Eva Schneider em: Quebra Dentes e a Lenda do Tesouro Inca


O frei convidou Eva, Sabú e Ceci para o acompanharem em uma visita até Quebra Dentes. A comunidade ficava um pouco distante do centro, por isso eles ficariam três dias por lá. O convite do frei deixou Eva muito feliz, pois ele a chamou para visitar uma escola com uma biblioteca com mais de 2 mil exemplares. Como Matilda confiava muito no frei permitiu a viagem, mas ficou com o coração na mão, ainda não sabia como conseguiria passar três dias sem suas crianças.
Eva achava o nome engraçado “Quebra Dentes” e foi logo tratando de perguntar ao frei durante a viagem de onde vinha aquele nome tão estranho, ele contou:
- Este nome deve-se ao relevo da região e ao transporte de carga por animais que subiam e desciam a serra por este local. Devido a sua extensão o declive dificultava o transporte de carga feito com burros que patinavam na sua travessia, principalmente em época de chuva, e com a carga no lombo chegavam a bater com o queixo no chão e muitos deles quebravam os dentes. Isso serviu de referência a muitos tropeiros e por isso originou-se esse nome.
Eva, Sabú e Ceci acharam engraçado e ficaram com pena dos animais que quebravam seus dentes.
A comunidade de “Quebra Dentes” era uma das mais prósperas do Barracão, favorecida pelo contato e negócios com tropeiros. Havia comércio, pequenas fábricas, armazéns, hotéis, lojas de ferragens, de tecidos e armarinhos, tudo construído por famílias e de forma artesanal.
Ao chegar até a comunidade o frei imediatamente levou Eva para conhecer a escola. Era diferente de tudo o que ela tinha visto até então no Barracão. A escola era linda, cheia de livros e um professor muito preocupado. Seu nome era Leonardo Harger e ele mantinha a biblioteca com recursos próprios. Além disso, os alunos produziam um jornal mensal chamado “O Colibri”. Eva ficou encantada e o professor percebendo todo o seu interesse perguntou se ela gostaria de escrever para a próxima edição do jornal que sairia em três dias. O jornal era escrito parte em português, parte em alemão, como muitos outros jornais que circulavam pelas colônias.
Enquanto Eva, Ceci e Sabú ficavam na escola, o frei foi até a igreja da comunidade para acertar alguns assuntos pendentes. Ao retornar, o professor Leonardo o chamou para contar algo estranho que estava acontecendo por ali. Ele disse:
- Olha frei, faz mais ou menos uns quatro dias que ele chegou aqui, está hospedado na hospedaria, mas foi um rolo pra se entenderem, ele parece falar inglês e espanhol, e ninguém é muito bom nesses idiomas aqui. Alemão ele não entende uma palavra, a negociação do valor foi feita na base da mímica.
O frei perguntou:
- Mas o que esse forasteiro quer aqui?
E teve a seguinte resposta:
- Ahh frei, isso ninguém conseguiu descobrir... ele trouxe umas ferramentas e todo dia se embrenha no mato, volta com as roupas sujas, mas ninguém sabe o que ele vai fazer. Acho que amanhã alguém vai seguir o miserável, para ver o que ele quer por essas bandas.
O frei decidiu que também ficaria na hospedaria e que pretendia sondar o que poderia ter trazido aquele homem para a distante Quebra Dentes.
Frei e as crianças foram para a hospedaria, e assim que chegaram Sabú foi de animal em animal, para ver como estavam seus dentes e saber se a história que o frei contou era mesmo verdade, o frei riu muito da cena. Quando o menino retornou disse:
- Olha, realmente eles estão com os dentes quebrados, mas se quebraram aqui eu não sei.
O frei riu da inocência do menino e o abraçou. Na hora do jantar se reuniram com outros hóspedes que na maioria eram tropeiros, caixeiros viajantes e em uma mesa no canto da sala, sozinho o misterioso forasteiro.
Os quatro se serviram e procuram uma mesa perto do homem desconhecido. O frei puxou assunto:
- Buenas noches amigo.
