Marinho Bugreiro ganhou a vida expulsando
e exterminando xoklengs das frentes de colonização em Santa Catarina. Os
bugreiros eram pessoas sanguinárias, perigosas e matadoras que, a mando de
particulares ou do governo, ganhavam a vida expulsando e exterminando os índios.
Estes "batedores do mato" agiram da metade do século passado até por
volta da década de 30, nesse século, principalmente ao longo do vale do rio
Itajaí.
A tribo xokleng, também chamado de bugres
- indígenas de diversos grupos do Brasil por serem considerados não cristãos e
arredios pelos europeus - viveu durante séculos como nômade nas vastas
florestas que cobriam os vales litorâneos, subindo pelo leito dos rios até as
bordas do planalto serrano. Formavam pequenos bandos independentes e hostis
entre si, que perambulavam por toda a extensão de seu território, vivendo da
caça e da coleta. A mata atlântica e os pinheirais provinham-lhes tudo de que
necessitavam para sobreviver: animais e aves, mel, frutos e raízes silvestres.
Acuados pela ocupação branca por todos os lados, os índios concentraram-se na
região serrana catarinense, onde travaram a última e fatídica batalha com os
bugreiros. O fim dos xoklengs começou na segunda metade do século passado,
quando levas de alemães, italianos e eslavos imigrados passaram a ocupar suas
terras inclusive onde hoje se encontra a cidade de Alfredo Wagner. A manutenção
da mata virgem era fundamental para a sobrevivência dos indígenas e sua derrubada
era justamente a primeira providência dos colonos uma vez instalados; o
resultado desse conflito de interesses foi o choque e o extermínio dos índios.
Para defenderem suas matas, os xokleng faziam ataques esporádicos, pilhando e
matando alguns colonos. Em represália, o grupo inteiro era perseguido e
exterminado pelos bugreiros que, em bandos armados, adentravam ao mato em
"expedições de vinganças", para perseguir e dar cabo dos índios.
Assim, à força de arma, a colonização se fez.
O processo de colonização das terras
localizadas entre o litoral e o planalto catarinense não levou em consideração
a presença de povos indígenas. Estas áreas consideradas desabitadas foram sendo
loteadas e ocupadas por imigrantes europeus. Os novos camponeses ocupavam seu
lote no meio da mata, onde permaneciam isolados com sua família, a mercê de
ataques. Ilhados, desprotegidos e com pouco ou nenhum conhecimento a respeito
dos índios com os quais manteriam contato, eles se armavam para receber as
"feras" á bala, o que só aumentava as animosidades. A aproximação dos
silvícolas, no mais das vezes, não se consumava em ataque, permaneciam na
floresta donde vigiavam todos os passos do homem branco. São muitos os relatos
de descendentes dos primeiros moradores de comunidades como Caeté ou Pedra
Branca que contam sobre esses contatos com os índigenas. Enquanto os colonos
trabalhavam os índios espiavam do mato, ou à noite muitas vezes, eram vistos
espiando pelas frestas da casa; apesar de muitas vezes não oferecem perigo, inspiravam
terror nos colonos por estarem armados de flechas e tacapes,
Para dar cabo dos grupos indígenas que
eram descobertos nas frentes de colonização, eram contratados bugreiros
profissionais. Estes perseguiam e matavam os índios e aprisionavam mulheres e
crianças, uma prática que não somente ficava impune como era estimulada,
louvada e, muitas vezes, paga com verbas governamentais. Martinho Bugreiro foi
o maior deles, agiu em Bom Retiro, sua terra natal; Alfredo Wagner onde viveu
por muitos anos; Ituporanga, Anitápolis, Esteves Júnior, Angelina e Brusque.
Martinho nasceu por volta do ano de 1876,
no município de Bom Retiro e muitas histórias e lendas cercam a personalidade
do maior matador de índios de nossa região. Segundo relatos, ele viveu os
primeiros anos de sua vida em sua cidade natal e logo cedo, aos 18 anos já
matava índios. Trabalhou em Taquaras, na fazendo Major Generoso de Oliveira –
um ex militar e grande fazendeiro da região – após o casamento mudou-se para
Alfredo Wagner. Primeiro morou com os sogros na Boa Vista e assim que conseguiu
juntar algum dinheiro montou sua casa no Caeté; depois foi para Catuíra –
antiga Colônia Militar Santa Tereza – para dar maior segurança aos colonos que
ali se fixavam. Foi nomeado gerente da Cia. Colonizadora de Santa Catarina por
seu diretor, coronel Carlos Poeta. Entre os anos de 1923 e 1928, Martinho
esteve a serviço do agrimensor de terras, Carlos Miguel Koerich. Em 1932
participou da revolução constitucionalista e ficou aquartelado em Itacaré. No
final de sua vida teria voltado para Bom Retiro. Além de bugreiro ele também
foi um pequeno criador de gado.
