No dia 28 de julho do ano passado, eu e a Manu
fomos até o Rio Lessa, onde entrevistamos o senhor Edolino Marian. Ele estava
nos esperando todo alinhado, com uma bela roupa e feliz por nos contar um pouco
de sua história.
Infelizmente não conseguimos editar e escrever a
entrevista antes de seu Edolino partir pois, no dia 3 de janeiro desse ano, ele
nos deixou.
Fica então essa publicação como uma homenagem
póstuma, a um homem que aprendemos a admirar e que nessa entrevista nos encantou, contando
um pouco da história de sua vida.
Segue a entrevista.
O quarto entrevistado do projeto “História de Nossa
Gente” foi o senhor Edolino Marian, de 82 anos e morador do Rio Lessa, onde era
conhecido por todos.
Seu Edolino, ou o Fata, como é carinhosamente
chamado pelos netos, nasceu em Alfredo Wagner, antigo Barracão, na comunidade
de Santo Anjo, bem aos pés da Serra que dá início do Campos dos Padres. Lugar
alto e frio onde os pais escolheram para ser sua primeira morada e iniciar sua
grande família. A casa da família ficava próxima a montanha conhecida como
Soldados Sebold.
Hoje não tem mais muitos moradores naquela região,
mas a quase 100 anos atrás, era o local escolhido por muitos descendentes de
imigrantes alemães para iniciarem sua nova vida. Lá existia até mesmo uma
escola, para que todas as crianças pudessem estudar. A propriedade da família
era cercada por uma densa mata nativa e além de animais selvagem, ainda contava
com a maciça presença dos índios, os antigos donos das terras que ainda viviam
pela redondeza.
O pai e Edolino, Rainoldo Marian, nasceu em Águas
Mornas, na Colônia de Santa Izabel, posteriormente vindo para Alfredo Wagner e
a mãe Ema Hasse nasceu em Anitápolis, na localidade de Rio Novo. O casal
Rainoldo e Ema, assim como vários outros casais daquela época teve um grande
número de filhos, 12 no total.
Seu Edolino relembrava que naquela região era muito
comum dar de cara com os nativos, dos quais os alemães tinham muito medo.
Quando os brancos iam os observar, os índios subiam em cima das pedras e batiam
na bunda, para provoca-los. Quando os homens saiam de casa eles se aproximavam
e ficavam rodeando a casa, com todos dentro dela, amedrontados. Os bugres
pegavam alguns pedaços de madeira e começava a passar pelas tábuas da casa,
para assustar, até mesmo os cães se escondiam debaixo da casa, com medo dos
estranhos visitantes. Aos poucos os índios foram desaparecendo pela ação dos
bugreiros, ele não vivenciou nenhuma ação violenta por parte dos índios, mas
eram muitos os relatos de índios que aproveitavam que os homens não estavam em
casa para atacar, roubar, destruir as plantações.
Os alemães que moravam nessa parte do caeté, eram
pouco amistosos com os brasileiros., preferiam viver longe e conviver apenas
com os outros descendentes de alemães.
Logo a família saiu do Santo Anjo, indo morar em
Braço Novo, na cidade de Braço do Trombudo, onde ficou até os 8 anos e retornou
para a comunidade do Rio Lessa, em Alfredo Wagner.”
Edolino relembrava com ternura da mãe, que sempre
foi uma pessoa muito amável e carinhosa. Ele lamentava que Ema tivesse deixado
a família tão cedo. Ela morreu quando ele ainda era um jovenzinho, sofreu um
aborto, do que seria seu 13º filho e foi descoberto um câncer, que acabou
tirando sua vida. A mãe ficou alguns meses internada em Florianópolis e seu
Edolino contava que para ir visita-la costumava pegar carona com os
caminhoneiros que seguiam em direção a capital do estado, as vezes ele ia na
cabine, mas geralmente ia em cima, com a carga. Da capital dessa época ele relembrava
que para atravessar a Hercílio Luz era necessário retirar o chapéu da cabeça,
caso o contrário o vento o arrancava.
