Eva faria 13 anos no final de março.
Sabú e Ceci não sabiam em que dia tinham nascido, por isso não sabiam que dia fariam aniversário, mas Tia Matilda resolveu que todos eles comemorariam aniversário junto com Eva. Naquele ano Ostern, ou páscoa como é conhecida no Brasil, caia justamente no dia do aniversário de Eva e como era a tradição, alguns dias antes eles começaram a colorir alguns ovos com macela e anilina. Era uma festa! Sabú e Ceci queriam um ovo de cada cor e coloriram mais de 5 dúzias. No dia da páscoa Tia Matilda e Tio Albert esconderiam os ovos pelo quintal e as crianças teriam que os encontrar, eles estavam ansiosos pelo dia. Antes, porém teriam muito trabalho pela frente para prepararem muitas “misturas” para o aniversário das crianças, que teria até pão de trigo.
Não era comum terem pão de trigo em casa, ele era reservado para ocasiões especiais como por exemplo o Natal ou quando as mulheres ganhavam bebê. Nos outros dias eles comiam pão de milho, batata doce, cará, Inhame e os assavam em um forno de barro enorme onde cabia quatorze pães. Eles também faziam roscas e as assavam em cima das folhas de algumas plantas como o perí, de inhame ou de bananeira.
Quase tudo que eles comiam, eles mesmos que produziam no sítio; plantavam batata, milho, feijão, trigo, criavam algumas galinhas, porcos e gado leiteiro, faziam queijos, chimias... O trigo virava farinha na atafona do Tio Albert e os grãos de café também tinham que ser torrados; batiam o feijão, o milho... a carne, na maioria das vezes a de porco era frita e guardada dentro de uma lata de banha.
Tia Matilda também fazia algumas iguarias feitas a partir da carne do porco, comidas tradicionais da Alemanha passadas de geração em geração. Uma delas era o Roll-Wurst, um prato feito da mistura de: torresmo moído com carne, coração picado, rim, linguiça, bucho cozido na água da morcilha, que prensado com banha, era envolta na manta de couro existente embaixo da costela do porco e colocado no fumeiro. Quando Ceci e Sabú viram Tia Matilda preparando aquilo pela primeira vez, fizeram uma cara estranha, aquilo parecia meio nojento e diferente de tudo o que já tinha provado, mas depois de experimentarem gostaram. Eva gostava mais do Scharte-Magen, uma espécie de linguiça feita com a “manta” do porco, com alho, pimenta dedo de moça e enrolada na pele de cima da costela do animal e também defumada no fumeiro. Tanto o Roll-Wurst quanto o Scharte-Magen eram pendurados em cima do fumeiro, que era um fogão a lenha que ficava fechado no paiol do tio Albert. Dentro do fogão eram colocadas lenhas verdes, para gerar bastante fumaça e defumar essas comidas.
Mas, do que as crianças gostavam mesmo eram das Cucas. Elas adoravam! Ainda mais com as invenções de Tia Matilda que fazia Cuca com todo tipo de frutas e o que mais pudesse usar. Todas ficavam uma delícia!
Tio Albert matou quatro porcos para o aniversário das crianças e mandou vir de Rancho Queimado, muitos litros de uma cerveja doce, sem álcool, muito gostosa, que era produzida por um amigo dele, o senhor Alfredo Sell. As crianças adoravam a bebida e diziam que era uma pureza de tão gostosa. A festança ia ser da boa; convidaram os amigos mais chegados do Caeté, Sombrio, Picadas e até o compadre do Tio Albert que morava lá na Barra da Jararaca.
Aos poucos os convidados começaram a chegar. Alguns ainda estranhavam um pouco Ceci e Sabú, mas os olhares encabulados logo davam lugar a olhares encantados, tamanha a educação, simpatia e doçura dos indiozinhos, outros queria ver Bijuca, a ave de Eva, que estava pousada no ombro de Matilda. Enquanto Eva conversava com os adultos eles aproveitavam para conferir a veracidade de suas histórias. Histórias estas que nem pareciam ser protagonizadas por uma menina tão jovem.
Perguntavam sobre o leão baio, sobre os guardados, e Fride chegou a oferecer dinheiro para Eva ir em busca de um tesouro para ele, ao que ela respondeu:
- Não faço pelo dinheiro seu Fride, faço pela aventura!
Tia Matilda apenas deu uma olhada meio de rabo de olho e bastou para Eva encerrar a conversa por ali.
Várias outras crianças também vieram, cantaram parabéns em alemão e cada um dos 3 tinha um bolo especial. Tudo feito com muito esmero por tia Matilda e Guertta, uma doceira sua amiga.