Martinho era um homem de dons: perseguia
bugres no meio do mato durante vários dias, guiando-se apenas pelos astros e
nunca perdia a pista. Tinha astúcias de caçador, sabia como se acantonar,
chegar direitinho, quieto, na hora certa de passar a bugrada na espada, sem lhe
dar tempo de reação. O homem que tinha Jesus no nome parecia ter parte com o
cão, tantos eram os ardis que possuía para derrubar índio. Além do mais era afamado
caçador de tigres. Ninguém tinha tanta prática na lida com a bugrada; por isso
Martinho ficou conhecido por toda região, por onde era convocado a "bater"
índios que faziam malvadeza
Os motivos que o levaram à prática são
caminhos que se bifurcam. Pode ser pelo dever de ofício, já que era inspetor de
quarteirão e os índios eram considerados foras-da-lei. Mas há histórias
lendárias em que tudo teria começado por vingança: quando criança, o menino
Martinho teria sido raptado pelos bugres e vivido entre eles por alguns anos.
Daí nasceu sua sanha e os conhecimentos que lhe seriam tão úteis no seu futuro
ofício. Ironicamente, o que há de certo, é que sua mãe teria sido índia. Na
condição de inspetor de quarteirão, uma de suas tarefas era "cuidador de
baile". Como autoridade constituída, passava a noite no salão e apenas sua
presença garantia o sossego.
Os bandos de bugreiros eram formados por
grupos de 8 à 15 homens. Martinho tinha em seu bando dois irmãos, Manoel e
Jacinto e, reza a lenda, os três estranharam-se algumas vezes para medir quem
era o mais valente e o mais rápido no gatilho e facão, porém sempre Martinho se
destacava. Contavam que ele era um líder nato.
O
ataque aos índios pelo bando de Martinho seguia sempre um mesmo ritual.
Perseguia-se o grupo a que se desejava dar cabo e depois de encontrá-lo os
mateiros ficavam acantonados durante horas, sem conversar ou fumar, esperando o
momento exato para surpreender os índios em um ataque fulminante. Era quando o
dia estava para nascer. Enquanto os indígenas estão entregues a seu sono mais
pesado, que se dava o assalto. Primeiro cortavam as cordas dos arcos, depois
iniciavam a matança. Acordados a tiros e golpe de facão, os índios não tinham
qualquer chance de defesa. O tipo de corte que matava os índios variava:
degola, evisceramento, cortes transversais no peito, pontaços no coração, pois a
carne é macia e a lâmina cega. Os bugreiros costumavam dizer que cortar carne
de bugre era igual a cortar bananeira, pois ambas são macias. Após matar todos
os adultos, as mulheres e crianças eram presas e levadas para a civilização.
Cortava-se as orelhas dos mortos - pois a recompensa era paga por cada par de
orelhas. Estas eram colocadas dentro de um pacote de couro com sal, pois tinham
de ser apresentada aos órgãos do governo. O trabalho só terminava depois de
derrubar as “ocas”, empilhar e colocar fogo em tudo. Para que queimasse melhor,
a sola grossa dos pés dos índios era aberta a facão. Os despojos - arcos,
flechas, artesanatos - eram divididos entre os homens, que depois vendiam.
Contam que Martinho mesmo que matasse por
precisão, tinha muito gosto no que fazia. Às vezes, quando as crianças estavam
dando muito trabalho, jogava o curumim pro alto e aparava na ponta da espada.
Diante da exemplar crueldade, as mães tratavam logo de aquietar seus filhos e
seguir viagem sem dar canseira aos adultos.
