Escócia – De quando eu ainda não sabia que um dia teria um sobrenome escocês


Com certeza foi uma das surpresas de viagens mais agradáveis. Existem lugares que não estão na sua lista de países que você precisa conhecer antes de morrer ou que sempre teve o sonho de visitar, mas que acaba entrando no seu roteiro e você se vê perdidamente apaixonado. Esse foi meu caso de amor com a Escócia.

No ano de 2019 eu estava morando na Irlanda, fazendo um mestrado e nas férias de final de ano, planejei uma viagem pelo Reino Unido e Leste Europeu. A bem da verdade a inclusão da Escócia foi influência do meu amigo Marcelo, que estudava comigo na Irlanda e tinha amigos em Glasgow. Planejamos um início de viagem juntos e depois cada um dos cinco parceiros dessa viagem, partiria para um destino diferente. Marcelo, Mari, Raquel, Cabrini e eu iriamos nos encontrar em Glasgow.

Nessa época eu não sabia muito sobre a Escócia e as Highlands, embora sempre tivesse tido interesse de conhecer mais sobre a cultura escocesa. Eu era apenas aquela guriazinha que tinha assistido o Mel Gibson sendo o Wallace no filme Coração Valente do final dos anos 90, a mesma que conhecia o Lago Ness por causa de figurinhas que vinham em chicletes, sobre o monstro - sim, eu era uma criança ávida por informações, que lia e tentava saber mais até sobre as figurinhas do chiclete - e recentemente tinha tido interesse em aprender mais sobre os clãs e a Guerra Jacobina por causa de um livro que eu estava lendo. Nessa época eu já alimentava uma paixão por um ruivo que conheci em um Pub na Irlanda uns dias antes de viajar, que viria a se tornar meu marido, que tem antepassados escoceses, sobrenome escocês, usa kilt em ocasiões especiais – sim, isso inclui o nosso casamento - e mora na região do Canada onde a cultura escocesa é altamente cultivada, valorizada e anualmente promove o maior festival escocês fora da Escócia, o Glengarry Highland Games, mas que naquele momento poderia ser só mais uma de minhas paixões platônicas.

O primeiro destino na Escócia foi Glasgow, uma cidade famosa, mas que não despertou em mim grandes paixões. Ficamos em um hostel bacana e eu dividia o meu quarto com a Raquel. Tínhamos três dias na cidade e um roteiro que envolvia: Catedral de Glasgow – inaugurada em 1197 -, um cemitério vitoriano - atrás da Catedral -, a Praça George com o mercado de Natal, a Rua Buchanan com suas lojas classudas, o Kelvingrove Museum, o Kelvingrove Park e as Cervejarias Shilling Brewing e Bavaria Brauhaus. 

Os mercados de Natal são muito populares na Europa e Glasgow tem um mercado bastante procurado dentro da Escócia. Os mercados são grandes feiras onde vendem um bocado de produtos natalinos, feiras de artesanato, comidas, bebidas, com parquinho para as crianças, e música de Natal que “forçam” você a entrar no clima. Eu adoro esses mercados e foi bacana conhecer e passear por ele, tanto durante o dia quanto durante a noite. No primeiro dia que estávamos lá, passeamos pela cidade sem grandes pretensões, apenas tomando algumas cervejas da cidade e desfrutando da culinária do mercado de Natal, que encantada tanto pelo aroma, quanto pelo sabor.  

No dia seguinte o grupo estava completo e o casal de amigos de Marcelo, seriam nossos anfitriões, nos levando para todos os pontos, que eles como moradores, consideravam importante conhecer na cidade. James é escocês e ele o Rafa, se conheceram quando Rafa, também brasileiro, foi fazer doutorado por lá. 

Conhecemos a igreja o cemitério, caminhamos por parques, visitamos a universidade, que foi fundada em 1451 e ouvimos centenas de caras tocando suas gaitas de fole. Fomos também em uma rua cheia de pubs e a noite fomos a um clube, para dançar. Foi muito divertido e assim como boa parte do Reino Unido, a danceteria tinha um público bastante excêntrico. 

