na
época, 382 m3 de arenito. Foi um trabalho árduo e penoso. Deveria pois, haver
motivos para tal trabalho. Seria segurança que estavam almejando, para se
protegerem de animais e de outros índios? Seria para se protegerem das
intempéries? Seria para armazenarem pinhão e outros alimentos?”
Croqui da toca dos Bugres (Galeria Leopoldo Seemann) em Wagner (2002). |
Schoröder (2005), apesar de sugerir que a simples
atuação da água diretamente na rocha pode ser a causa da formação da gruta
(denominada no trabalho de gruta da Anta Gorda), pois a mesma demonstra a desagregação
do arenito por ação mecânica da água acompanhando áreas de fraqueza do arenito,
afirma que há três condutos que foram nitidamente escavados através da ação
humana, o que leva a algumas especulações sobre quem poderia ter efetuado tais
escavações.
Com base em trabalho acadêmico que aponta que o
grupo indígena que habitou a região não tinha por hábito construir galerias, e
que utilizava os abrigos e grutas apenas para o depósito dos mortos, Schoröder
(2005) afirma que a gênese é provavelmente mista, com parte originada por
processos naturais através da erosão mecânica da água e parte por escavação
efetuada pelo homem - mas não indígenas, teriam sido moradores próximos ou
tropeiros, devido à localização da entrada ser próxima ao caminho que ligava São
José a Lages.
Wagner (2002) estava correto ao considerar
improvável a gênese apenas pela ação da água e Schoröder (2005) ao propor a
gênese mista, no entanto há uma hipótese bem mais plausível para o
desenvolvimento da toca dos Bugres do que a da ação antrópica. Com o aumento
substancial no número de cavernas prospectadas e no conhecimento associado à
espeleogênese, diversas cavidades semelhantes têm sido descobertas por todo o
Brasil e sua gênese está associada à escavação de galerias por animais extintos
– geralmente tatus gigantes (gliptodontídeos) que viveram no período
Pleistoceno. Tais cavernas são chamadas “paleotocas” e geralmente
possuem padrão arredondado das galerias (originado pelo atrito com as carapaças
dos animais) e marcas das garras podem ser observadas no teto e no final dos
condutos, padrão encontrado na toca dos Bugres.
Fóssil (esquerda) e reconstrução artística (direita) de Glyptodon. Estes tatus gigantes viveram na região Sul do Brasil durante o Pleistoceno e foram extintos há cerca de 10.000 anos. |
Outra
característica marcante das paleotocas é a presença de salões e/ou condutos
alargados em função de abatimento de blocos paralela ou posteriormente à
escavação pelos animais, bem como gerados pela ação da água, o que é claramente
observado na toca dos Bugres. Estes abatimentos continuam ocorrendo atualmente,
como relata Wagner (2002): “Por quatro vezes visitamos este local. Na terceira
visita, infelizmente, já apareceram alguns desmoronamentos e na quarta ainda
mais, ocasionados por infiltração de água.”. Durante o mapeamento da caverna
foi possível verificar que houve outro abatimento recente pois o maior conduto,
que no mapeamento feito por Wagner (2002) apresentava 36 metros, está com, no
máximo, 30 metros. As pessoas que nos acompanharam também afirmaram que em
visitas feitas recentemente, em junho deste ano, era possível caminhar por
cerca de 10 metros após o final da parte com água no conduto – o que se fez por
no máximo três metros até a obstrução total do conduto por sedimentos. Estes
abatimentos aparentemente são naturais, tendo em vista que não há impactos
antrópicos no entorno (exceto a estrada, que passa a cerca de 50 metros da entrada
e é pouco utilizada em função de suas condições precárias), e certamente devem
ser considerados em eventuais visitas.
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