HISTÓRIAS DA NOSSA TERRA – FUGINDO DA GUERRA, ENCONTROU A PAZ NO BRASIL



A personagem de hoje é Ivone Ianh Klauberg, de  81 anos, que mora em São Leonardo, e nos conta a história de seu avô, Adolf Ianh, que nasceu em Berlin no ano de 1862.
Dona Ivone me recebeu em sua casa em uma tarde de sábado, e por pouco mais de uma hora me contou muitas histórias, em meio a muitas risadas e palavras em alemão. A história de sua família no Brasil, começa ainda na Alemanha quando seu avô decide sair de lá para tentar a vida em um lugar com menos sofrimento.
Adolf tinha apenas 18 anos, quando se viu sozinho na Alemanha, todos seus parentes haviam morrido nos constantes conflitos que ocorriam por lá. Dona Ivone nos fala que seu avô lhe contava com água nos olhos, que para enterrar os muitos mortos, eram abertas imensas valas e os corpos eram todos jogados lá dentro. Dentro dessas valas Adolf viu os corpos dos pais e de todos os seus irmãos serem enterrados, ele só se salvou pois junto com 12 amigos construíram uma espécie de bunker, um túnel cavado e sustentado por tábuas, onde se esconderam até o conflito cessar. Mesmo sendo muito jovem ele tomou a decisão de que queria deixar aquele lugar, vendeu tudo e partindo do porto de Bremen, a bordo de um veleiro ele veio rumo ao Brasil.
Mas a viagem ainda seria muito longa e o sofrimento ainda não havia acabado.
A viagem de Adolf para o Brasil é semelhante à de muitos imigrantes, que dentro de veleiros superlotados fizeram a viagem rumo a nova vida. Adolf lembrava que sempre que possível eles abasteciam o navio com água potável, em cachoeiras próximas a costa, mas que quando chegaram no mar aberto muitos problemas começaram. A comida era pouca e começou a apodrecer, quase no final da viagem, restou apenas um pouco de torresmo, apodrecido e cheio de bichos, mas o qual mesmo assim eles comiam, para não morrer de fome. Durante a viagem que durou mais de 3 meses, muitas pessoas adoeceram e Adolf nunca esqueceu da pequena menina que faleceu, foi embrulhada em um lençol branco e jogada ao mar, tampouco do choro inconsolável de seus pais, que não puderam fazer nada por sua filhinha e tiveram que deixá-la ir, em alto mar.
Chegaram primeiro no Rio de Janeiro e depois se dirigiram para Santa Catarina. Adolf não tinha contatos no Brasil, ele veio com dinheiro para comprar terras, mas não sabia como as coisas iriam acontecer na nova terra. Contou com a generosidade de duas famílias, os Moritz e os Heptchs**, que no porto o ajudaram, levaram-no para almoçar e até mesmo o abrigaram em sua casa, até ele comprar suas terras e construir sua nova vida.
Ele comprou terras na cidade de Águas Mornas, onde casou com Albertina Schaph, que também era de origem alemã, mas que já havia nascido no Brasil. Lá moraram por alguns anos e depois vieram morar na vila próspera do Quebra Dentes, hoje São Leonardo, e foi lá que Adolf finalmente encontrou a paz. Ele dizia para todos em alemão que ali era um “Heiliges Land”, um lugar santo. Uma terra linda e abençoada, com um solo rico e forte, de onde eles conseguiam retirar tudo que precisavam para sobreviver.
Adolf e Albertina tiveram 9 filhos. Eram um casal de fé, frequentavam a igreja Luterana e quando os netos chegaram, adoravam contar a todos muitas histórias do passado, de tempos difíceis, mas que precisavam ser lembrados. Adolf sentia saudade de sua terra, de sua amada Berlin, desenvolvida, onde tudo se aproveitava e que mesmo no final do século XIX, já pensava em conceitos como: reciclagem, reaproveitamento e sustentabilidade, mesmo tratando-os por outro nome. Lembrava também com tristeza de como a sua cidade sofria com as guerras, de amigos e parentes que foram perdidos em conflitos e agradecia todos os dias por ter encontrado a felicidade e a paz aqui no Brasil.
Ele era um homem que por ter sentido na pele os horrores da guerra, só queria a paz, e que comemorou quando seu xará Adolf Hitler morreu. “Der Hund ist gestorben”, o cachorro morreu. Ele achava inadmissível e inaceitável tantas vidas se perderem.
A paz só foi ameaçada nos tempos das grandes guerras mundiais. Adolf não ouvia muitas histórias dos alemães que era charopeados com óleo, simplesmente por serem origem germânica e falarem aquele idioma. Mesmo assim ele se manteve falando alemão, pois tinha orgulho de sua origem.
Ivone cresceu com esses valores e foi criada dentro da cultura alemão. Ela conta que em sua casa só se falava o idioma alemão e que ela só aprendeu a falar o português com 15 anos.
Quando criança os moradores da pequena vila, que ainda pertencia a cidade de Bom Retiro fizeram uma grande manifestação, pedindo uma escola para que suas crianças pudessem estudar. Ela guarda a foto na sala de sua casa, todos de uniforme em frente à escola, porém o que a foto não mostra é que nenhuma daquelas crianças tiveram a oportunidade de estudar, pois a escola foi construída, mas um professor só foi designado para trabalhar lá anos depois, quando Ivone já era moça.

De sua mocidade Ivone tem belas lembranças, como as das tardes em que se reunia com as amigas na varanda de sua casa, ela conta que eram 28 moças na comunidade naquele tempo e que a diversão era ir assistir aos jogos de futebol no campo da comunidade e ir nas festas no clube animadas pelo conjunto Jazz Familiar.
Ela recorda também de outras histórias, como a de quando na revolução de 30 as tropas passavam pelo município e matavam animais para se alimentar. Era comum as pessoas fugirem, com medo de por terem origem alemã sofrer alguma represaria. Mas as vezes a fuga gerava algumas situações inusitadas, como quando um de seus vizinhos fugiu para o meio do mato, levando uma vaca para terem leite e uma coberta de penas para se protegerem do frio a noite, mas no meio da fuga, a coberta foi furada por espinhos e as penas formaram um rastro, que denunciavam o esconderijo. hahaha
Em sua casa Ivone tem muitas fotos, muitas delas feitas por seu pai, Guilherme Iahn – Willi -, que entre muitas outras funções era também o fotografo da comunidade. Ele se dividia entre carpinteiro, pintor, cabeleireiro e fotógrafo, enquanto sua mulher Ema Horst e os filhos tocavam a lavoura e cuidavam dos animais.

Ivone se casou aos 16 anos com Anildo Augusto Klauberg, com quem teve 4 filhos. Todos seus filhos ainda vivem na comunidade de São Leonardo. Conversar com ela foi como uma volta no tempo, onde pude conhecer um pouco mais sobre as histórias da gente que construiu a nossa história.






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