O homem arregalou os olhos e disse:
- Gracias a Dios, que habla español!
O frei deu um sorrio e falou:
- Solo un poquito!
Os dois homens ficaram rindo, enquanto todo mundo ficava sem saber o motivo, pois não falavam espanhol. O homem parecia aliviado em finalmente ter encontrado alguém para conversar. Quando viu Eva ficou intrigado e perguntou ao frei:
- Creo que la conozco de alguna parte.
O Frei disse a ela:
- Eva, ele acha que te conhece de algum lugar.
Eva ficou pensativa, mas não aparenta se recordar. Ele começou a contar ao Frei o que lhe trouxe até ali. Seu nome era Dr. Henry, um arqueólogo americano que estava estudando os povos pré-colombianos. Começou seus estudos em Machu Picchu, uma cidade Inca recentemente descoberta por um professor amigo seu, chamado Hiram Bingham e desde então veio por um caminho chamado “Caminho do Peabiru” em busca da escultura em ouro do grande Deus Sol. O frei não parecia ter entendido muita coisa, enquanto as crianças ouviam com atenção, entendendo menos ainda, pois elas só conseguiam entender a parte que o frei traduzia.
Henry tentou explicar melhor... esse caminho seria uma grande estrada que ligava o império Inca até os povos Guarani, que viviam no litoral do Brasil. Era longo, tinha mais de 3 mil kms e o final dele era em uma cidade ali próximas chamadas pelos índios de Massiambu, hoje conhecida como Palhoça. Porém de acordo com alguns mapas espanhóis do século XVII a escultura sagrada de ouro teria sido deixada mais para o interior do estado, perto do local onde seria construído um grande templo “Kkoricancha” de adoração ao Deus Sol, mas não se sabe porque esse templo nunca foi concluído. Velhos Incas de uma aldeia onde Dr. Henry havia estado acham que a aldeia só voltará a ter prosperidade quando a escultura retornar ao seu solo. O solo não tinha mais força para produzir, a chuva não vinha quando precisa e quando vinha, chegava toda de uma vez. No inverno fazia calor, no verão fazia frio, Pancha Mamma andava maluca, com saudade do Deus Sol, nem as crianças vingavam, a quase uma geração que nenhuma criança chegava a dois anos de idade. Os sábios da aldeia diziam que a única solução era o retorno da estatueta para a aldeia e era isso que Dr.Henry vinha tentando fazer. De acordo com os mapas espanhóis a estatueta estaria por ali, “Donde los dientes se rompen”. A medida que Dr. Henry falava, o frei ia traduzindo para as crianças e foi nesse momento que Dr. Henry começou a falar em Guarani com Sabú e Ceci.
Ele fez perguntas sobre a mata, sobre o que eles conheciam pela redondeza e não conseguiu esconder o espanto quando Eva começou a conversar junto com eles. Ele não imaginava que aquela menina também falava tupi-guarani. Dr. Henry perguntou a ela, qual seu nome e ela respondeu estendendo a mão:
- Me chamo Eva Schneider, muito prazer.
Ele segurou sua mão e perguntou em guarani:
- Você nasceu aqui?
E ela respondeu:
- Não, eu nasci em Heidelberg, Alemanha.
O forasteiro jogou seu corpo para trás na cadeira e disse:
- Não pode ser, você conhece o Doutor Friedrich Schneider?
Eva não escondendo o espanto respondeu:
- Sim, Friedrich era meu pai.
Dr. Henry se levantou e a abraçou Eva dizendo:
- Eu te peguei no colo quando você era um bebê.
Dr. Henry contou que ele e Dr. Friedrich eram amigos e trocavam correspondências e visitas. Estas, menos frequentes nos últimos anos, pois Henry estava se dedicando a estudos na América do Sul e Friedrich se dedicando a criar sua filha. Ele comentou que Eva se parecia muito com o pai, principalmente no olhar, penetrante e decidido. Ficou muito triste ao saber que amigo morreu, soube por meio de uma carta recebida de um amigo em comum, mas agora se sentia muito feliz por ter encontrado em uma terra tão distante alguém pertencente a um passado tão saudoso e estimado. Disse que devia muito ao pai de Eva, pois ele sempre o ajudou com seu vasto conhecimento em muitas descobertas ao redor do mundo. Eles conversam mais um pouco, mas pelo adiantado da hora se despediram e foram dormir.