Após o falecimento de sua amada mãe, o pai, homem
que era muito mais fechado e duro, se mudou para Anitápolis. Edolino resolveu ficar,
já era tempo dele tocar sua vida com a força de seus próprios braços e
construir o seu futuro, para isso começou a trabalhar de meia com alguns dos
vizinhos.
Olhando para o
passado, Fata não sentia saudade da infância, exceto pela sua mãe. A vida era
bem sofrida naquele tempo.
Não sentia falta de sua infância, pois passaram
muito trabalho. A comida não era em abundancia como hoje, comiam quase sempre
feijão, arroz, batatinha, batata doce e carne de porco, as vezes aos domingos tinha
uma galinha.
Na páscoa tinha o osterhase que era o coelhinho da
páscoa, os pais diziam que os coelhos vinham e colocavam os ovos e no outro
dia, o dia de páscoa, eles levantavam e iam procurar os ovinhos, que os pais,
com muito esmero, haviam furado, pintado com algumas erva e enchido de amendoim.
Ele contava que mesmo sendo muito pouco, era imensa a felicidade dele e dos
irmãos. Assim como ficavam felizes quando no natal comiam pão de trigo. Comiam
puro mesmo, sem passar nenhuma “chimia”, para sentirem bem o gostinho, daquilo
que naquela época, era uma iguaria.
O primeiro sapato que ele calçou foi com 13 anos, ele
ganhou de presente da mulher do pastor da igreja luterana do Rio Adaga, que lhe
pediu um favor e em troca lhe deu o sapato, que estava sem uso. O menino voltou
para casa radiante, finalmente tendo algo para colocar nos pés.
Os bisavós de
Edolino vieram da Alemanha e quando ele nasceu as tradições vindas da Europa
ainda eram fortemente seguidas e propagadas em sua casa. A religião seguida por
todos era a Luterana e a fé era um dos pilares de toda a sociedade. O primeiro
idioma que todos aprendiam era o alemão, que era praticamente o único falado
nas comunidades. Sua mãe, Dona Ema, morreu sem saber falar corretamente o
português, pois não tinha necessidade de aprende-lo.
Edolino só foi
aprender o português quando entrou na escola. Na Era Vargas, do Estado Novo,
era proibido falar o alemão, então todos os professores contratados para
lecionar tinham que falar apenas o português. O que foi um problema enfrentado
por muitos alunos que como Edolino falavam apenas o idioma de seus antepassados.
“Na época
nós morávamos em Trombudo Central, os alemães naquela época eram muito
perseguidos, meu pai trabalhou 6 dias na picareta, fazendo estrada, cortando
pedra, de castigo”, castigo por ter sido visto falando alemão em público.
Ele relembra também uma vez que precisou ir na farmácia, mas não pode falar,
pois não conseguia falar em português e tinha medo de falar em alemão e ser
penalizado.
Ele contava que havia aprendido a falar o
“brasileiro”, com os colegas da escola, que pacientemente o ensinaram. Edolino
frequentou a escola durante pouco tempo, estudou apenas até a 3ª série, mas
conta que nesse tempo foi um aluno exemplar e que aprendeu tudo o que pode.
Ele recordava
também de alguns invernos bem frios de seu passado, em um deles deu tanta neve que
tapou o pico de todas as montanhas da região e que ela ficou acumulada durante
dias, mesmo sendo dias de sol e quando finalmente derreteu, quase provocou uma
enchente, devido ao volume de água em que se transformou.
Depois de um
tempo que estava morando separado do pai ele foi servir no exército, onde ficou
10 meses e 18 dias e relembrava com orgulho que ajudou a fazer o traçado da BR
116, que vai de Lages até o Rio Grande. Ele foi até Vacaria, realizando o trabalho.