Quando terminaram de comer, Tia Matilda anunciou que as crianças já podiam procurar os ovos de páscoa, que estavam escondidos pelo quintal e elas saíram correndo.
Sabú parecia o mais desesperado; ele dizia que queria encontrar um de cada cor. Encontrou o primeiro ao lado de uma pedra e o segundo perto da porta do galinheiro. Ele já tinha dois enquanto as meninas ainda estavam em busca de um primeiro.
Corriam por todos os lados e poucos ovos estavam sendo encontrados. Aos poucos eles foram desanimando e Tia Matilda e Tio Albert, que tinham escondido os ovos no dia anterior enquanto as crianças tomavam banho de rio, faziam cara de quem não estava entendendo nada.
Ao final de meia hora apenas 11 ovos haviam sido encontrados e tio Albert enrolava os bigodes, enquanto ia até os lugares onde tinha certeza que havia depositado um ovo e encontrava os mesmos vazios. Aquilo estava estranho.
Não deu nem um ovo para cada criança e tia Matilda ainda pediu para Sabú dar os que ele tinha encontrado para os vizinhos que tinham ficado de mãos abanando. Meio a contragosto Sabú entregou os ovos, algumas crianças choravam por não terem encontrado nada. Tio Albert ficou com muita vergonha, parecia que eles estavam economizando os ovos. Ele se desculpava sem parar.
Apesar disso a festa continuou, logo as crianças acharam outras brincadeiras e com o final do dia se aproximando todos começaram a ir embora.
Eles já estavam dentro de casa quando ouviram o tropel do cavalo do frei se aproximando, ele trazia presentes. Comprou bons cortes de fazenda, para que Matilda, que era uma excelente costureira fizesse vestidos para as meninas e um bonito paletózinho para Sabú!
Ele contou as novidades e se desculpou por ter chego tão tarde. Lá no Sombio estava o maior alvoroço, todos tentando encontrar o Nego Tony.
- Quem é o Nego Tony? - Perguntou Eva.
Tio Albert respondeu:
- Nego Tony é um pobre coitado que mora aqui no Barracão ele é um sujeito fora da lei que vive arrumando confusão.
Eva não entendeu como até então nunca ouviu falar nele. Frei, percebendo o olhar confuso da menina, começou a explicar:
- Ele aparece de tempos em tempo, aplica um golpe aqui, rouba uma coisinha acolá, mas nada demais; só que vez ou outra ameaçam de dar-lhe uma surra e o danado desaparece. Andou roubando umas coisas lá pelo lado do Barracão e tava sumido. Agora, parece que roubou na charqueada e na venda do seu Adolfo; estão querendo o couro dele e tá todo mundo empenhado, querendo se embrenhar no mato pra pegar o sem vergonha, porém não viram para que lado ele foi.
O frei comeu um pedaço de bolo, tomou um copo da cerveja doce e logo disse que tinha que retornar, pois ainda deveria fazer uma visita naquela noite.
De madrugada ouviram muitos barulhos vindos do galinheiro, Eva até suspeitou que pudesse ser Katze, mas como viu que o barulho parou logo, descartou a possibilidade.
No dia seguinte Tia Matilda contou que achava ter sumido sua galinha mais “botadeira” e lamentava, acreditando que poderia ter sido comida por algum animal.
Nos 3 dias seguintes galinhas sumiram do galinheiro e então Tio Albert resolveu ficar de tocaia, para ver o que estava comendo suas galinhas. É claro que Eva, Ceci e Sabú também iriam querer participar dessa aventura. Ficaram a noite toda atocaiados, espiando por uma janela que dava para o galinheiro, mas nada de diferente se aproximou. A bem da verdade só Tio Albert que ficou acordado pois as crianças pegas pelo marasmo de um galinheiro sem ataques, logo dormiram.
Porém, enquanto vigiavam o galinheiro o animal atacou o chiqueiro e carregou um dos porcos do sitio. Tio Albert não se conformava, já estava ficando assustado.
Eva percorreu todo o terreiro acompanhada por Bijuca, tentando encontrar sinais do animal, mas não havia nada, nenhuma pegada diferente das dos animais conhecidos, só de humanos.
Eva pensou, pensou e foi correndo conversar com o tio.
- Tio, e se for o tal do Nego Tony?
O tio apenas enrolou os bigodes e disse...
- Não minha filha, ele não vem pra essas bandas, fica só lá pelo Sombrio.
Depois do almoço Eva, Ceci, Sabú e Bijuca estavam debaixo de uma laranjeira comendo algumas laranjas quando Sabú disse.
- Ah! Como eu queria que uma dessas laranjas fosse um ovo, daqueles da páscoa, que eu nunca pude comer.
