Dona Vanir Iung Weingartner nasceu em
17 de abril de 1935 e hoje, aos 81 anos, é uma das mais antigas moradoras da
comunidade de Picadas, no interior de Alfredo Wagner/SC. Com uma lucidez de dar
inveja a muitos, ela contou sobre como era a vida na antiga Picadas, sobre o
dia-a-dia árduo do trabalho na roça e dos índios. Falou ainda sobre a culinária
e festas tradicionais da comunidade.
Filha de Osvaldo Iung com Júlia
Martins Iung (descendente de imigrantes portugueses vinda de Biguaçu), Vanir
nasceu ali mesmo, em Picadas.
Picada é o nome dado ao serviço de desmatamento para a abertura de novas estradas. A Picada aberta ali seguia até a Vila de Barracão. Curiosamente, Dona Vanir conta que as condições da estrada eram péssimas e o trajeto até o Barracão demorava horas para ser percorrido, a cavalo ou de bicicleta, e, por isso, quando alguém da comunidade ficava doente, recorria aos vizinhos. Iam até a casa de Dona Maria e seu Werdolino, que tinham experiência em tratar dos doentes, dar remédios e até aplicar injeções. Outras vezes, recorriam a Alfredo Iahn e este fazia algumas “garrafadas”, usando de conhecimentos de homeopatia e era procurado para combater, entre outras doenças, a tosse comprida, frequente naquela época.
Ela relembra da infância e de algumas
vezes em que veio até o Barracão. Entre essas lembranças estão às tardes
passadas na chácara do Tio Evaldo, que ficava perto do local onde hoje fica a
pracinha da cidade de Alfredo Wagner.
Antigamente, cada comunidade tinha um
delegado, figura que tinha a função de apaziguar e resolver os conflitos. O de
Picadas era Osvaldo, o pai de Vanir. Dona Vanir comenta que ele até mesmo tinha
arma e cassetete. Osvaldo era ainda agricultor, fazia alguns trabalhos como
sapateiro e era proprietário de uma pequena ferraria, onde fabricava objetos
como facão, foice, machado, enxadas, “todas de alta qualidade”, conforme relata
ela. Por hobby, ele fabricava também anéis e brincos. Dona Vanir guarda até
hoje um anel feito pelo pai, utilizando uma moeda de 1928. Ele fabricava tudo
isso em uma pequena fornalha que era uma espécie de mesa de barro, com um fogo
alimentado por um “fole” tocado com o pé, que fazia com que o carvão se
aquecesse gerando o calor para que o ferro pudesse ser trabalhado.
Aos 18 anos, Vanir casou com Arno
Weingartner, com 19 anos na época. Após o casamento, o jovem casal continuou
morando na Picada e tiveram doze filhos. Dona Vanir ri enquanto conta:
- Existe um fato engraçado sobre
isso. Quando eu tinha 30 anos eu tinha quatro filhos, com 32 eu já tinha 7!
O fato realmente chama a atenção.
Naquele tempo não existia muito controle de natalidade e era comum que as
famílias tivessem filhos com intervalos menores do que um ano. Apenas sua
última filha não veio ao mundo pelas mãos de uma parteira. Todos os outros
tiveram seus partos realizados em casa, vindos ao mundo com ajuda de Matilda
Iahn ou Meta Schelemper, seguindo o ritual de antes do parto já matar uma
galinha para preparar o caldo e fazer o pão de trigo - que era um produto de
luxo naquele tempo, mas que as grávidas mereciam. Todos os filhos de Dona Vanir
têm seu nome iniciado com a letra S: Salete, Sérgio, Solani, Sadi, Sandra,
Salma, Salésio, Silvia, Sibeli e Simoni e ela fala todos sem pestanejar e em
ordem de idade.
Vanir afirma que a vida não era
fácil. Geralmente se levantava antes do dia clarear, na hora em que os
passarinhos estavam começando a cantar. Logo que levantava, preparava o café,
arrumava comida e os filhos para levar para a roça e seus dias eram preenchidos
com muito trabalho, derrubando capoeirão, plantando milho, feijão, criando
porcos, tirando leite e fazendo muita comida.
A culinária era um capítulo à parte.
Fazia pão de batata doce, milho, cará, Inhame e assava em um forno de barro
enorme onde cabia quatorze pães. Fazia roscas e assava-as em cima das folhas de
algumas plantas como o perí. Eventualmente faziam o pão de trigo, mas este era
reservado para datas especiais, como o natal e para as mulheres que tinham
acabado de ganhar bebê.