No exército ele encontrou alguns amigos de Alfredo
Wagner, tais como: Welmut Iahn, Raul Schlemper, Paulo do Bebeto, entre outros.
Voltando do exército chegou o momento dele
constituir a sua família.
Conheceu Wanda em um baile, na comunidade do Alto
Rio Caeté, se olharam e se gostavam e não demorou muito para logo se casarem. “Naquele tempo as coisas eram muito
diferentes de hoje em dia e se o casal se gostava, logo casava” nos contou
o casal.
Ele morava no Rio Lessa e ia de bicicleta até a
casa da moça, que ficava distante algumas dezenas de quilômetros. Podia ser
qualquer hora do dia ou a noite ele não tinha preguiça de pedalar para ver
amada e dançar em alguns bailes da região.
“Antigamente cada um tinha uma casa grande, com uma sala grande, então muita
gente fazia baile em casa, principalmente quando faziam o pichurum”. As
festas que seu Edolino frequentava eram animadas pelo som que Daniel Knaul
tirava de seu bandoneon. Dançavam a noite inteira, iluminados por pombocas e
quando a dança acabava, ele levava a namorada em casa e voltava para o Lessa
com sua bicicleta, atravessando rios e sendo perseguido por cachorros.
O casal se casou no Caeté, na Igreja Luterana e após o
casamento moraram no paiol do sogro “a regra lá era: até engordar um porco”,
então em quatro meses eles tiveram que arrumar outro lugar para morar. Ele
relembrava que começaram a vida muito pobres “só o que eu tinha eram duas
novilhas e duas bicicletas e a mulher tinha uma vaca”, e foi com isso que eles
começaram a vida.
Muito trabalho até conquistarem seu pedaço de chão.
Seu Edolino conta com orgulho que mesmo sem ter nada, tinha seu nome, de homem
honrado e trabalhador, então conseguiu pegar dinheiro emprestado, para comprar
um pedaço de chão, primeiro no Caeté e depois novamente no Rio Lessa, há 53
anos atrás, onde acabou se fixando e onde a família Marian tem suas origens e sua
grande base.
Trabalharam fortemente na agricultura e também na
engorda de porcos, para vender não apenas a carne, mas também a banha dos
animais, sempre ensinando aos filhos seus maiores princípios, honra, disposição
e também a fé.
Seu Edolino posteriormente também abriu um bar, que durante anos foi
um grande ponto de encontro para todos que moravam naquela religião. O Bar
ainda está em funcionamento, hoje tocado por um dos filhos. “Esse Lessa aqui, chegava a dar 40 pessoas
nesse boteco, hoje não dá mais 4” ele atribui a afirmação por falta da
renovação da comunidade, os jovens estudaram e saíram dali, foram fazer a vida
em outro lugar.
Falando em filhos, os netos sempre foram motivo de
muito orgulho e amor para o casal, contando com orgulho que sempre cuidaram
muito deles, para que os pais – filhos, noras e genros – pudessem trabalhar na
roça. O amor pode ser sentido, no olhar dos netos que com carinho assistiam a
entrevista que estava sendo realizada com o patriarca da família. Ele não quis
revelar quem era o neto preferido, provavelmente para não causar ciúme nos
demais.
Nos contou também com grande alegria que o natal e o
seu aniversário eram uma época muito especial, pois vinham todos, os filhos,
netos e bisnetos. O domingo também era um dia de encontro da família.
Terminamos de contar essa história agradecidas, por
termos tido a oportunidade de passar esses momentos com seu Edolino e sua
família, que nos acolheu com muita alegria e amor. Temos certeza que tanto
essas palavras, quando as imagens do vídeo, irão servir para manter ainda mais
viva a imagem deste grande homem.
3 Comentários
Linda homenagem meu tio, descanse em paz.
ResponderExcluirLinda homenagem.saudades
ResponderExcluirParabéns pelo trabalho de vocês.
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