Toda essa conversa acontecia de uma forma muito estranha, alternavam entre o espanhol e o tupi, hora o frei traduzindo as crianças, hora as crianças traduzindo ao frei, porém todos estavam se entendendo.
Eva estava muito feliz por ter encontrado alguém que conhecia seu pai. Ela mentalmente construiu uma lista de perguntas que gostaria de fazer a Dr. Henry no dia seguinte, pois marcaram de jantar novamente juntos.
Na manhã do outro dia o frei acompanhou os três até a escola onde, enquanto ele resolvia algumas coisas na comunidade, as crianças realizariam atividades com o restante da turma. Para Sabú e Ceci era uma experiência única, diferente de Eva que já havia frequentado a escola na Alemanha; eles nunca tinham colocado os pés em uma sala de aula. Acharam muito divertido, mas demorou um pouco até que a turma perdesse o medo deles.
A região de Quebra Dentes era cercada de história de bugres e lá nem sempre o encontro entre bugres e brancos terminava de forma amistosa. Apesar de, a princípio todos ficarem um pouco retraídos com a presença dos indiozinhos, aos poucos foram vendo que eles eram como eles, apesar de terem a cor da pele e dos cabelos diferentes.
Eva, Sabú, Ceci e o frei voltam para a hospedaria para o almoço e lá encontraram com Dr. Henry, com a aparência um pouco desconsolada, bebendo um litro de pinga. Dr. Henry ao ver o quarteto chegando fez sinal com a mão para que eles se sentassem com ele.
Ele começou a contar que estava a um passo de desistir, que como dizem os locais “ele está no mato sem cachorro”. Suas pistas se esgotaram e ele não conseguia encontrar o local onde a estatueta estaria escondida.
O frei olhou com o rabo do olho para Eva e disse:
- Bom, se o senhor acha que a caçada já está perdida, não custa nada explicar para Eva e ver se ela pode te ajudar. Não é para me gabar mas essa minha menina é ótima em desvendar mistérios.
Um pouco incrédulo, mas sem ter nada a perder Dr. Henry concordou em mostrar suas anotações para Eva e aos outros.
Após o almoço ele os levou ao seu quarto. Lá dentro Eva se sentiu em uma daquelas histórias de aventura que ela estava acostumada a ler. Bússolas, mapas, lunetas, instrumentos de arqueologia, tinha de tudo um pouco e ela quase não conseguia se segurar de vontade de ver como tudo funcionava, mas se conteve e prestou muito a atenção em todas as pistas que tinham trazido Dr. Henry até o Quebra Dentes. A partir dali é que parecia que nada mais fazia sentido.
As anotações diziam:
“ Donde Pancha Mamma llora, por 47 hombres;
embajo de la nuvem de lágrimas; y donde el Dios Sol no llega, usted a de encontrar el pasajem que a travéz de su mano le dará INTI.
* Anho pi’a ava’i ruxã’i”

Eva não entendeu nada, frei e Dr. Henry tentaram explicar.
- Bom minha filha vamos começar pelo começo. Segundo o Dr. Henry “Pancha Mamma” significa em linguagem Inca “Mãe natureza” e Inti “Deus Sol”. A tradução seria “Onde a mãe natureza chora, por 47 homens; por debaixo da nuvem de lágrimas; e onde o Deus sol não chega, você vai encontrar a passagem através de sua mão que te levará a INTI.
 Frei ficou meio sem palavras com a última parte do texto, mas Eva, embora nunca tenha visto o Guarani escrito traduziu:
- Apenas abrir menino pequeno.
Nada daquilo fazia muito sentido, então Henry explicou.