No dia seguinte a gente pegou um trem para Edimburgo e foi aí que a minha paixão definitivamente começou. Se eu tinha gostado do mercado de Natal de Glasgow, parecia até uma injustiça tentar comparar o de Edimburgo com ele. O mercado é gigantesco, lindo, muito bem-organizado, simplesmente fantástico. Passamos horas andando por ele, nos aproveitando da localização do nosso hostel, distante apenas alguns metros dali. 

Edimburgo é uma cidade medieval, a capital da Escócia e atualmente minha cidade preferida na Europa. Com seu casario cinza envolto por fantásticos rochedos, alamedas arborizadas, e o castelo em uma construção que parece impossível, visto de onde quer que se olhe. É a cidade que tenho certeza de que preciso voltar algumas vezes ainda.

Estar lá, era como uma volta ao passado, para uma outra vida. Lá senti uma conexão muito parecida com a que senti da primeira vez que pisei em Limerick. Quantas vidas minha alma já viveu?

Eu parecia me recordar do som o tiro de canhão disparado do castelo todo dia ao meio-dia, me recordar de muitas daquelas esquinas, dos cheiros e até mesmo o sabor do puro malte. 

Além disso realizamos um passeio até Invernes e apesar do trajeto de ônibus ser longo eu não queria dormir, pois fechar os olhos era a certeza de perder a exuberância da paisagem que passava pela janela. As Highlands – Terras Altas - são uma explosão de cores, relevos e beleza. A cada curva do ônibus uma nova paisagem arrebatadora se enquadrava na janela e nos arrancava suspiros. As montanhas com os topos cobertos de neve, as ovelhas pastando em vários tons de verde e o céu acinzentado dava um certo ar de drama as cenas e nos colocava dentro do cenário de um filme épico. A viagem era até Invernes mas o que a gente iria descobrir era que o melhor da viagem estava mesmo pelo caminho, pois só chegaríamos no destino a noite. 

Antes de chegar lá, fizemos uma parada para conhecer o Lago Ness. Antes disso conhecemos um museu e as ruinas do Castelo de Urquhart, que foi construído no século XIII bem na margem do lago e foi testemunha das guerras entre os clãs e posteriormente de conflitos entre escoceses Jacobinas conta os exércitos ingleses. Das ruinas do castelo é possível ter uma linda visão do lago e se você quiser, pode até mesmo procurar pelo monstro. Tudo bem que essa é apenas uma lenda, que atravessa séculos, mas é claro que eu não perdi a oportunidade. Imaginem a manchete “Turista, de Alfredo Wagner, jura ter avistado o monstro do Lago Ness”.

Não encontrei monstro, nem observando do castelo, nem depois já no “JacoBoat”, o barco que leva os turistas para o passeio pelo lago. Eu me sentia muito privilegiada em estar ali, ainda mais lembrando da guriazinha de óculos, mascando seu chiclete e pensando onde diabos ficava essa tal de Escócia. 

Chegamos em Inverness já era noite. Quase não vimos nada da cidade e eu nem tive tempo de procurar por Craigh na Dun, que segundo a autora dos livros da série Outlander ficam ali por perto. – brincadeira, o circulo de pedras não existe, mas seria uma versão menor de Stonehenge, que faria com que as pessoas viajassem no tempo, sendo essa uma outra lenda das Terras Altas. 

Voltamos naquela noite mesmo para Edimburgo e ficou a vontade de ter comprado um pacote que nos desse mais tempo por lá. 

Os dias que se seguiram em Edimburgo foram mágicos. Passamos o Natal por lá, com direito a ceia, passeios pela feira, danças natalinas e um grande sentimento de agradecimento, por mesmo não estando com minha família, estar tão à vontade com os amigos que tinha conhecido alguns meses atrás e naquele momento eram me tão familiar.  

Tomei wiskey, pela primeira vez em anos. Matei de vez um amor dentro do peito e ainda fiz um tour por lugares onde a escritora de Harry Potter – sim, deixem todo o cancelamento para lá e pensem que também sou escritora e gostaria de ter 1/10 do público que ela tem – passou quando morou por lá.

A Escócia foi transformadora em tantos sentidos e minha viagem de final de ano estava só começando. Dali eu seguiria sozinha! 

E agora quando assino o meu nome tenho o McLeod como o meu sobrenome, um dos mais tradicionais das Terras Altas. 


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