Eva ficou pensando naquilo, os ovos terem sumido também era muito suspeito e um animal não os recolheria, era óbvio que se tratava do Nego Tony, mas o tio não acreditava. Logo, ela teria que resolver isso apenas com a ajuda de Sabú e Ceci que é claro, toparam na hora.
O primeiro passo seria encontrar o esconderijo daquele safado.
Andaram por toda a redondeza, e não acharam nada. O jeito seria espreitar o ladrão na madrugada. Durante 3 noites ele não apareceu. Eva já estava até pensando que havia se enganado, quando Sabú veio afoito ao seu encontro contando:
- Eva, Eva, eu achei as casquinhas dos nossos ovinhos de páscoa, eu achei!
Aquilo era uma pista. Assim que conseguiram se escapar de Tia Matilda e Tio Albert as meninas e Bijuca seguiram Sabú até o local onde estavam as casquinhas. Se tratavam mesmo do que restou daqueles ovos que eles tinham pintado.
Na encosta de um barranco eles notaram que havia uma abertura, e só poderia ser ali que o meliante se escondia.
Eles precisavam de uma luz para entrar naquele buraco.
- E se ele estiver aí dentro? - Disse Ceci em um tom de medo.
- Se ele estiver ali, a gente corre! - Disse Eva.
- Mas e se ele correr mais que a gente? Retrucou Sabú.
- Tá bem, vamos em casa e contamos isso ao Tio Albert, se ele não acreditar na gente, pegamos uma pomboca e voltamos aqui.
Ao contarem a história para os tios, Albert enrolou os bigodes e Matilda levantou apressada, pegou a espingarda e disse.
- Vamos de uma vez antes que escureça, ou vocês acham que vou deixar esse homem comer todas as minhas galinhas. Antes prendam Bijuca, tenho medo de que algo aconteça com ela.
Chegando no local, Tio Albert entrou na frente. Um pouco de vegetação cobria a entrada do buraco. Na primeira parte era necessário se baixar e entrar rastejando, mas lá dentro era possível até ficar de pé. Quando Albert saiu disse que lá encontrou restos de comida, sinal de habitação. Albert não teve dúvidas: era o esconderijo do Nego Tony. E o mais surpreendente, dentro da caverna, o esqueleto de um porco se fazia visível e, ao seu lado, um toco de vela. O infame assou um porco inteiro com uma única vela! Aquilo era espantoso.
Todos ficaram boquiabertos, ele era muito engenhoso, certamente para não chamar a atenção com uma fogueira ele usou a vela.
De repente um barulho foi escutado e quando olham para trás perceberam o homem correndo entre as árvores, Tia Matilda que estava com a espingarda saiu correndo atrás do homem, que caiu. Tia Matilda apontou a espingarda para ele que estava caído. Eva arregalou os olhos, em pânico, com medo da tia.
Matilda engatilhou a espingarda, e atirou para cima! O Nego Tony, nesse momento fechou os olhos achando que era seu fim. Ela disse:
- Da próxima vez, nem Deus vai te salvar, você que não se atreva a mexer novamente com minhas galinhas, senão o próximo tiro, não será para cima.
Tio Albert amarrou Tony e colocou em cima do carroção, ele foi levá-lo até o delegado, para que prendessem o ladrão.
Eva ficou impressionada com a coragem da tia e passou a admirar ainda mais aquela mulher.
Uns 3 dias depois, uma coisa estranha aconteceu, eles acordaram e deram de cara com duas caixas. Em uma estavam 5 pintinhos e na outra um filhotinho de porco. Tio Albert conclui que deveria ter sido presente de um vizinho, que vendo que eles ainda dormiam, não quis os acordar. Ele guardou os animais. Aquele seria um dia agitado para Matilda e as crianças.
Eles resolveram pintar novos ovos e chamar todas as crianças da vizinhança para uma nova caçada. Desta vez Sabú conseguiu encontrar um ovo de cada cor e seus olhos brilhavam pela conquista.
No meio da tarde o frei chegou. Ficou feliz ao ver a alegria da criançada. Eva e tio Albert foram falar com ele que logo contou.
- Não pense que o malfeitor teve um final feliz. Dois dias depois de você deixar ele com o delegado, ele fugiu. O delegado deixou isso em sigilo, para não assustar a população, mas agorinha chegou a notícia de que ele se envolveu em outra briga, hoje em Bom Retiro, briga feia e dessa vez, quem levou a pior foi o NegoTony!
Eva sentiu um misto de alívio e pena. Ela tinha certeza de que o presente não havia sido dado pelos vizinhos e sim por aquele que todos chamavam de malfeitor, mas que certamente tinha um bom coração e assim que pôde devolveu o que havia roubado.
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