- Eu comecei por buscas pela região, qualquer lugar onde poderia ter algo enterrado. Encontrei vários locais com restos de antigas civilizações indígenas, flechas, machadinhos, vasos de cerâmica gigantes usados para cremar os corpos. Fiz um reconhecimento da área para ver como poderia proceder, mas o local é muito vasto, cheio de peraus, cavernas, rios, mata, eu não esperava encontrar isso. Acredito que quando falam “Onde a mãe natureza chora” estão falando de algum rio, talvez uma cachoeira, mas contei 17 cachoeiras pela redondeza. São muitas, não sei nem por onde começar.
Eva ficou em silêncio por algum tempo e perguntou:
- O que seriam os 47 homens?
Henry disse:
- Não sei. Penso que eles poderiam estar em 47 na época em que esconderam, mas a verdade é que não faço ideia do que esse número possa representar.
Frei indagou Henry:
- E se esses 47 homens forem referentes ao nome da tal cachoeira?
Henry ficou pensando... “Jurua significa homem em Guarani, mas ele não sabe da existência de nenhuma cachoeira com esse nome. ”
Frei disse:
 - E se for referente ao tamanho? Se a gente for analisar cada homem tem em média 1,70 de altura, se multiplicarmos por 47 teríamos quase 80 metros... existe alguma cachoeira com essas dimensões?
Henry deu um pulo da cama onde havia se sentado.
- Existe! É claro que existe! Eu já passei por essa cachoeira, ela é realmente imensa e pode esconder alguns segredos. Vamos para lá!
Os cinco seguiram até a cachoeira, que de fato era imensa. Ela caía por uns 80 metros até atingir uma espécie de poço, com águas claras. Lá do alto eles decidiram que deveriam descer para que pudessem decidir o que fazer.
A descida foi difícil. O frei não estava acostumado a andar pelo meio do mato, caiu várias vezes e o mais difícil para as crianças não era se equilibrar e sim não rir das trapalhadas do frei que parava mais no chão do que de pé.
Ao se aproximarem já começaram a sentir uma brisa molhada que vinha por conta da pressão da água ao chegar ao poço. Era refrescante e ao mesmo tempo alegre, eles não conseguiram conter a alegria de estar ali. O barulho era quase ensurdecedor. Eles observaram ao redor e depois foram confabular.
Chegaram à conclusão que a “nuvem de lágrimas” descrita nas orientações só poderia ser aquela brisa úmida que levantava d´água. Sabú e Ceci resolveram entrar na água para ver se existia alguma entrada por trás da queda, porém, não existia nada, a não ser uma rocha. Ao contar isso a Dr. Henry ele se viu mais uma vez sem saída.
Eva tomou as anotações e ficou acocorada observando a cachoeira e lendo por alguns momentos, ao se levantar falou:
- E se for por baixo da nuvem? E se entrada for por baixo d'água?
Todos ficaram se olhando intrigados. Em um rompante Eva mergulhou. O frei ficou gritando:
- Onde você vai menina, volte aqui, Eva, sua tia Matilda me mata.
Ela voltou segundos depois dizendo:
- Acho que vi uma entrada entre as pedras.
Dr. Henry mergulhou também. Eles se alternam em mergulhos, mas parecia que nenhum deles tinha fôlego para examinar tudo por muito tempo, exceto Sabú que ficava muito tempo embaixo d'água apenas se divertindo. Frei observando isso chamou Dr. Henry.
- Dr. Henry, peça para Sabú ir, ele tem mais fôlego!
Dr. Henry e o Frei passaram as recomendações para Sabú.
- Analisar o lugar e só ir até onde o fôlego aguentar, ele deve ir sabendo que tem que guardar o fôlego para a volta.
Sabú, Ceci e Eva, mergulharam ao mesmo tempo, as meninas iriam com ele até onde aguentassem e depois ele seguiria sozinho.
