A República Dominicana foi o segundo país que visitei na América Central e eu não poderia ter ficado mais encantada. É um lugar de beleza exuberante, onde as águas turquesa parecem sempre sorrir de volta para a gente, acompanhadas por um povo caloroso, de risadas fáceis e braços sempre abertos.
A ideia de viajar para lá surgiu de repente, como as melhores ideias geralmente aparecem: Carmen precisava de companhia, eu estava entregue ao ócio dos meus dois meses de férias escolares, e assim, sem muito planejamento, embarquei nessa aventura. O improvável se transformou em inesquecível.
Se a paisagem é arrebatadora, a história do lugar não fica atrás. Cristóvão Colombo desembarcou por lá em 1492 e, desde então, a ilha se tornou palco de encontros e desencontros entre culturas. Foi a primeira colônia europeia permanente nas Américas, e Santo Domingo, sua capital, abriga a primeira catedral, a primeira universidade e até a primeira rua das Américas — um verdadeiro museu a céu aberto, que mistura pedras coloniais com o ritmo vibrante do Caribe.
Mas a República Dominicana também carrega uma força de resistência em sua memória. O país foi ocupado por espanhóis, franceses e até pelos vizinhos haitianos, mas sempre encontrou maneiras de reafirmar sua identidade. Entre lutas por liberdade, ditaduras e reconstruções, forjou uma alma que hoje se expressa na música merengue, no baseball que move multidões, e no sorriso de cada dominicano que insiste em nos lembrar que viver pode, sim, ser uma festa.
Fomos para lá no finalzinho de agosto e a temperatura beirava os 32 graus. Escaldante, sim, mas na medida certa para quem foi em busca de sol e mar. O destino escolhido foi Punta Cana, esse cartão-postal já conhecido tanto dos canadenses quanto dos brasileiros. Aliás, encontramos muitos conterrâneos por lá e foi curioso ver o português ressurgir em meio ao espanhol caribenho e ao inglês turístico. Um pequeno conforto, quase um pedaço de casa espalhado pela areia.
Preciso confessar: minha primeira impressão da praia não foi arrebatadora. Eu esperava aquele mar caribenho que nos vendem em fotografias, quase transparente, azul impossível. Mas o que encontrei foi um cenário mais real e menos instagramável: a água estava em tons de marrom e a faixa de areia tomada por algas. O famoso sargaço, uma alga que nasce lá no fundo do oceano e, de tempos em tempos, decide visitar as praias em quantidade exagerada. Quando morre, sobe à superfície e o destino final, infelizmente, é a orla. Dessa vez, o azar foi meu: justamente na praia em que eu estava hospedada. Nada fotogênico, nada animador. Ainda assim, me recusei a deixar que alguns metros de alga estragassem os dias de férias. Afinal, viajar também é sobre aceitar que a vida não vem com filtros — e que até no Caribe a perfeição sabe falhar.
O hotel era bom. Nada de luxo ostentatório, mas o suficiente para nos fazer sentir bem-vindos. A comida, temperada com aquela ousadia caribenha que mistura doçura e picância, conquistou já no primeiro prato. E, como todo bom all inclusive, havia sempre mais uma sobremesa, mais um coquetel, mais uma desculpa para prolongar o prazer de estar ali.
No primeiro dia, resolvemos encarar a praia, apesar das algas. Queríamos descobrir se aquele cenário se repetia por toda Punta Cana ou se era apenas azar do nosso trecho de areia. Caminhamos bastante, tiramos as primeiras fotos oficiais da viagem, e até nos deparamos com araras e papagaios que, como se fossem artistas de rua, pousavam em nossas mãos sem cerimônia. Voltamos depois para o hotel, rindo das pequenas surpresas do dia, compramos pacotes de passeios e terminamos a tarde mergulhadas na piscina. Inclusive, de volta no hotel além de ouvirmos sobre um alerta de furação, ainda descobrimos que enquanto estávamos bem formosas andando na praia, teve um terremos de magnitude 3.4, não sentimos nada tampouco o furação aconteceu, graças a Deus. Preciso confessar: naquela tarde, deitada na espreguiçadeira, tive a estranha sensação de estar em um episódio de White Lotus, observando os outros hóspedes e inventando histórias — quem sabe até imaginando um assassinato fictício entre coquetéis e risadas abafadas.