Quando matavam os porcos para
consumir a carne e a banha do animal, sempre faziam uma grande festa, chamando
os vizinhos e os presenteando com alguns pedaços da carne. Dona Vanir nos
conta, com orgulho, sobre as iguarias feitas a partir da carne do porco,
comidas tradicionais da Alemanha passadas de geração a geração até chegarem a
ela. Uma delas era o Roll-Wurst, torresmo moído com carne, coração picado, rim,
linguiça, bucho cozido na água da morcilha, prensado com banha, envolta na
manta de couro existente embaixo da costela do porco e colocado no fumeiro. Outra
comida é o Scharte-Magen, uma espécie de linguiça feita com a “manta” do porco,
com alho, pimenta dedo de moça e enrolada na pele de cima da costela do animal
e defumada no fumeiro.. Tanto o Roll-Wurst quanto o Scharte-Magen eram
pendurados em cima do fumeiro, um fogão a lenha geralmente localizado em um
paiol fechado. Dentro do fogão eram colocadas lenhas verdes, para gerar
bastante fumaça e defumar essas iguarias.
Dona Vanir conta também que era comum
encontrarem artefatos indígenas em seus terrenos. Encontravam pontas de
flechas, machadinhos e outros objetos em pedra produzidos por eles. Em suas
terras existiam também áreas onde ficavam os “ranchos de índios”, como eram
chamados pelos colonos o lugar onde ficavam o centro de suas aldeias. Os
locais, segundo Dona Vanir, eram reconhecidos pela cor preta da terra na qual
eles ficavam.
Ela narra ainda as histórias sobre
Matinho Bugreiro e sobre a índia Sofia, que foi tirada de sua tribo com cerca
de três anos e depois disso viveu como “empregada” na casa de uma família em
Taquaras. Lembra que existiam diversas histórias contando que a sua tribo fez
várias investidas até a casa dessa família, que escondia a menina para que ela
não fosse levada pelos outros índios. Todos comentavam sobre Sophia, a índia
que falava alemão, e que muita gente que passava por Taquaras queria conhecer a
menina. Dona Vanir ainda guarda na memória a imagem de Sophia, que já era mais
velha quando a conheceu. Descreveu-a como uma índia baixa, corpulenta e
recordou-se dela tratando as galinhas no quintal da casa.
Outras imagens que ainda permanecem
vivas em sua memória são dos grandes bailes que aconteciam no clube de Picadas,
o “Clube Recreativo 20 de Janeiro”. Anualmente existiam quatro bailes, atraindo
sempre muita gente. Seu Osvaldo ficava responsável pela iluminação, feita a
base de pedras de carbonete que, quando misturadas com água, geram uma chama,
cuja iluminação era refletida para iluminar o salão. Todos os moços iam com
terno e gravata e não eram raras as vezes que as moças compravam fazendas para
costurarem lindos vestidos. A música ficava por conta da banda do senhor Edi
Schaffer – o Jazz Familiar – e era sempre muito animado. Mais animado do que
esses bailes apenas o Carnaval. As grades festas não cabendo mais dentro do
salão do clube invadiam as ruas de Picadas e o povo cantava marchinhas e se
divertia com os hoje proibidos “lança perfumes”. O ponto alto era quando o
“cordão” vindo do Quebra Dente chegava. Sempre com duas moças em bicicletas
enfeitadas e uma charrete, que puxava o bloco. Figura certa nesses carnavais
era o professor Leonardo Harger, que lecionava no Quebra Dente e também já
havia trabalhado em Picadas, era um homem adorado por todos e um grande folião
nos carnavais.
Papo
vai, papo vem e nossa conversa se estende por horas. Dona Vanir é uma mulher
cheia de fibra e cativante que me contou essas histórias e algumas outras com
um sorriso no rosto. Rosto marcado pelo tempo, mas que ainda conserva um brilho
nos olhos de menina, em especial quando relembra de um tempo muito bom que
viveu em sua amada Picadas.
Carol Pereira e Vanir Iung Weingartner - 10/08/2016 |
Algumas fotos do arquivo pessoa de Dona Vanir:
Um dos times de futebol da Antiga Picadas |
Família de Alfredo Sell |
Arno em Curitibanos, conhecendo uma lavoura de Trigo |
Almericio Martins famoso tio Mericio |
Walter Zimmermam |
Algumas das moças da comunidade de Picadas |
Otávio Horst e também com sua bicicleta |
Neri Weingartner, Rosinele Scheidt Weingartner e Soni Iahn |
Bertulina e seus alunos mais ou menos na década de 10 |
1 Comentários
Querida Carol Pereira, lindas estórias e histórias, e que ao falar aqui no nome do meu querido vovô Evaldo,que tanto lembro da minha infância no Barracão, aqui falas de Arno ( seria o Arno filho mais velho do vovô Evaldo e da vovó Alvina?) Tio Arno?
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