Pouco mais de um minuto Eva chegou à superfície, quase roxa de tanto prender o ar, logo depois chegou Ceci, tão ofegante quanto a amiga. Os minutos começaram a passar e nada de Sabú retornar. O frei já começava a ficar preocupado e Dr. Henry a se sentir culpado, pois era ele quem deveria ter ido explorar a passagem submersa e não um garotinho. Ceci já estava chorando e Eva a segurava, a impedindo de mergulhar em busca do irmão quando o garoto submergiu, como se nada tivesse acontecido. Ele disse:
- No final do poço tem uma caverna, escura e parece bem grande. Eu demorei porque encontrei um atalho por trás de uma pedra que acho que por ele até essas duas sem fôlego vão conseguir chegar.
Ceci abraçou o irmão aliviada.
Dr. Henry apanhou uma tocha feita com pano umedecido no querosene, alguns fósforos e coloca-os dentro de uma bolsa de couro, para que não molhassem. Ele falou:
- Eu vou sozinho dessa vez.
Eva se interpôs:
- Não, não Dr. Henry, nós vamos com o senhor. O senhor pode precisar da gente, além do mais, Sabú tem que ensinar o caminho.
O frei até tentou argumentar, mas não se opôs a ida deles, afinal, Dr. Henry estaria junto. Mesmo assim, ele tirou um rosário do bolso e enquanto eles mergulhavam ele ficou rezando.
Por baixo d’água Sabú puxava a fila. Todos nadaram seguindo as orientações do indiozinho; primeiro eles mergulharam para baixo, se enfiaram por um buraco escuro e estreito e aparentemente muito profundo, depois subiram à superfície d’água. Dr. Henry ao sair da água falou:
- Esse é o limite do meu fôlego, se tivesse mais alguns metros eu não conseguiria.
Dentro da caverna Dr. Henry acendeu a tocha. Ceci achou assustador, várias criaturas da escuridão grudadas nas paredes e no teto da caverna. Ela se segurou no braço de Eva que disse a  Dr. Henry:
- Qual o próximo passo?
Ele pegou as anotações e falou:
- Bom, definitivamente aqui o Deus Sol não consegue penetrar, tem que estar aqui em algum lugar.
 Eles observaram tudo, a caverna era bastante comprida, mas com a ajuda do fogo eles conseguiam ver todos lugares.
Eva encontrou algo diferente e chamou Dr. Henry:
- Veja Dr. Henry parece uma mão!
Era um buraco em formato de mão, mas a mão de Eva não cabia. Ela disse:
- Essa deve ser a parte em que diz que através de sua mão encontrará a passagem para INTI.
Eva observava enquanto Dr. Henry olhava o buraco.
- É mesmo Eva, acho que lá no fundo tem uma alavanca. Se eu usar um pedaço de madeira consigo alcançá-la.
Ele foi à procura de um pauzinho. Retornou e começou a tentar mover a alavanca, foi quando Eva disse:
- Pare Dr. Henry, pare, estamos esquecendo uma parte muito importante! Anho pi’a ava’i ruxã’i! Apena abrir menino pequeno!
Dr. Henry parou, olhou para Eva e concordou, ele já viveu bastante para aprender que os enigmas devem ser seguidos ao pé da letra. Mais uma vez Sabú teria que ajudar.
Sabú enfiou sua pequena mãozinho no buraco, parecia até que o buraco havia sido feito sob medida e sem maiores problemas puxou a alavanca. No momento que ela foi puxada um barulho foi ouvido. Uma estaca de madeira se soltou do teto e sua ponta afiada se chocou contra as pedras a poucos centímetros da cabeça de Sabú e uma parede de pedra ao lado da alavanca veio abaixo. Tudo aconteceu em frações de segundos, e quando a última pedra rolou ninguém ainda tinha tido tempo de assimilar o que havia acontecido.
Dr. Henry pegou Sabú no colo para ver se estava tudo bem; ele disse que sim. Não havia sido atingido. Ceci disse:
- Meu Deus, ainda bem que Eva lembrou da última parte do enigma, senão o Dr. Henry estaria furadinho.