No dia seguinte, a aventura nos esperava. Rumamos para a Praia de Macau, onde o passeio de buggy prometia lama, adrenalina e liberdade. A lama não veio, mas a poeira deu conta de deixar nossa pele marcada pelo caminho percorrido. Ainda assim, foi uma experiência eletrizante, daquelas que arrancam gargalhadas e tiram a gente do piloto automático. O ponto alto, no entanto, estava guardado: o cenote.
Os cenotes são cavernas subterrâneas que guardam piscinas naturais de águas cristalinas, formadas ao longo de milhares de anos pela ação da água que corrói a rocha calcária. Para os povos maias, eram lugares sagrados, portais para o mundo espiritual. Para nós, turistas de ocasião, são um presente da natureza, um convite irresistível a mergulhar. E foi exatamente isso que fizemos: mergulhamos na Cueva Taina, um dos cenotes mais lindos que já vi, na verdade foi o primeiro haha. A água era transparente, profunda, de um azul que não cabe em palavras. Ali, boiando em silêncio, eu senti o tempo suspenso — como se aquele instante fosse um segredo só meu e do Caribe.
A Ilha Saona é daquelas que parecem ter sido inventadas pelo cinema — não à toa serviu de cenário para Piratas do Caribe. O mar é de um azul escandaloso, a areia fina e branca como açúcar, e os coqueiros se curvam para o vento como se dançassem para receber os visitantes. O barco que nos levou até lá parecia navegar não apenas por águas cristalinas, mas por um tempo suspenso, onde a pressa não existe. Caminhar pela orla da Saona é se perder entre realidade e fantasia, quase esperando que Jack Sparrow surja de algum canto com seu andar trôpego.
Mas mais do que beleza cinematográfica, a Saona tem algo de essencial: a sensação de que o mundo se simplifica quando nos entregamos ao mar. Ali, entre mergulhos e conversas despreocupadas, ficou claro que algumas viagens não são feitas para serem narradas em detalhes, mas para serem sentidas na pele, guardadas na memória e revisitadas cada vez que fechamos os olhos.
No catamarã que nos levou até a ilha, dois casais chamavam a atenção de todos. Tinham aquele ar de celebridade, roupas brancas que pareciam feitas sob medida para contrastar com o azul do mar, e uma aura de quem nasceu para ser fotografado. Todo mundo queria uma foto com eles, mas nunca descobrimos quem eram. Talvez fossem famosos, talvez apenas soubessem desempenhar com perfeição o papel de estrelas de um dia ensolarado. Nós, por nossa vez, não entramos na fila das fotos, mas vivemos nossa própria glória: mergulhar na piscina natural e posar com uma estrela-do-mar.
Eu, em um momento Eva Schneider, me enchi de coragem e mergulhei até o fundo para pegar aquele ser delicado. Segurá-la nas mãos foi como tocar um pequeno segredo do oceano. Um instante simples, mas que me fez sentir parte de algo maior — o mar, a viagem, a vida inteira em movimento.
O dia seguinte foi dia de mergulho na história — mas antes, um mergulho nos olhos verdes da natureza. Visitamos o Parque Ecológico Ojos Indígenas, um santuário de 600 hectares de floresta tropical, onde caminhos de terra levam a lagoas escondidas em meio à mata. São doze no total, mas apenas algumas abertas à visitação. Tivemos a chance de conhecer três delas: cristalinas, profundas, de um azul que hipnotiza. Desde 1969, não é mais permitido nadar em suas águas, o que as torna ainda mais misteriosas e intocáveis. A beleza é de arrepiar: parecem espelhos secretos da própria Terra, guardando em silêncio segredos que já existiam muito antes da chegada dos espanhóis.
Entre os muitos prédios que visitamos, a Casa Presidencial também se destacou. Imponente, cercada de jardins bem cuidados e guardas atentos, o Palácio Nacional é hoje a sede do governo dominicano. Construído na década de 1940 durante a era de Trujillo, carrega não apenas o peso da política atual, mas também as sombras de um passado marcado por ditaduras e disputas de poder. A arquitetura neoclássica, com suas colunas brancas e cúpula central, impressiona e intimida ao mesmo tempo. Estar diante daquele edifício foi lembrar que a história não se faz apenas de ruínas coloniais: ela continua sendo escrita, todos os dias, dentro de palácios como aquele.
De lá seguimos para um almoço típico em Santo Domingo. O prato era simples, mas carregado de sabor e identidade: arroz, feijão, carne e um refresco servido gelado. Comer fora de casa é também comer um pouco da alma de um lugar, e aquele almoço nos fez sentir parte do cotidiano dominicano.