Ainda segundo contam as lendas a seu
respeito ele teria sido morto por Sabú, um índio que ele teria levado para casa
após ter dizimado sua tribo. O indiozinho teria sido criado por seu capataz
Ingraço e sua mulher Naná, por quem Martinho nutria grande desejo. O bugrinho
até mesmo teria participado de algumas caçadas a outros índios, pois era muito
bom em “farejar” os rastros dos bugres, porém teria matado Martinho com uma
facada no pescoço.
Lenda ou não, é uma grande ironia – ou
castigo divino, como dizem os mais religiosos - esse grande matador ter morrido
pelas mãos de um índio que foi criado dentro de seu próprio lar.
Texto
escrito com base em memórias coletivas e nos seguintes documentos:
Martinho Bugreiro - O Matador de ìndios (Autor Joel Ventura)
Lendas de fatos de um matador de índios (Autor Joel Gehlen)
16 Comentários
Que interessante! Eu sou estudante de Ciências Sociais na UFRGS, e estou reunindo informações sobre casos como este para um trabalho. Você poderia entrar em contato comigo pra informar mais detalhes sobre essa leitura? Seria importantíssimo para mim.
ResponderExcluirMeu e-mail é francisco_a.g@hotmail.com
No facebook é Francisco Gonzaga.
Agradeço desde já! Um abraço
Sou bisneta do Martinho bugreiro Margarete natural de Ituporanga
ResponderExcluirtambém sou bisneto do martinho!meu pai e neto...então nossos pais são primos!kkkkk como entro em contato????meu watz:047997820596
ExcluirMinha mãe é neta do Martinho Marcelino de Jesus nascida em bomretiro o nome dela é benta maria de jesus
ResponderExcluirOlá meu pai e sobrinho dele .
ExcluirOlá Carol! Sou acadêmica de História - Licenciatura, e estou escrevendo sobre os encontros de bugreiros, desconhecia esse material.. gostaria de saber como teria acesso à esse livro,
ResponderExcluirobrigada!!
luize_rf@hotmail.com
Ouvi contar que o Martinho Bugreiro foi cogitado para matar bugres em Joinville, no início do século XX, mas parece que nunca chegou por aqui.
ResponderExcluirOi meu nome é Paulo Marcelino, e sou bisneto de Manoel Marcelino, irmäo de Martinho Bugreiro, meu pai é Antonio Marcelino e meu avô José Salário Marcelino, sou natural de Lages-Sc
ResponderExcluirOlá meu acho q meu pai e parente seu parente. Jairoque Marcelino de Jesus ele é filho de José Salares Marcelino. Entre em contato.
ExcluirBom dia, como posso entrar em contato, meu pai é sobrinho dele
ExcluirPara min este cidadão chamado Martin Bugreiro não passa de um ASSASSINO.
ResponderExcluirSOU ÍNDIO E LHE DIGO QUE OS IMIGRANTES POR MAIS QUE NÃO ADMITAM. ...
TODOS TEM HERANÇAS DE SANGUE INDÍGENAS.
O POVO BRASILEIRO TEM UMA DÍVIDA GIGANTESCA COM TODAS AS NAÇÕES INDÍGENAS NESTE PAÍS.
Marco essa dor não tem equiparação que possa compensar...e tenho sangue de Indio por parte de Vó paterna e o Sangue de Martinho porte de avô paterno...meu avô foi sobrinho neto de Martinho e pelo inter laços da vida amou minha vó com descendência nativa...E quando ouço esses leio vejo fotos que exitem da um perto e imenso no peito um buraco sem fim...Creio que só amor pra curar esse buraco e muitas tribos no Brasil foram dizimadas assim Muitos Martins tiveram e tem meio que sutilmente na sociedade hoje eles agem de forma sutil dizimando com o descaso...
ExcluirBom dia, saberiam me informar onde posso encontrar mais informações sobre essa história, meu bisavô e avô viveram um pouco dessa grande história. Se puder me informar agradeço, Anderson 48-984717710
ResponderExcluirEu sempre soube que o nome dele era Martinho Marcelino de Jesus.
ResponderExcluirOlá!sou bisneto de um dos integrantes do bando, Manoel Pedro Borg
ResponderExcluiros xoklengs também não eram tão bonzinhos , nem os índios em geral, os primeiros colonos italianos sofriam ataques dos índios, inclusive crianças foram degoladas por índios.
ResponderExcluir