Dr. Henry deu uma olhada para Ceci, querendo repreendê-la pela ironia, mas ela tinha razão; Eva o salvou.
Eles pegaram a tocha e iluminam o buraco feito pelo deslizamento das pedras. Um a um entraram na nova galeria e para a satisfação de Dr. Henry, lá estava a estatueta em cima de um altar feito de pedras, quase um metro de altura, toda em ouro maciço. Era linda. Um Deus Sol cravejado com esmeraldas. Era maravilhoso, muito mais bonito do que eles imaginaram. Sabú e Ceci como se reconhecessem a imagem se ajoelharam e o reverenciaram. Dr. Henry estava com os olhos cheios de lágrimas, foram meses de procura, milhares de quilômetros andados e agora ele estava ali, com aquela relíquia Inca em suas mãos. Ele não via a hora de retornar e mostrar aquela preciosidade ao frei, por isso apressou as crianças.
Ele amarrou a estatueta em suas costas, sabia que a volta seria ainda mais complicada, pois ele estaria levando um peso extra.
Tomou o máximo de fôlego que conseguiu e assim como os outros três mergulhou. Sabú foi na frente, seguido por Ceci, Dr.Henry e Eva.
Quando foram atravessar o estreito caminho entre as pedras, o Deus Sol que Dr. Henry levava nas costas acabou ficando preso por raízes em uma das fendas das pedras. Dr. Henry não conseguia se mover. Eva que vinha logo atrás, tentou ajudar, retirando as raízes que se prenderam ao Deus. O antropólogo tentou se livrar do peso extra, numa tentativa de desatar as tiras de couro que prendiam a estatueta às suas costas.
Sabú e Ceci já haviam chegado junto a superfície a algum tempo, e começam a desconfiar que algo havia saído errado. Eles mergulham novamente e perceberam que Dr. Henry, já quase sem forças tentava passar pelo buraco, mas estava trancado. Eva ainda tentava desvencilhá-lo, mas foi apenas quando Ceci e Sabú o puxaram, que finalmente os nós das tiras de couro se soltaram e a estatueta se desprendeu. Eles o tiraram d’água, ele já estava quase azul. O frei entrou no rio para acudi-lo. Ceci e Sabú mergulharam novamente para encontrar Eva, mas retornaram falando que ela não estava mais ali. Ceci e Sabú mergulham mais alguma vezes, foram até a caverna, voltaram, e nada de encontrar Eva. Já estava escurecendo. O frei rezava, enquanto Dr. Henry entrava em desespero por ter perdido a filha de seu amigo, e ele nem estava em condições de ajudar as crianças a procurá-la.
Uma tosse foi ouvida na margem oposta da qual eles estavam, todos olharam, era Eva abraçada a estatueta.
O frei, atravessou o rio, como se fosse um exímio nadador e foi ajudar a menina. Aparentemente ela havia bebido muita água, estava desacordada, mas respirava.
A noite já estava escura e uma fogueira queimava ao lado de Eva quando ela acordou. Todos estavam ao seu redor, afoitos esperando que ela recuperasse a razão.
- Eva, Eva, você está bem? - disse Ceci.
Eva respondeu, sem abrir os olhos:
- O que tem para o jantar?
Todos riram, era certo que Eva estava bem, pois já estava pensando em comida. Eva falou assustada:
- Onde está o INTI?
Frei fez um sinal com a cabeça apontando para a estatueta sã e salva. Dr. Henry perguntou:
- Como você conseguiu recuperá-la?
Eva começou a contar:
- Bom, assim que ela se desprendeu eu mergulhei para pegá-la, evitando que ela se perdesse, pois naquela parte do poço é muito escuro e passaríamos horas procurando-a. Porém quando eu consegui pegá-la vi que não tinha mais ar, e comecei a nadar em linha reta, apesar de estar metros abaixo do caminho certo. Por sorte encontrei outra câmara, onde tinha alguns centímetros entre o teto e água, onde eu pude respirar. Me mantive ali o quanto deu, mas depois tive que mergulhar novamente para tentar achar a saída. A estatueta era muito pesada e eu não consegui nadar muito antes de começar a me faltar ar. Eu não lembro como consegui sair, acho que devo ter sido puxada pela força de algum redemoinho e vindo a superfície. Eu não sei explicar. Ou foi isso, ou foi o Deus Sol.