Depois, foi hora de caminhar pela capital mais antiga das Américas, a primeira cidade fundada pelos europeus no Novo Mundo. Passamos pela lendária Calle de las Damas, a rua mais antiga do continente, que já viu passar vice-reis, damas da corte e soldados espanhóis. Visitamos a casa do poderoso governador Nicolás de Ovando — que mais tarde inspiraria a mansão do “Poderoso Chefão” — e seguimos em direção à Catedral de Santa María la Menor, a primeira das Américas.
A catedral merece um parágrafo à parte. Erguida no século XVI, com pedras douradas que parecem absorver e devolver a luz do sol, ela guarda uma imponência silenciosa. Lá dentro, a sensação é de estar em um lugar onde o tempo se curva: colunas altíssimas, arcos góticos e altares que já testemunharam cinco séculos de fé, encontros e despedidas. Caminhar por aquele espaço é se lembrar de que, por mais que a vida seja feita de rotinas passageiras, sempre existiram — e sempre existirão — lugares que nos lembram da eternidade.
O único ponto negativo do passeio ficou por conta dos nossos companheiros de van. Um grupo de espanhóis que carregava consigo uma aura quase caricata de eurocentrismo — falavam alto, se achavam os donos do tempo e do itinerário, e pareciam convencidos de que o universo girava em torno deles. Tivemos que esperar inúmeras vezes nas portas de lojas, até que, com toda a calma do mundo, eles decidissem retornar. Um exercício involuntário de paciência que quase transformou a excursão em retiro espiritual. Mas, como toda viagem ensina, até os imprevistos e as más companhias acabam virando boas histórias para contar depois.
No dia seguinte, um dos momentos mais mágicos da viagem: nadar com os golfinhos. O nosso companheiro de aventura se chamava Kai. Quando ele surgiu, deslizando na água com aquela leveza quase sobrenatural, eu me senti dentro de um conto — por alguns instantes, fui a própria Pequena Sereia, com direito a risadas infantis e coração disparado. É impossível não se render ao encanto de um animal tão inteligente e tão gracioso.
Kai não foi apenas um golfinho, foi um parceiro de dança. Nadamos agarradas às suas costas, depois deslizamos de barriga para cima enquanto ele nos guiava pelas águas, e em seguida dançamos juntos, em uma coreografia improvisada entre riso e espanto. Houve até beijo — daqueles que fazem a gente gargalhar de tão inusitado — e o ápice veio quando seguramos um bastão e vimos Kai saltar por cima de nós, com a elegância de quem domina o mar. Cada movimento parecia coreografado pela própria magia do Caribe, e por alguns minutos, eu acreditei que viver podia mesmo ser um espetáculo aquático.
Depois da experiência com os golfinhos, seguimos para ver as aves. E foi outro espetáculo à parte. Papagaios, araras e pequenos pássaros tropicais vinham voando sem medo, pousavam em nossas mãos e se deliciavam com as sementes que oferecíamos. Era como se por alguns instantes a fronteira entre nós e a natureza desaparecesse: o som das asas, as cores vivas das penas, o brilho curioso nos olhos das aves. Um presente inesperado, que fez o dia terminar com ainda mais leveza e encantamento.
Mais uma tarde deliciosa finalizada na piscina do hotel.
No dia seguinte voltamos a caminhar pela praia e, como se o Caribe quisesse nos oferecer um presente de despedida, encontramos um trecho já limpo e deslumbrante. A água clara refletia o céu sem esforço, e o sol parecia mais generoso do que nunca. Ficamos ali, entregues àquele instante de paz, deixando a pele dourar e o coração sossegar. Para coroar a cena, uma arara pousou novamente em nosso braço, como se viesse selar a memória com suas cores vivas. Um gesto simples, mas que transformou aquele momento em poesia.
E assim a República Dominicana se despediu de nós: com sol dourado, mar finalmente límpido e uma arara pousada no braço como se fosse um símbolo de sorte. Voltamos para o hotel, fizemos as malas e, em dois tempos, já estávamos no aeroporto. Mas o que realmente levamos não cabia em bagagens: foram as memórias, as risadas inesperadas, os encontros improváveis e a certeza de que o Caribe é mais do que cartões-postais. É um lugar que nos acolhe com sua beleza e contradições, e que fica gravado no coração como uma lembrança que sempre vai cheirar a sal, sol e liberdade.
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