Eles riram, mas não descartaram a ideia.
Ao longe começaram a ouvir barulhos de cachorros e gritos “FREEEEI, FREIIIII”. E o frei respondeu:
- Estamos aqui, estamos aqui.
Dr. Henry fez com que a fogueira gerasse bastante fumaça e não demorou muito para que cinco homens estivessem lá perto para ajudar todos a retornarem à vila.
Enquanto frei carregava o Deus Sol, Dr. Henry levava Eva no colo até a hospedaria. Todos se reuniram no quarto do frei após se banharem e jantarem. 
- Meus amigos, certamente sem vocês eu não teria conseguido.
Dr. Henry se virou para Eva e disse:
- Eu sabia que meu amigo Friedrich não me deixaria no mundo sem sua genialidade, ele partiu mais deixou sua filha que além de ter toda a sua inteligência, ainda é muito mais bonita que o pai.
Todos riram e Dr. Henry abraçou o frei dizendo:
- Muito obrigado pelo senhor ter confiado em mim, me ajudado e acreditado nos meus propósitos.
Ele pegou Sabú no colo e disse:
- Eu tenho um presente para você, essa bússola e essa luneta, para te orientarem onde quer que você vá. Certamente você será um grande homem e juntos ainda poderemos descobrir muitos mistérios do mundo.
Ele pegou Ceci no colo e disse:
- Ceci, para você eu dou essa pérola, que eu mesmo encontrei em uma de minhas expedições pelo mediterrâneo. Ela não é tão bela quanto você, mas assim como tu, tem uma beleza diferente... e para você Eva, dou um dos meus maiores tesouros; esse livro, um manuscrito escrito por mim e por seu pai há alguns anos sobre as grandes civilizações do Oriente Médio. Nós éramos apaixonados por essa parte da história e nessas páginas estão alguns de seus grandes segredos.
Ele olhou para o frei e disse:
- Para o senhor eu não sei o que dar, deixa eu pensar... já sei! Lhe darei esse crucifixo espanhol, dizem que pertenceu a Pizarro, mas pode ser apenas especulação.
Os dois se abraçam e Dr. Henry anunciou que já estava partindo, ele ainda levaria muito tempo para chegar até a aldeia de onde partiu. Eva levantou e deu mais um abraço em Dr. Henry, que a beijou e disse:
- Certamente esse não será nosso último encontro.
Os três observavam já saudosos Dr. Henry montar em seu cavalo e partir.
Já era tarde mas Eva ainda precisava escrever antes de dormir.
A noite havia sido bastante curta e assim que as crianças acordaram o frei já estava arrumando as coisas para sua partida. Eva disse:
- Como assim frei, ainda precisamos ir até a escola para que eu me despeça do professor Leonardo e entregue a ele a minha coluna no jornal.
O frei olhou intrigado, mas não se atreveu a negar o pedido de Eva.
O frei parou o carroção e o professor Leonardo veio até eles. Ele já sabia o que havia acontecido na noite passada, sobre o frei, as crianças e o tal forasteiro terem se perdido na mata, mas foi discreto e não perguntou sobre isso. Eva lhe entregou algumas folhas de papel e disse:
- Essa é a minha coluna professor.
Ele se espantou, pensava que a menina não tinha tido tempo de escrever nada, mas agradeceu e se despediu. Quando a carroça já estava virando a curva ele começou a ler as folhas que Eva lhe entregou.
“Quebra Dentes e a Lenda do Tesouro Inca”, era uma história que fala sobre civilizações antigas, Deuses, mergulhos em poços submersos, ouro, esmeraldas e enigmas. Ao finalizar a leitura ele disse em voz alta.

 - Quanta imaginação! 



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